Continuação da série sobre os maiores da História do Flamengo, apresentados por posição e ordem cronológica. O primeiro, um imortal da Era de Ouro que, apesar da profusão de títulos, se tornou ''maldito'' para boa parte da torcida, e que desperdiçou convocação para a Copa do Mundo porque não aceitava jogar de meia-ponta. O segundo, um eslavo que provou para os brasileiros, tanto religiosos quanto ateus, que São Judas Tadeu realmente vela pelo clube. Quem é Flamengo e tem mais de 30 anos, sabe muito bem onde estava naquele perene 43 minutos do 2º tempo.
5) TITA [1977/82; 83/85; 1990]
O carioca Milton tinha tudo para ser o sucessor do Galinho de Quintino e um ídolo incontestável da Magnética. Mas sua trajetória foi de altos e baixos, tão vitoriosa quanto repleta de constrangimentos, e, no fim da carreira, acabou “acusado” de ser vascaíno. Olhando com isenção, no entanto, Tita foi um dos grandes pontas-de-lança rubro-negros e um legítimo representante da Era de Ouro.
Profissionalizado na Gávea em 1977, com apenas 19 anos, Tita tinha uma obsessão: envergar a camisa 10. Só existia um probleminha. Zico, em pleno auge, era seu dono incontestável.
Mas o garoto demonstrava muita qualidade. Não tinha a genialidade e plenitude técnica do Galinho, mas certamente seria titular da posição em qualquer outro clube brasileiro, tamanha a qualidade no passe, a cobertura de campo e a excelência no jogo aéreo.
Entrava como podia na equipe, e na campanha do tricampeonato de 1979 teve sua grande chance. Zico sofreu um estiramento muscular e Tita assumiu a função, sendo um dos responsáveis por manter o Flamengo nos trilhos das glórias. Depois que Zico voltou, a discussão passou a ser como arrumar lugar para o rapaz.
Com o tempo, ele foi escalado na “ponta direita” -- um meia-ponta, na verdade. já que o Flamengo da Era de Ouro foi, segundo Carpegiani, o primeiro protótipo do 4-2-3-1.
O volante era Andrade, acompanhado de Adílio como meia armador. Zico era o ponta de lança, mas era acompanhado dos lados por dois “falsos pontas”, os também meia-atacantes Lico na esquerda e Tita na direita. Nunes atuava mais à frente, como homem de área “rompedor”. Eis aí a escalação do meio pra frente daquela máquina, em que o jovem Tita era peça fundamental.
Só que ele não gostava de jogar por ali. Dizia que não era sua posição original. Chegou à seleção de Telê jogando dessa forma, e tinha tudo para ser convocado para a Copa de 1982. O técnico sonhava em escalá-lo como no Flamengo. Mas Tita pediu para não jogar mais “na ponta”, teimosia que hoje em dia admite ter sido uma grande burrada. “Coisas da juventude”, diz. De fato, jogadores polivalentes ou “curingas” eram muito mal vistos então, uma herança que ainda permanece em parte da torcida brasileira.
E assim Tita não foi à Copa do Mundo, e a seleção de 1982 sofreu por causa do buraco que existia no lado direito do ataque, uma falta de simetria imperdoável em futebol de alto nível. Pior ainda, ele também perdeu a titularidade no Flamengo, que teve de comprar um ponta especialista. Tamanha a ansiedade por ser titular, que Tita teve de ser emprestado ao Grêmio na temporada de 1983.
E mais uma vez provou seu valor, sendo fundamental na conquista da Libertadores da América pelo tricolor gaúcho.
Depois da venda de Zico para a Udinese, e com o fracasso de alguns postulantes a substituto, o Flamengo negociou seu retorno à Gávea antes do fim do empréstimo, com consentimento do próprio Tita, que abdicou assim da disputa do Mundial Interclubes. Desse modo, conquistou finalmente a tão sonhada camisa 10.
Mas os grandes títulos não voltaram, embora ele tenha sempre ficado perto deles. O Flamengo perdeu a vaga nas semifinais da Libertadores de 1984 porque o Grêmio teve a vantagem em um ‘jogo desempate’ disputado no Pacaembu. E o Fluminense enfileirou um tricampeonato carioca e levou título brasileiro em 1984.
A torcida sonhava com a volta do Galinho. Quando ela se concretizou, em 1985, Tita pediu para sair do clube.
Foi brilhar no Internacional em uma época em que o Grêmio mandava no sul, e assim saiu um pouco do radar e também perdeu a chance de disputar a Copa de 1986. Seu futebol só seria mais uma vez notado nacionalmente no Vasco, em duas passagens marcantes. Na primeira, em 1987, marcou o gol do título carioca em cima do Flamengo. Na segunda, em 1989/90, fez parte de ‘SeleVasco’ que levantou o Brasileiro em 1989 [Junto com dois outros ex-atletas rubro-negros, Andrade e Bebeto] e finalmente se consolidou no elenco da seleção brasileira.
Com Sebastião Lazaroni, Tita disputou a Copa América de 1989, as Eliminatórias para o Mundial da Itália, e a Copa de 1990, embora nunca tenha se firmado no time principal.
Retornou ao Flamengo em rápida passagem em 1990, já aos 32 anos, mas depois brilhou no futebol mexicano. Se aposentou em 1997 com um dos currículos mais vitoriosos da pátria de chuteiras e imortalizado no rol de heróis de pelo menos três grandes clubes brasileiros.
Tita é o 13º maior artilheiro da história do Flamengo, com 135 gols, e defendeu o Manto Sagrado em mais de 390 jogos. Suas principais conquistas na Gávea são as Taças Guanabara de 1978/79/80/81/82 e 84; os Cariocas de 1978/79/79 especial e 1981; os Brasileiros de 1980, 82/83; a Libertadores e o Mundial Interclubes em 1981.
Recentemente, Marcos Braz, Vice-Presidente de Futebol do Flamengo, declarou em entrevista coletiva que Arrascaeta era o maior jogador estrangeiro da história rubro-negra. Foi um afago no ego do uruguaio, que está discutindo a renovação do contrato, mas o debate é justo.
O tempo dirá se ele merece mesmo o posto em um clube que tem ídolos como os argentinos Carlos Volante, Valido e Doval; os paraguaios Modesto Bría, Benítez, García e Reyes; o inglês Sidney Pullen; e um certo sérvio de nome Deján.
Petkovic já era dono de respeitável carreira internacional, e também nacional, quando chegou ao Flamengo em 2000 como a maior jogada de marketing do aventureiro Presidente Edmundo Santos Coelho, que acabava de mandar Romário embora do Flamengo e fechado uma parceria que vendeu como “imperdível” com a suíça ISL.
Em troca dos direitos de comercialização da marca Flamengo, a empresa jogou algumas dezenas de milhões de dólares nas mãos do dirigente, e se comprometeu a construir um shopping e um estádio. Mal sabiam todos que os suíços já estavam falidos.
Com ares de estrela em um mirabolante negócio que prometia inaugurar uma era de vitórias e realizar todos os sonhos da torcida, Petkovic teve problemas pra se adaptar ao ritmo de treinos e à pressão que envolvia O Mais Querido do Brasil. Fez uma boa Taça Guanabara, mas depois da desastrosa derrota de 1 a 5 para o Vasco, e diante da imensa saudade que a Magnética tinha de Romário, perdeu a posição de titular para Iranildo. Viu do banco de reservas a vingança contra o grande rival e a conquista do bicampeonato carioca daquela temporada.
A chegada de novos atletas consagrados parece ter incendiado o sérvio, que teve um segundo semestre de gala. O Flamengo naufragou, mas ele se destacou individualmente de tal maneira que só não foi considerado o melhor ponta de lança da Copa João Havelange porque o time não se classificou para as fases finais do torneio.
No ano seguinte, apesar dos constantes atrasos de salário, pendengas com cartolas e brigas dentro do elenco [Petkovic não se dava com Edílson “Capetinha”], o sérvio conduziu o Flamengo a um dos momentos mais especiais do Clássico dos Milhões. O Mais Querido precisava vencer o Vasco por dois gols de diferença na decisão para se sagrar tricampeão.
Aquele foi um jogo de muitos heróis, e decidido sem dúvida pela presença de São Judas Tadeu. A falta cobrada aos 43 minutos do segundo tempo se juntou ao gol de Rondinelli, em 1978, e ao de Valido, em 1944, como um dos eventos mais miraculosos da nossa saga. Não há rubro-negro com mais de trinta anos que não saiba o que estava fazendo quando o sérvio, segundo os dizeres de Luiz Peñido, que narrava a final pela Rádio Tupi, “entrou para a História Eterna do Flamengo”.
A falta miraculosa se repetiu na Copa dos Campeões, conquistada em cima do São Paulo de Kaká e Rogério Ceni, um título nacional que garantiu a presença do Flamengo na Libertadores de 2002.
Tudo degringolou a partir daí. O escândalo da ISL explodiu e colocou em risco o próprio futuro do clube. A derrocada da economia brasileira destruiu as finanças dos ‘grandes’ do futebol carioca, dando início a uma era negra e caótica que nunca tinha sido vista por essas praias.
Petkovic deixou o Flamengo e se tornou um cigano da bola. Foi pra outros países, outros times, e também virou ídolo dos rivais da Colina e das Laranjeiras. Mas a Magnética nunca esqueceu aquele fatídico minuto.
O sérvio forçou a sua volta à Gávea em 2009, já com 37 anos de idade. Kleber Leite, diretor de futebol, não o queria. Mas a dívida milionária que o clube tinha com ele garantiu sua presença no elenco.
Era São Judas Tadeu agindo por debaixo dos panos, sem dúvida. O gringo encaixou como uma luva na equipe e a liderou rumo à redenção de toda uma geração, o Campeonato Brasileiro de 2009. Pelo caminho, dentre outros lances magistrais, gols olímpicos contra Palmeiras e Atlético Mineiro, e o escanteio perfeito na cabeça de Ronaldo Angelim para o gol do título.
As confusões, decepções e brigas da temporada seguinte não passaram nem perto de arranhar o amor e identificação criada entre Pet e a torcida do urubu. Ele se aposentou no Flamengo em 2011, dando uma volta olímpica no Engenhão e deixando como legado uma ponte imortal entre a Gávea e a Sérvia.
Suas principais conquistas com a camisa preta e encarnada são os Cariocas de 2000/01; a Copa dos Campeões de 2001; e o Brasileiro de 2009.
Para os que gostam de comparações, Pet é o quarto estrangeiro que mais defendeu o Manto Sagrado [196 jogos], atrás apenas de Modesto Bría, García e Arrascaeta; e é o quarto estrangeiro com mais gols pelo Flamengo [57 tentos], atrás apenas de Doval, Benítez e, mais uma vez, de Arrascaeta.
Mas, acima desses números, existem aquele momento mágico, aquela verdadeira experiência espiritual: aqueles 43 minutos do segundo tempo......
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