Parte das lideranças da Nova Resistência não acredita em uma verdade objetiva e independente, mas tão somente em narrativas ou na modelação da realidade pela própria ação do sujeito. Para algumas delas, isto lhes dá a possibilidade de defender qualquer versão dos acontecimentos, por mais fantasiosa que seja, e alegar que elas tem o mesmo status e qualidade que qualquer outra apresentação dos 'fatos'. É uma forma de radicalização do pós-modernismo, em que o critério máximo de verdade se torna tão somente o interesse das lideranças do movimento. Ou de uma das lideranças do movimento, no caso Raphael Machado. Recentemente, desmenti no Twitter a história de que a NR teria enviado voluntários ao Donbass quando da guerra civil na Ucrânia. A organização ainda não existia em 2014, e os jovens aventureiros que viajaram para o conflito foram mobilizadas por um grupo de apoiadores da "Nova Rússia" organizado em redes sociais e que tinha como figura central um jornalista marxista cujo nome vou preservar. Este jornalista, inclusive, acabou viajando para cobrir o conflito.
Raphael Machado participava deste grupo, mas nunca foi ao Donbass. Sua ação de intermediação se dava a partir de sua casa, em São João de Meriti. Ele também nunca teve nenhuma experiência militar. A arma mais letal que já teve oportunidade de usar foi um canivete. Quando a NR começou a se reunir ao longo de 2015, Machado usou o marketing do grupo de defesa da Ucrânia ao seu favor. Mas Lusvarghi e outros eram rapazes que gravitavam em torno do fenômeno mais amplo da dissidência, não membros da organização. E as próprias reticências do jornalista marxista em se apresentar como referência permitiu que Machado se investisse de uma importância maior do que teve naquele processo.
A Nova Resistência divulga a versão de que teria sido fundada por quatro jovens -- perspectiva que foi relativizada por um deles em conversa pessoal comigo. Mas trê deles não passavam de adolescentes, dois estavam no início da graduação, nenhum deles tinha qualquer envolvimento ou treinamento bélico. Suas qualidades eram principalmente intelectuais, não importando a imagem que pretenderam forjar depois para a organização. Voltarei a este tema em outra ocasião. Esta postagem, na verdade, pretende se focar em outro assunto.
Depois que antigas lideranças racharam com a NR em fevereiro de 2022, alguns membros mais recentes as acusaram de terem "violado o juramento da organização". Nunca dei bola pra este tipo de coisa, mas não custa desfazer essa mentira também, até para esclarecer alguns pontos que tratarei no futuro na História da Dissidência que estou escrevendo.
A NR não exigia nenhum juramento para a entrada em suas fileiras até abril de 2019, quando o primeiro Congresso Nacional foi realizado em São Paulo. O grupo estratégico decidiu criar um para o evento. Os participantes do Congresso e os novos membros a partir de então tinham de se comprometer, diante dos camaradas e dos próprios ancestrais [antepassados, pais etc.], a nunca permitir que o braço descansasse enquanto não libertassem a Pátria dos grilhões que a aprisionavam.
Era literalmente isso, e apenas isso. Ninguém fazia nenhum juramento de lealdade direta à NR, mas apenas uma modificação estilizada do "ou deixar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil", do Hino da Independência.
Com o tempo, algumas lideranças do 'círculo interno' ficaram preocupadas com os rachas e defecções [saída do Idelmino vindo a formar a Aurora de Ferro, expulsão de um membro por conspiração contra os dirigentes, saída dos separatistas que fundaram a Resistência Sulista etc.]. Um fundador, que fazia parte deste grupo interno dirigente, propôs uma modificação do juramento, a ser realizada pelos membros recentes no II Congresso Nacional. A nova versão incluía um compromisso de lealdade à própria NR e de obediência irrestrita aos líderes.
As mudanças geraram debates no círculo interno, já que alguns não a consideraram adequadas. A solução de consenso foi retirar a exigência de obediência sem contestação aos líderes e manter o compromisso de lealdade à organização. E este foi o juramento realizado pelos novos membros [e somente por eles] em outubro de 2021, no segundo Congresso Nacional.
Mas aconteceu na ocasião também um terceiro juramento, episódio que não era de conhecimento prévio nem mesmo do círculo interno da NR e que se tratou de decisão unilateral [e até então discreta] de Raphael Machado. Ele decidiu casar durante o Congresso, em cerimônia de "reconstrucionismo celtibérico". Para surpresa geral, e em meio ao rito, foi pedido aos membros não cristãos da organização que repetissem um juramento de lealdade à organização e ao seu líder [Machado] diante da invocação de divindades romanas, tal como Júpiter.
Nem todos os membros pagãos fizeram o tal juramento, mas muitos repetiram as palavras de modo desavisado, já que não nada sabiam a respeito deste compromisso nem de seu conteúdo. Minhas conclusões sobre os motivos por trás da decisão de Raphael Machado serão apresentadas em algum capítulo futuro da História da Dissidência.
Dentro do escopo deste texto, basta para mim ressaltar que eu nunca fiz nenhum juramento que não o de 2019, me comprometendo a lutar permanentemente para libertar meu país de toda a opressão. O restante é propaganda.
Não que o juramento da NR deva ser considerado de modo sacrossanto. Esta é a perspectiva de Raphael Machado, que tem por objetivo criar e comandar não um movimento político, mas uma seita evoliana. O "juramento-surpresa" com invocação de divindades romanas é uma das expressões desse desejo.
ps.: em termos tradicionais, o tal juramento não tem efeito nenhum. As pessoas não sabiam o que iam jurar, apenas repetiram as palavras que lhes foram pedidas. A consciência delas não está atada por este ato.