terça-feira, 5 de setembro de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS 9: The Westerner ["A Última Fronteira"]

 



NÚMERO 10: The Westerner [''A Última Fronteira''], de 1940 --> Vou abrir uma exceção à ordem cronológica da lista, voltar dezoito anos no tempo e citar essa pérola estrelada por Gary Cooper e por Walter Brennan, que ganhou o seu terceiro oscar de ator coadjuvante pelo papel.


William Wyler traz para a tela uma versão romantizada da vida de um personagem real do Velho Oeste, o ''juiz de paz'' Roy Bean, interpretado com maestria pelo lendário Brennan. Muitos aspectos conhecidos na biografia de Bean se encontram no filme. Ele é nomeado para uma região sem lei, e realiza os julgamentos na Taberna que possuía e onde reunia o seu ''júri'', formado por caubóis embriagados. Um canastrão que inventava sentenças esdrúxulas tirando vantagem delas, principalmente das multas que aplicava.


O filme retrata a veneração do juiz por Lilly Langtry. Bean renomeou uma das cidades em que se estabeleceu e em que exerceu sua ''jurisdição'' com o nome da atriz. Uma de suas tabernas era chamada de ''Jersey Lilly'', apelido de Langtry.


O problema que tinha no pescoço e costas, resultado de uma tentativa de enforcamento da qual escapou, também se torna motivo pra cenas cômicas.


Diferente do sujeito histórico, porém, o Bean de The Westerner gosta de enviar seus récus para a forca. E está no meio de uma disputa comum no Velho Oeste e que reatualiza naquele lugar mítico a rivalidade entre pastores e agricultores. No caso, uma guerra entre caubóis, que criavam e conduziam gado, e colonos que chegavam na região querendo demarcar suas terras, diminuindo assim as áreas de pastoreio.


''A Lei a Oeste dos Pecos'', como Bean se nomeava, faz de tudo para manter a hegemonia dos caubóis e prejudicar seus rivais que vivem do plantio.


Cole Harden [Gary Cooper] é um pistoleiro que passa pela região e é confundido com um ladrão de cavalos. Sua sentença no tribunal de Bean seria a de morte, mas ele é esperto o suficiente para adiar a própria execução se aproveitando da paixão de Bean por Langtry. Cole inventa uma série de lorotas sobre como teria conhecido a atriz e conquistado uma mecha de seus cabelos. O juiz e Harden estabelecem uma relação de admiração mútua e amizade. O pistoleiro conhece os abusos perpetrados pelo dono da taberna que transforma bêbedos em jurados, e o juiz também percebe que o personagem de Cooper é um trambiqueiro. Mas o afeto mútuo é inevitável.


Mas Cole se apaixona pela filha de um agricultor local. O protagonista fica num fogo cruzado entre sua amada e o amigo, e usa a mentira sobre a mecha de cabelo da musa para tentar manipular o juiz e conduzi-lo a um acordo.




Brennan e Cooper oferecem uma aula de interpretação [e é possível perceber em ambos até certos maneirismos do cinema mudo, ainda que a era deles já tivesse chegado ao fim há mais de dez anos], misturando temas típicos do faroeste com humor e drama na medida exata. No fim, a musa redime os rivais, embora os agricultores saiam vitoriosos na pendenga. [Como se diz em The Magnificent Seven, os agricultores sempre acabam vitoriosos, constantes que são, similares à terra em que trabalham].

terça-feira, 8 de agosto de 2023

O Flamengo é pai do Fluminense?, ou: o vínculo umbilical entre os dois clubes

 

Alberto Borghert, Remador do Flamengo desde 1906, e Capitão do time de Futebol do Fluminense em 1910 e 1911.






Diante da escassez de títulos, quando os tricolores desejam pontuar que são importantes na História do futebol afirmam que "o Fluminense é pai do Flamengo". Fundar o Flamengo seria a grande contribuição que o clube das Laranjeiras teria dado ao mundo. O problema é que isto é uma grande mentira, conforme explico mais uma vez abaixo.


Quando eu era criança, a historieta de que o Fluminense havia fundado o Flamengo grassava solta no Rio de Janeiro. Todo mundo falava disso, e não havia muitos meios de contestar, pois o acesso à História dos clubes era difícil. Eram mais ou menos como as historietas de que o Botafogo foi base das três seleções que conquistaram a Copa do Mundo, ou de que nenhum jogador do Flamengo era campeão da Copa do Mundo. Ou então a historieta que o Flamengo ganhou uma Libertadores disputada sem times argentinos. Era mentirada braba que corria solta, e poucos tinham a internet à mão para colocar as coisas em seu devido lugar.


Mas eu era intelectualmente curioso e lia muito. Rapidamente descobri que o Flamengo foi o clube que mais cedeu jogadores para a seleção de 1958. Que o Botafogo tinha tantos titulares naquele escrete quanto o Vasco da Gama. Que o Glorioso só tinha um jogador na seleção de 1970 [mesma quantidade que o Flamengo]. Que o River Plate foi um dos representantes argentinos na Libertadores de 1981.
 

E, claro, descobri também que o Flamengo era sete anos mais velho que o Fluminense. Assim como os detalhes por trás da fundação do Departamento de Desportos Terrestres d'O Mais Querido do Brasil. E a história era completamente diferente daquela divulgada por tricolores com apoio da mídia.


O Flamengo foi fundado em 1895 como um clube de Regatas. O Remo era o esporte mais popular da cidade. Popular em vários sentidos. Em dia de Regata, a cidade parava. A elite comparecia em massa, os banqueiros e industriais, os políticos, e até o Presidente da República. As mulheres afluíam em profusão, pois os remadores eram os 'galãs' da época. E o povão também estava lá, apostando nos vencedores, como fazia no turfe, e assistindo aquelas competições gratuitas.


O Flamengo logo se tornou um dos clubes mais populares do Remo. Segundo o célebre cronista João do Rio, "O Clube de Regatas do Flamengo tem uma dívida a cobrar dos cariocas. Dali partiu a formação das novas gerações, a glorificação do exercício físico, para a saúde do corpo e a saúde da alma. [...] Foi o núcleo de onde irradiou a paixão avassaladora pelo esporte."





O futebol nasce como lazer de uma pequena elite. A mitologia criada em torno da chegada do futebol no nosso país demonstra esta verdade: filhos da alta classe que voltavam de temporadas na Europa [ou mais especificamente da Inglaterra] e traziam bolas, uniformes e livros de regras daquela que era a grande moda nas Ilhas Britânicas. Ora, o futebol só desbancou de vez o Remo no gosto popular lá pros anos 1920.


Mas isso não aconteceu de uma hora pra outra, claro, o ''ludopédio'' foi se espraiando aos poucos. Em 1902, o Fluminense foi criado no Rio de Janeiro dedicado exclusivamente ao futebol. O que pouco se diz é que o Fluminense foi fundado na Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo. Em uma reunião de vinte pessoas, sendo três delas sócios do Clube de Regatas do Flamengo.
 

E não eram sócios quaisquer: um deles era Virgílio Leite, Presidente do Flamengo. O Presidente da sessão que fundou o Fluminense, Manuel Ríos, também seria Presidente do Flamengo anos depois. E Arthur Gibbons, o terceiro sócio do Flamengo presente, seria Presidente do Clube no ano seguinte.
 

Portanto, diferente da narrativa tricolor, é o Fluminense que foi fundado [também] por sócios influentes do Flamengo. [Não exigimos paternidade, porém, fiquem tranquilos.]


Manuel Ríos, Presidente do Flamengo em 1905, presidiu também a reunião de vinte pessoas que fundou o Fluminense naquele ano. Oscar Cox, primeiro Presidente tricolor, era Secretário do encontro.



Isso explica a ligação dos dois clubes naquelas primeiras décadas. Era muito comum que Remadores do Flamengo jogassem futebol pelo Fluminense. E que os tricolores das Laranjeiras torcessem para o Flamengo nas regatas.
 

Tão comum que Alberto Borghert, capitão do time de futebol do Fluminense, era sócio e Remador do Flamengo. Remador do Flamengo desde 1906, diga-se de passagem. [Foi jogador e capitão do Fluminense apenas em 1910 e 1911.]
 

[O capitão do time de futebol tinha um status muito especial naqueles tempos:  fazia as vezes de técnico também, era o verdadeiro comandante da equipa.]


Ora, houve um desentendimento político em torno de Alberto Borghert no fim do campeonato carioca de futebol de 1911. Quem comandava a direção do tricolor das Laranjeiras queria afastar o capitão da decisão do título. O time não aceitava, mas resolveram internamente ganhar o título para só depois tomar alguma medida mais drástica. Era questão de honra. Eles levantaram o troféu mas não foram ao jantar de comemoração oferecido pela Diretoria do Clube. Preferiram anunciar a saída do Fluminense.
 

Alguns desses atletas do futebol tricolor eram atletas também do Flamengo. E o maior deles, o capitão Alberto Borghert, convenceu o grupo que a solução seria migrar para o Flamengo. Borghert sugeriu ao rubro-negro a fundação de um Departamento de Desportos Terrestres. O Flamengo torceu o nariz, mas decidiu aceitar.


E assim o Flamengo rompeu uma dualidade que já era nítida na cidade naqueles tempos: a divisão entre Clubes de Remo e Clubes de Futebol foi superada. O Flamengo foi o primeiro Clube de esportes aquáticos a disputar também torneios de Futebol. O escudo mais famoso, dedicado aos esportes terrestres, se uniu ao escudo mais antigo [e que considero ainda mais belo], que representa os esportes aquáticos. Campeão de Terra e Mar. 



 

Os primeiros times de futebol do Flamengo, organizados pelo Remador Alberto Borghert, foram formados por atletas vindos do Fluminense. Mas não só. Também migraram para o rubro-negro jogadores vindos do América-RJ e do Botafogo.
 

O fato é que a fundação do Departamento de Desportos Terrestres do Flamengo foi realizado por decisão do próprio clube e por sugestão de um Remador rubro-negro. [Que, como era comum naqueles tempos, jogava bola no Fluminense, onde chegou a capitão do time.] E que mais tarde foi também Presidente do Flamengo [1927]. Borghert foi também Diretor da CBD [Confederação Brasileira de Desportos] e do CND [Conselho Nacional de Desportos] e autor do primeiro gol no estádio da Arena da Baixada, no Athletico Paranaense, em 06 de setembro de 1914, em um amistoso em que o Flamengo derrotou o Internacional-PR por 7 a 1.


Não foi o "Fluminense que fundou o futebol do Flamengo". O verdadeiro Pai do Flamengo, como sabem todos os conhecedores da história do Clube mais popular do país, é José Agostinho Pereira da Cunha, nosso primeiro Presidente, em 1895.


O tricolor carioca é meio carente de grandes feitos, e isto talvez explique o apego à mentira de que são "pais do Flamengo". Seria uma forma de finalmente terem importância incontestável na história do ''violento esporte bretão''. Por isso, caso um tricolor cometa o equívoco de reproduzir esta historieta, sejam compreensivos. Corrijam, mas com cuidado e elegância. Entendam que é tudo o que eles tem. Não tirem o chão dos pés dele com brutalidade e falta de cuidado. Lembrem-se que na origem os clubes tinham excelentes relações, que Sócios-Presidentes do Flamengo estiveram entre os fundadores do nosso rival mais novo e menor.

Abaixo, imagem da ata de fundação do Fluminense, sessão presidida por Manuel Ríos, sócio e Presidente do Flamengo, na Rua Marquês de Abrantes, no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro.


terça-feira, 18 de julho de 2023

Alexander Dugin e Kemi Seba contra os mestiços

Dugin fez uma postagem no twitter enchendo a bola do livro de Kemi Seba sobre pan-africanismo, e destacando pontos com os quais ele "concorda totalmente". O ideólogo russo faz algumas ressalvas à posição de Seba no fim do tuíte, mas considera "geniais" os elementos elencados. [1] Para mim, são quase todos problemáticos. Mas destaco especialmente os pontos 11 e 12, que dizem respeito ao Brasil de forma ainda mais direta. [Tradução minha, sem grandes revisões]: "11. Quando mais negro, melhor. Os mulatos devem ser levados de volta à melatonina -- o casamento de negros de pele mais clara com negros de pele mais escura deveria ser uma norma sanitária. É a ação mística de liberação da escravidão e da dispersão. Para apagar a branquitude como marca de danação e doença espiritual. 12. Quilombos podem ser criados não só na África mas em outros territórios em que africanos vivem -- o primeiro estado africano baseado no princípio quilombola foi criado em Pernambuco (Brasil) e durou de 1604 e 1694. Era chamado de Palmares e sua capital Makaku. Mais Palmares! Tudo isto é genial!"



Dugin concorda, portanto, com princípios mais radicais do afrocentrismo e de um movimento negro que defende medidas explicitamente racistas. Dentre elas, a ideia de que mulatos, ou seja, mestiços não deveriam existir. Na verdade, o casamento de mestiços com negros deveria ser "uma norma sanitária" [''genial!", não se contém Dugin] a fim de "escurecê-los". Seria a aplicação inversa do "embranquecimento" incentivado pelas elites racistas da Primeira República. O que há de comum entre esta medida sanitária e aquela das elites da República Oligárquica é a imitação do código racista anglo-saxão segundo o qual o mestiço é uma excrescência e não deveria existir. Para elas, pior do que ser preto [ou branco, no caso da retórica de Kemi Seba], pior do que ser indígena, é ser mestiço. A hierarquia racial que o Norte Geopolítico incentivou a partir de fins do século XVIII é uma bizarrice, mas pior ainda é seu ódio às mesclas, misturas, mestiçagens que ameaçam os limites definidos pela classificação racial que eles criaram. Dugin nao vê nada errado nestas ideias de Seba. Ele as considera geniais. É verdade que ele discorda da tendência a cair no racismo biológico e no ódio ao branco, pra lá de explícitos na retórica do pan-africanista Kemi Seba [que adotou um nome que significa "Estrela Negra"]. Mas não vê nada demais que a cor da pele seja uma marca espiritual e que o mestiço, portanto, seja encarado como expressão de degeneração. A Idade de Ouro esperada por Dugin [e por Seba] é racializada. Não há espaço nela para o brasileiro, este ser de fronteiras, que nasce no espaço limítrofe.


É difícil imaginar uma maneira em que esta visão possa ser aplicada ao Brasil, um país em que quase metade da população [umas cem milhões de pessoas] se declara parda, sem levar ao caos social. Seba e Dugin oferecem uma chave na instrumentalização da ideia de Quilombo, que é lida por ele quase que no tom de exclusivismo racial e étnico. Sou favorável à ideia comunitária do Quilombo, regida por princípios culturais próprios e por certa autonomia administrativa e identidade cultural. Mas Dugin e Seba deveriam pesquisar mais para entender que em Palmares viviam também pretos crioulos, mulatos, e até brancos pobres. E no antigo território de Palmares são identificadas também ruínas de igrejas. O exclusivismo e segregacionismo étnico e racial defendido por Dugin e Seba [''todo mundo com uma raça definida e cada raça em seu quadrado''] não serve ao Brasil. É o anti-Brasil por excelência, país em que escolas de samba são abertas a pessoas de todas as raças e etnias, e também a pessoas sem raça e etnias, e que podem ser administradas por brancos, mestiços etc., sendo emblemas da nacionalidade antes que da racialidade. O olhar segregacionista de Dugin e Seba não cabe nem mesmo no Quilombo dos Palmares, como revela qualquer pesquisa decente sobre o tema.

Os duginistas no Brasil rebolam pra escapar das críticas que lhes fazemos de importação das ideias etnicizantes de Dugin. Conforme a Sol da Pátria já explicou, o ideólogo russo é partidário de uma radicalização do modelo de separação étnico-racial implantada no Império Russo e depois no Estado soviético. Cada etnia deveria habitar em seu próprio território, com concessões na legislação civil para suas próprias identidades culturais. Na Rússia existem até passaportes internos a fim de evitar o deslocamento das "nacionalidades"/etnias. Este modelo cabe perfeitamente nas ideias racializantes descritas nos pontos abaixo. Cada raça/etnia no seu "quadrado", ou território, vivendo sob sua própria cultura, lei e organização sócio-política. As mesclas [mestiçagens de quaisquer tipos] seriam evitadas pois são entendidas como uma degeneração moderna. Não é à toa que Dugin considera um país sem etnias ou em que as etnias não exercem um poder central na organização comunitária como um emblema da corrupção. Ele critica os EUA por serem uma nação desetnicizada. Ora, o Brasil é muitas vezes mais desetnicizado que os EUA. A centralidade da ideia de etnia, com a qual Seba e Dugin ocultam certo racialismo latente quando não um racismo explícito, não cabe de forma alguma na América Latina. Não cabe na experiência diária de nossos povos. Nada contra as etnias e raças em si mesmas. Mas gostamos tanto delas que as misturamos, e continuaremos a misturá-las, em novos arranjos que são o terror da limitada, estreita e reducionista imaginação racialista.


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[1] Postagem de Dugin no Twitter: https://twitter.com/Agdchan/status/1680274225712463872


domingo, 16 de julho de 2023

WIMBLEDON, O TORNEIO QUE CRIOU UM ESPORTE

 



Pode parecer exagerado dizer que o tennis nasceu em Wimbledon. Mas nem tanto. É verdade que existiram precursores ao atual ''esporte dos Reis''. Na Idade Média, o 'jeu de paumme', de origens misteriosas, se tornou uma verdadeira mania nos mosteiros cristãos até ser proibido pela Igreja no século XIV por causa do tempo que os monges dedicavam ao jogo e às apostas.

O 'jeu de paumme' migrou para os castelos da Nobreza, onde evoluiu para o ''tênis régio'', também chamado de ''tênis real''. Em todo lugar da Europa havia salões e corredores de castelos em que as disputas ocorriam sobre o piso duro de pedra [1].

Mas estes jogos eram bem diferentes do tênis que conhecemos. Outras regras, outros equipamentos, outro contexto [2]. O ''tênis real'' entrou em ocaso após a Revolução Francesa: os progressistas o consideravam por demais associado com o modo de vida da tão odiada aristocracia. No início do século XIX, restavam só meia dúzia de salões para a prática do jogo em toda a França.

No segundo quarto do século XIX, a nova nobreza inglesa -- já aburguesada, elite social de um país que inventava a indústria moderna, a vida urbana contemporânea e a própria ideia hodierna de esporte -- passou a praticar o críquete e, um pouco depois, o ''lawn tennis'' [tênis de grama] nos gramados de suas residências e mansões, em meio ao lazer de fim de semana, em reuniões de ladies and gentlemen, em piqueniques e festas. Nada de viajar pra castelos no interior da Inglaterra pra se enfiar em escuros salões e corredores: o melhor era a diversão ao ar livre.

Um clube de críquete criado em 1868 por seis gentlemen resolveu apostar no novo entretenimento. O All England Croquet Club [3] criou sua primeira quadra de tênis em 1875, data que alguns consideram como a verdadeira certidão de nascimento do esporte. O sucesso levou o clube a criar outras quatro quadras em volta da primeira, que ganhou assim o epíteto de ''Quadra Central'', mais tarde repetido em todos os clubes e torneios do mundo. O primeiro torneio da história surgiu da necessidade de financiar um rolo de nivelamento de quadras. Em 1877, nascia Wimbledon, a primeira final tendo sido assistida por um público de duzentos pagantes.




Foi em torno do ''Championship'' que se consolidaram os padrões do ''esporte branco''. Em 1877, até a altura da rede era diferente: 1,52 m nas extremidades e 0,99 no centro. A área de saque tinha 7,92 m da rede contra 6,40 m atuais. Wimbledon é anterior às regras do tênis, que foram se disseminando a partir das convenções firmadas no All England Club. Foi ali que a quadra se tornou retangular [e não mais na forma de uma ampulheta] e adquiriu as medidas que se espalharam pela Europa. Wimbledon é anterior à ITF, fundada como International Lawn Tennis Federation [ILTF] em 1913 [4]. Era o único torneio considerado 'major' antes da decisão da ILTF de criar o Grand Slam, em 1924.

A mística do Championship só cresce desde então, assim como sua tradição e singularidade. É o único Grand Slam que continua sendo disputado na superfície original do tênis, o único também que mantém a antiga tradição do traje inteiramente branco. Não há maior prestígio para os tenistas do que levantar o troféu do torneio, cujo glamour é muito superior e bem mais antigo do que o mundo do profissionalismo, do pragmatismo e da eficiência a todo custo. Como disse a bicampeã Petra Kvitova: ''[Wimbledon] significa tudo, definitivamente. Quer dizer, é Wimbledon! O tennis aqui é História.''


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[1] Foi no salão do 'Jeu de Paumme' do Palácio de Versalhes que os representantes do Terceiro Estado se reuniram e fizeram o 'juramento de péla [jeu de paumme]', desobedecendo a ordem de dissolução dos Estados Gerais e dando início à Revolução Francesa.

[2] Prova da diferença é que o 'Jeu de Paumme', cujo prestígio se recuperou parcialmente no século XIX, continuou no programa dos Jogos Olímpicos em 1908, quando o ''lawn tennis'' já era um grande sucesso no mundo anglo saxão.

[3] Mais tarde rebatizado de All England Tennis Club e All England Tennis and Croquet Club.

[4] A palavra ''Lawn'' só foi retirada do nome da Organização em 1977.

sábado, 8 de julho de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS 8: THE SEARCHERS

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NÚMERO 9: The Searchers [''Rastros de Ódio''], de 1956 --> A obra prima da parceria Ford/Wayne é o momento em que a cobra morde o próprio rabo. As linhas gerais estabelecidas em ''Rastros de Ódio'' influenciaram todo o revisionismo do gênero -- que se tornou comum a partir dos anos 1960 --, o Faroeste Italiano, e diretores como Scorcese.


Ford mantém todo o desenho que ele próprio ajudou a construir e que expressava alguns dos principais elementos do imaginário do Velho Oeste: o destino manifesto americano, o homem da fronteira que se expande livre para o ocidente levando ''progresso'' e civilização ao ermo, e derrotando todo o mal e selvageria durante sua jornada.


Mas as cores na pintura ganham matizes e arranjos novos, que tornam a totalidade do quadro complexa, sutil, escura. O homem da fronteira, espírito livre que cria os fundamentos da civilização no meio do deserto, ganha encarnação em Ethan Edwards, personagem que dá a Wayne aquela que considero a melhor interpretação de sua carreira [o ator já havia se superado em 'Red River', dirigido por Howard Hawks, mas só levou o Oscar em 'True Grit', treze anos depois de The Searchers].


Ethan é um ex-soldado confederado que chega na fazenda de seu irmão, no norte do Texas, três anos após o fim da guerra civil. Sujeito duro, continua usando a farda. Ele não teria ainda se rendido? Seria um exemplo da clássica figura do Oeste, o ex-confederado que continua ''lutando por uma causa perdida''? O filme não perde tempo com explicações pormenorizadas, com detalhamento do passado dos personagens. Ethan é um homem sobre o qual recaem suspeitas. O ouro com o qual faz questão de pagar por sua estada na casa do irmão não tem origem segura. O capitão dos Rangers locais acredita ser ele procurado em algum lugar.


Muita coisa fica implícita nesse indivíduo amargurado e solitário. Parece existir uma atração entre ele e a mulher de seu irmão, mas esse clima algo palpável nunca é colocado completamente a descoberto, nem tampouco esmiuçado.


O que fica explícito é o profundo racismo do protagonista. Apresentado a seu ''filho adotivo'', um garoto que salvou de um ataque indígena, Ethan não esconde o desconforto ao perceber que o rapaz é ''mestiço'', ainda que só de um dos costados. Sua relação com Martin Pawley, vivido magistralmente por Jeffrey Hunter, é um dos móveis da narrativa. O ex-militar não permite que o garoto o chame por nenhum epíteto que implique parentesco ou proximidade, e ao mesmo tempo constrói uma ligação com o rapaz que irá iluminar cantos esquecidos de sua alma.


Outro móvel da narrativa é o ataque comanche à fazenda, resultando na morte de seu irmão e de sua cunhada, e o rapto das duas sobrinhas de Ethan. Uma delas é encontrada estuprada e morta dias depois, mas a mais nova, Debbie [vivida por Natalie Wood], vai se tornar objeto de uma busca obcecada do protagonista junto de seu sobrinho (?), parceiro (?), amigo (?) Martin.


Enquanto o garoto deseja sinceramente resgatar a prima das mãos dos comanches, Ethan está mais preocupado em livrá-la do pior dos destinos, o de ser educada como uma indígena, o de se tornar ela própria uma comanche. Ele não suporta a ideia de que sua sobrinha possa assumir a cultura dos nativos, uma vida que ele considera pior que o inferno.


Ford dá nova cara a uma característica fundamental do Velho Oeste. A mulher branca raptada e salva pelo herói é agora foco de uma tensão nunca antes vista no gênero. O ex-confederado preferiria ver sua sobrinha morta por suas próprias mãos do que conviver com a visão de Debbie como comanche. As viseiras que o impedem de ultrapassar os limites de sua visão autocentrada, ressentida e racista são reveladas em cenas chocantes.


Ethan conhece os costumes e cultura indígena e os usa contra seus inimigos. Depois de abater um indígena, dá tiros nos olhos do cadáver, explicando que o pior dos mundos para os comanches era não poder encontrar o caminho para a terra dos seus ancestrais. O ex-confederado não tem fé nas crenças indígenas, mas conhecê-las é uma arma que permite atingi-los de alguma maneira.



Noutra cena, Ethan e Martin procuram Debbie em um posto militar com garotas que foram raptadas por indígenas e resgatadas em um estado de insanidade [talvez pelo estupro sistemático?]. O personagem de Wayne afirma que elas já não são mais inteiramente humanas. Com ódio no olhar, afirma que são todas comanches. Em dada ocasião, ao se depararem com um grupo de búfalos, Ethan começa a disparar enlouquecidamente nos animais, explicando para Martin que dizimá-los era dizimar a cultura nativa.


Os indígenas não são vilões ou heróis nesse filme de Ford. O diretor ajudou a consolidar a visão deles no cinema como forças naturais, selvagens, agressivas, que deveriam ser suplantadas e superadas na marcha para o Oeste. Mas em ''Rastros de Ódio'', eles são quase que retratos da própria alma do protagonista. Scar, o chefe indígena que raptou Debbie, fica frente a frente com Ethan, e não se pode distingui-los a não ser pela mera exterioridade do encontro entre o ''homem branco'' e o ''pele vermelha''. O branco surpreende ao mostrar que fala comanche, o comanche não fica atrás, revelando que se comunica também em inglês. Mas há um muro de estranhamento e violência que impede qualquer compreensão mútua.


Apesar de toda esse contorno familiar, que cria a impressão de que vemos uma história clássica de faroeste, o foco está todo nas ambiguidades e nas contradições de Ethan Edwards, a encarnação do homem da fronteira. Seu desprezo por Martin se transforma, depois de toda a odisséia, na tentativa de fazer dele seu único herdeiro. Mas essa decisão também é motivada porque ao encontrar Debbie, se descobre que a garota tem orgulho de ter incorporado a cultura comanche. No bárbaro ataque final ao acampamento de Scar, Martin e seu ''tio'' racista se desentendem cada vez mais: Ethan mataria a sobrinha assim que pudesse? A cena do ex-confederado escalpelando Scar leva a crer que sim, ainda que a história tome rumos diferentes, e enganosamente redentores.


Não há final feliz no faroeste revisionista de Ford. O retorno para a fazenda mostra todos os personagens adentrando o casarão, felizes, uma família reconstruída e reintegrada, um possível sinal de reconstituição do mito do Velho Oeste. Mas Ethan Edwards não ultrapassa a varanda. Ela não adentra a residência. Observa a família do lado de fora, dá as costas e vai embora.


A cena do caubói se distanciando do rancho ou da cidade é um topos poderoso do gênero. O pistoleiro não se adequa à civilização, é uma força ambígua que habita o deserto, sempre pronta a despertar e irromper na cidade, restabelecendo pelas armas e pelo terror uma ordem da qual ela não é capaz de participar. Mas a cena final de The Searchers evoca outros nuances do símbolo. O solitário Ethan teria suplantado seu racismo? Haveria encontrado a paz de alma que lhe permitisse participar de modo inteiriço daquela família? Ou ainda carrega o ódio pelo ''mestiço'' e pela sobrinha comanche? O homem da fronteira não tem lugar naquela casa, ele continua tão deslocado quanto antes, e ainda mais sozinho do que no início da obra, na cena inicial em que sua cunhada vê sua chegada a partir do ermo.





Todos os tons escuros e temas pesados dessa obra prima de John Ford são entremeados por personagens, desenvolvimentos e cenas que amenizam o ritmo do filme: o retardado que consegue prever os fatos antes que todos os demais; o relacionamento amoroso de Martin e de Laurie Jorgensen [Vera Miles], que será obrigado a esperar por seu amado; o casamento fortuito entre Martin e a filha de um chefe indígena etc.


The Searchers é um dos melhores filmes já feitos, e o faroeste mais poderoso saído das mãos do papa do gênero.

domingo, 21 de maio de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS, Parte 7: The Naked Spur




NÚMERO 8: The Naked Spur [''O Preço de um Homem''], de 1953 -->


Os faroestes dirigidos por Anthony Mann são ao mesmo tempo uma continuidade e um contraponto aos de John Ford.

O ponto de concordância mais forte é o uso do panorama e do ambiente para expressar simbolicamente os estados psíquicos dos personagens e o significado interior da ação que vemos na tela. E apesar de todo caráter icônico da Monument Valley e das planícies dos filmes de Ford, é Mann quem atinge a maestria nesse quesito.

O principal contraponto está na temática principal. Enquanto Ford prefere trabalhar a polaridade mito/história no imaginário do Western, a abordagem de Anthony Mann se debruça sobre conflitos e embates psicológicos da relação de pessoas em processo de autodescoberta.

Eu destacaria três grandes faroestes deste mestre: o primeiro é Winchester '73, de 1950. O famoso rifle se torna quase que uma relíquia sagrada, o centro de toda a narrativa, enquanto ela se desenvolve em um enredo de vingança que passeia por diversos tópicos clássicos do gênero, cada um deles repletos de referências relidas de modo brilhante. Outro exemplo magnífico é Man of the West [''O Homem do Oeste''], de 1958. Um ex bandido que procura uma professora para sua cidade fica para trás com dois golpistas quando o trem em que viaja é assaltado. Encontrado pela bando que abandonou quando resolveu mudar de vida, tem de enganá-los, fingindo está voltando para a vida de crimes enquanto tenta escapar.

O meu escolhido, no entanto, é ''O Preço de um Homem'', lançado em 1953. Os elementos que marcam a obra de Mann atingem o ápice. Além disso, diferente d'O Homem do Oeste, temos aqui a parceria entre o diretor e o lendário James Stewart, e que rendeu cinco faroestes clássicos. A dupla Mann/Stewart se tornaria tão crucial quanto Ford/Wayne ou Kurosawa/Mifune.

Howard Kemp é um torturado e obcecado caçador de recompensas que está atrás de Ben Vandergroat, homicida procurado em Abilene, no Kansas. A contragosto, é ajudado na captura e na condução do bandido por um ex-garimpeiro e por um ex-oficial da cavalaria, com quem terá de dividir o dinheiro da recompensa. E tem de lidar com Lina Patch, filha de um amigo falecido de Ben e que ajuda o assassino na fuga.

O toque genial de Mann está na construção de inter-relações entre os cinco personagens. Cada um deles se liga aos outros de maneira diferente, significativa, tensa e dolorosa. O caçador de recompensa parece ter vergonha do que faz, de certo modo ele não queria estar ali. No meio da aventura descobrimos que perdeu o rancho durante a Guerra Civil: enquanto combatia, sua mulher vendeu a propriedade e fugiu com o amante. Roy Anderson, por sua vez, foi expulso da Cavalaria com desonra, e sabemos mais tarde que ele estuprou a filha de um chefe indígena. Jesse Tate, o garimpeiro, é também um ladrão de cavalos. Lina é uma romântica, que ajuda Ben porque não acredita na vilania do sujeito, tido por ela como vítima das circunstâncias. O homicida preso, por sua vez, se mostra um diabólico manipulador, que joga seus inimigos uns contra os outros durante a viagem e manipula Lina, usando-a para atiçar o desejo e a rivalidade entre os caçadores.

Lina é figura peculiar à trama. Jesse Tate a trata quase que como uma escrava, obrigando-a a lavar roupas, fazer comida e atender as necessidades de cuidado dos homens da trupe. Roy a vê como objeto sexual, bolinando a moça e desfiando grosserias. Ben, com quem ela tem uma relação de lealdade feroz, manipula a beleza da moça, e exerce seu poder sobre ela com simbólicos pedidos de massagem. Já Kemp se apaixona pela menina, vendo nela uma outra maneira de reconstruir sua vida, uma alternativa à tentativa de recomprar sua propriedade perdida com o dinheiro da caça ao bandido.

A jornada do grupo é expressa também pela interação com os cenários do Colorado. As costas rochosas, florestas, cavernas, chuva, e rios caudalosos são imagens das altercações e das paixões dos personagens. Paixões que não podem ser represadas para sempre e, como é comum nos filmes de Mann, explodem em crises e em violência cega e arrebatadora, que, no caso do protagonista interpretado por Stewart, lhe permite superar limites e emergir em um estado de integração superior. A costa rochosa que é obstáculo para ele no início do filme, já não pode mais deter a luta decisiva contra seu alter-ego.

domingo, 30 de abril de 2023

Nova Resistência, o Juramento a Divindades Romanas, e o Racha na Organização, ou: de mentiras na Dissidência

 




Parte das lideranças da Nova Resistência não acredita em uma verdade objetiva e independente, mas tão somente em narrativas ou na modelação da realidade pela própria ação do sujeito. Para algumas delas, isto lhes dá a possibilidade de defender qualquer versão dos acontecimentos, por mais fantasiosa que seja, e alegar que elas tem o mesmo status e qualidade que qualquer outra apresentação dos 'fatos'. É uma forma de radicalização do pós-modernismo, em que o critério máximo de verdade se torna tão somente o interesse das lideranças do movimento. Ou de uma das lideranças do movimento, no caso Raphael Machado. 

Recentemente, desmenti no Twitter a história de que a NR teria enviado voluntários ao Donbass quando da guerra civil na Ucrânia. A organização ainda não existia em 2014, e os jovens aventureiros que viajaram para o conflito foram mobilizadas por um grupo de apoiadores da "Nova Rússia" organizado em redes sociais e que tinha como figura central um jornalista marxista cujo nome vou preservar. Este jornalista, inclusive, acabou viajando para cobrir o conflito. 

Raphael Machado participava deste grupo, mas nunca foi ao Donbass. Sua ação de intermediação se dava a partir de sua casa, em São João de Meriti. Ele também nunca teve nenhuma experiência militar. A arma mais letal que já teve oportunidade de usar foi um canivete. Quando a NR começou a se reunir ao longo de 2015, Machado usou o marketing do grupo de defesa da Ucrânia ao seu favor. Mas Lusvarghi e outros eram rapazes que gravitavam em torno do fenômeno mais amplo da dissidência, não membros da organização. E as próprias reticências do jornalista marxista em se apresentar como referência permitiu que Machado se investisse de uma importância maior do que teve naquele processo.

A Nova Resistência divulga a versão de que teria sido fundada por quatro jovens -- perspectiva que foi relativizada por um deles em conversa pessoal comigo. Mas trê deles não passavam de adolescentes, dois estavam no início da graduação, nenhum deles tinha qualquer envolvimento ou treinamento bélico. Suas qualidades eram principalmente intelectuais, não importando a imagem que pretenderam forjar depois para a organização. Voltarei a este tema em outra ocasião. Esta postagem, na verdade, pretende se focar em outro assunto.

Depois que antigas lideranças racharam com a NR em fevereiro de 2022, alguns membros mais recentes as acusaram de terem "violado o juramento da organização". Nunca dei bola pra este tipo de coisa, mas não custa desfazer essa mentira também, até para esclarecer alguns pontos que tratarei no futuro na História da Dissidência que estou escrevendo. 

A NR não exigia nenhum juramento para a entrada em suas fileiras até abril de 2019, quando o primeiro Congresso Nacional foi realizado em São Paulo. O grupo estratégico decidiu criar um para o evento. Os participantes do Congresso e os novos membros a partir de então tinham de se comprometer, diante dos camaradas e dos próprios ancestrais [antepassados, pais etc.], a nunca permitir que o braço descansasse enquanto não libertassem a Pátria dos grilhões que a aprisionavam. 

Era literalmente isso, e apenas isso. Ninguém fazia nenhum juramento de lealdade direta à NR, mas apenas uma modificação estilizada do "ou deixar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil", do Hino da Independência. 

Com o tempo, algumas lideranças do 'círculo interno' ficaram preocupadas com os rachas e defecções [saída do Idelmino vindo a formar a Aurora de Ferro, expulsão de um membro por conspiração contra os dirigentes, saída dos separatistas que fundaram a Resistência Sulista etc.]. Um fundador, que fazia parte deste grupo interno dirigente, propôs uma modificação do juramento, a ser realizada pelos membros recentes no II Congresso Nacional. A nova versão incluía um compromisso de lealdade à própria NR e de obediência irrestrita aos líderes. 

As mudanças geraram debates no círculo interno, já que alguns não a consideraram adequadas. A solução de consenso foi retirar a exigência de obediência sem contestação aos líderes e manter o compromisso de lealdade à organização. E este foi o juramento realizado pelos novos membros [e somente por eles] em outubro de 2021, no segundo Congresso Nacional.

Mas aconteceu na ocasião também um terceiro juramento, episódio que não era de conhecimento prévio nem mesmo do círculo interno da NR e que se tratou de decisão unilateral [e até então discreta] de Raphael Machado. Ele decidiu casar durante o Congresso, em cerimônia de "reconstrucionismo celtibérico". Para surpresa geral, e em meio ao rito, foi pedido aos membros não cristãos da organização que repetissem um juramento de lealdade à organização e ao seu líder [Machado] diante da invocação de divindades romanas, tal como Júpiter. 

Nem todos os membros pagãos fizeram o tal juramento, mas muitos repetiram as palavras de modo desavisado, já que não nada sabiam a respeito deste compromisso nem de seu conteúdo. Minhas conclusões sobre os motivos por trás da decisão de Raphael Machado serão apresentadas em algum capítulo futuro da História da Dissidência. 

Dentro do escopo deste texto, basta para mim ressaltar que eu nunca fiz nenhum juramento que não o de 2019, me comprometendo a lutar permanentemente para libertar meu país de toda a opressão. O restante é propaganda. 

Não que o juramento da NR deva ser considerado de modo sacrossanto. Esta é a perspectiva de Raphael Machado, que tem por objetivo criar e comandar não um movimento político, mas uma seita evoliana. O "juramento-surpresa" com invocação de divindades romanas é uma das expressões desse desejo.

ps.: em termos tradicionais, o tal juramento não tem efeito nenhum. As pessoas não sabiam o que iam jurar, apenas repetiram as palavras que lhes foram pedidas. A consciência delas não está atada por este ato.