Moacir, o menino de rua e órfão que foi adotado pelo Flamengo, e se tornou ídolo da Magnética, do River Plate, do Peñarol e do Barcelona de Guayaquil, além de campeão do mundo pela seleção brasileira. E um Anjo, o "irmão negro" de Zico, que passou muito rapidamente pelo mundo e pela Gávea, mas que está imortalizado no coração de todo rubro-negro. Continuidade da série, com os jogadores apresentados por posição e em ordem cronológica. Clique nos links no fim da postagem para acessar os textos anteriores.
4) MOACIR [1956/62]
O que o Flamengo e o Barcelona de Guayaquil, seu adversário na semifinal da Libertadores de 2021, tem em comum? Vejamos.
O garoto Moacir Claudino Pinto é uma bonita página do futebol brasileiro em diversos sentidos. Fazia parte de uma numerosa família paulistana liderada por um ferroviário. Um dia, aos seis anos de idade, perdeu o dinheiro que seu pai lhe havia confiado pra jogar no bicho. Além da surra, teve de dormir no galinheiro naquela noite. Cansado dos maus tratos, a criança fugiu de casa. Foi parar numa delegacia, mas depois de três dias, nenhum adulto apareceu pra buscá-lo. Estava abandonado no mundo.
O menino foi mandado para um orfanato. Durante quase uma década, matou a pau nas peladas dos órfãos, até que o diretor da instituição decidiu recomendá-lo para o Flamengo. Moacir encontrou um novo lar: a concentração e as divisões de base d'O Mais Querido.
Conquistou a posição de titular em 1956, com apenas 20 anos de idade. Rubens tinha problemas de relacionamento com Fleitas Solich e uma contusão séria no joelho. Paulinho, substituto imediato e que se tornou um dos artilheiros do time naquela temporada, estava para sair do clube, vendido para o Palmeiras.
Moacir não apenas segurou as pontas, como se tornou a principal revelação do futebol brasileiro em 1957. Encantou a todos nos famosos amistosos que o Flamengo fez com o lendário Honved, de Puskas, no Brasil e em outros países da América do Sul. O Flamengo perdeu o Carioca daquele ano, mas o jovem meia do clube se destacou como um dos maiores jogadores da competição.
Sua ascensão meteórica nos gramados teve continuidade em torneios internacionais, primeiro no Morumbi e depois em excursão à Espanha [o Flamengo foi convidado pelo Barcelona para a inauguração do Camp Nou]. Moacir deu novos recitais no Torneio Rio São Paulo de 1958, comandando viradas épicas contra o Santos, do Rei Pelé [3 a 2], e massacres em cima de Botafogo [4 a 0] e Palmeiras [6 a 2]. O Rolo Compressor estava de volta pelos pés do jovem meia.
Não demorou muito para que fosse convocado para a seleção brasileira e para conquistar lugar no elenco que disputou e levantou a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Era o reserva imediato de Didi, que foi o melhor jogador do Mundial.
Sua primeira taça importante com a camisa preta e encarnada veio no famoso Hexagonal de Lima de 1959, com goleadas sobre Colo Colo [4 a 0] e River Plate [4 a 1], um dos troféus mais importantes e também um dos mais esquecidos d'O Mais Querido.
Ainda teve boa participação na conquista do Rio-São Paulo de 1961, mas no ano seguinte foi vendido para o River Plate. Também jogou dois anos pelo Peñarol, vencendo o campeonato uruguaio em 1962, até chegar em 1964 ao Barcelona de Guayaquil. Se tornou ídolo local, levantou a taça nacional em 1966, e montou família no Equador, onde vive até hoje.
Aos 87 anos de idade, Moacir leva vida modesta em Guayaquil, se mantém rubro-negro de alma e coração, é fã de Gabigol, mas já deu entrevistas dizendo que O Rolo Compressor era muito melhor do que o time atual. Bela e imorredoura página rubro-negra.
Principal conquista pelo Flamengo: Rio São Paulo de 1961 e Hexagonal de Lima em 1959. Pela Seleção Brasileira: Copa do Mundo de 1958, Copa Roca de 1957.
Todo 26 de agosto é dia de dor e de luto para os rubro-negros. Há quase 78 anos o Flamengo e o Brasil perdiam um dos mais promissores e talentosos meias que já passearam pelos nossos gramados. Considerado por muitos o maior talento de sua geração – dentro e fora da Gávea se discutia quem era melhor, se ele ou Zico --, e comparado ao estilo e elegância de Didi, morria Gerado Cleofas.
Assim como Zico, era de família de boleiros– um de seus irmãos jogou no Atlético Mineiro, outro no próprio Flamengo. Mas vinha do interior, e não do subúrbio carioca; mais especificamente da pequena cidade de Barão de Cocais, em Minas Gerais. Formado na mesma geração que conquistaria o mundo, se tornou profissional pouco antes do Galinho de Quintino, o suficiente para comemorar sua primeira Taça Guanabara em 1973.
No ano seguinte, Geraldo fazia parte do time de garotos que dobrou o América e o Vasco, então campeão brasileiro, no triangular final do Carioca, ficando, de modo surpreendente para muitos, com o título da competição. Quando olhamos para a escalação daquela equipe d’O Mais Querido, qualquer possível espanto com a proeza desaparece: ídolos como Renato, Liminha, Paulo César Caju e Doval, ao lado de jovens como o “Assoviador”, Zico, Júnior e Jayme.
Se Zico era ponta-de-lança, ou meia-atacante, Geraldo jogava mais atrás, na articulação das jogadas. Tinha drible curto, imensa habilidade, atuava de cabeça erguida, e desfilava passes precisos. Não era incisivo e mortal perto da área, como o amigo Arthur, mas seu futebol encantava tanto quanto o do Galinho. Além disso, era marcadamente irreverente: Jogava cantarolando músicas pop, assoviando "Your Song’’, de Elton John, na versão Black de Billy Paul.
A qualidade o levou rápido à Seleção. Com apenas 21 anos, foi titular da equipe que disputou o Sul-Americano [‘Copa América’] de 1975. O próprio Zico só estreou no time canarinho no ano seguinte. Em 1976, conquistou a tradicional Copa Roca, e ainda fez parte do elenco brasileiro que levantou o Torneio Bicentenário da Independência, nos EUA.
Zico e Geraldo. A comparação com Pelé e Coutinho estava na boca de quase todos. A glória que se avizinhava, no entanto, foi sustada de modo absurdo em uma então trivial cirurgia de retirada das amígdalas – que já na década seguinte seria desaconselhada porque considerada inócua. O “Assoviador” teve um choque anafilático, e seu coração parou vinte minutos depois do procedimento.
Choque. Estupor. Vazio.
O Flamengo interrompeu uma excursão que fazia ao Ceará. O corpo do rapaz foi velado no antigo prédio do Morro da Viúva, que durante décadas serviu de concentração e moradia para as divisões de base do clube.
Mas nada foi capaz de amenizar aquela tragédia. Geraldo era amado demais por Deus para que passasse um só dia a mais nesse vale de lágrimas.
E não precisou vivenciar a Era de Ouro que se iniciaria dois anos depois. Ele nunca deixou de estar nela.
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