terça-feira, 26 de maio de 2020

Ciro Gomes: A Farsa do Intelectualismo Iluminado

Esse texto está publicado originalmente no site da Nova Resistência.

________________________



Assisti a entrevista de Ciro Gomes à CNN. Primeiro, as análises corretas de Ciro: O núcleo duro da “bozóloucura” está entre 12% e 15% do eleitorado. O restante é formado por simpatizantes com uma ou outra pauta. Não há chance, de fato, de um golpe militar bem-sucedido no Brasil. O perigo da aventura bozólouca vem de paramilitares. O Reino dos mentecaptos é só uma das possibilidades do neoliberalismo entreguista continuar grassando no país: o PSDB é outra delas, Huck uma outra, Moro mais uma etc. As chances de Jair terminar o mandato são ínfimas, e o Centrão vai traí-lo assim que se formar um consenso majoritário por sua queda no eleitorado. Sim, Serginho do Mal é um prevaricador ambicioso e ao serviço de interesses inconfessos.
Tirando essas e outras análises precisas, vamos aos erros crassos cometidos pelo candidato do PDT:
-> Ele não entende o que o fenômeno do nacional populismo, confundindo-o com o tradicionalismo de Bannon e, pior ainda, com o rentismo globalista. São coisas diferentes, que em alguns casos se tangenciam [nacional populismo e tradicionalismo na Europa, por exemplo; Bannon e rentismo no Brasil], mas que se opõem em outras instâncias. Os nacionais populismos europeus e ianques, por exemplo, são anti-globalismo rentista, por mais que Ciro fique com os poucos cabelos que lhe restam em pé com Trump. Esses reducionismos toscos embotam a visão do pedetista e revelam que ele ainda não entendeu muito bem o que se passa no mundo, quais as reais forças que se confrontam, e quais seus possíveis aliados por um projeto soberanista. Será que Ciro Gomes tem mais chances de reindustrializar o Brasil com uma Hillary Clinton no poder? Coitado…
-> Ficar xingando o lulismo de fascista, ao mesmo tempo que diz que fascista é o Bozó, chega a ser ridículo. Até quando vamos aturar esse uso indevido do linguajar político para encobrir o fato de que ambos os movimentos são neoliberais? Tem alguma coisa contra apontar o real inimigo? Há qualquer ilusão que autoritarismo não é incompatível com o liberalismo ou com a tradição militarista latino-americana? Só pode ser burrice entrar nessa batalha retórica, em que uns xingam os outros de comunistas ou fascistas. Depois não adianta reclamar do Brasil 247 dizendo que todo mundo que é anti-petista é fascista. Estão fazendo o mesmo uso indevido que o candidato do PDT. Pior: sem nenhum efeito eleitoral concreto, já que o povo dá de ombros pra esse tipo de erística;
-> Os elementos morais que fizeram parte das últimas eleições não são parte de ”onda de direita” nenhuma, mas uma democratização do debate política e uma rachadura no encouraçado da ditadura de classe média em que muitos queriam e ainda pretendem enclausurar o país. O povo brasileiro não se tornou conservador e religioso de uma hora para outra. Ele sempre foi, e continuará sendo. E está reagindo às investidas da pequeno-burguesia cosmopolita, que tem uma tábua de valores completamente distinta da nossa, que somos brasileiros. Não adianta ficar apontando o entreguismo do Augusto Heleno e da plutocracia ao mesmo tempo que se coloca ao lado da classe média cosmopolita contra os valores profundos que orientam a visão de mundo do nosso povo. Daí que não pode existir nenhuma ambiguidade: não é que os identitários juntos não formam o interesse nacional; é que eles são ANTI-NACIONAIS. Ou Ciro Gomes é favorável à ideologia de gênero? É favorável à descriminalização do aborto? Sim, esse papo é TÃO IMPORTANTE quanto a discussão econômica. E nós vamos cobrar esses temas nas eleições.
-> Eu não confio em nenhum movimento político que não seja PERSONALISTA, CAUDILHESCO, MESSIÂNICO. Criticar o lulismo por ter estes elementos é criticar o cerne da mentalidade e cultura política brasileira. Não há nenhum problema em colocar essas lealdades pessoas acima de abstrações institucionais liberais como ”partidos”. Getúlio era um Caudilho. Brizola era personalista. Se Ciro Gomes não gosta desse elemento fundamental para o trabalhismo, então que vá posar de social-democrata em outro lugar, sem enganar a patuleia.
O brasileiro quer um César, não um engomadinho que fica citando números para posar de intelectual iluminado.

sábado, 23 de maio de 2020

O governo Bolsonaro, a estratégia do confronto e os reais horizontes de Olavo de Carvalho




Muita gente fica se perguntando por que Bozó não recua de sua posição de confronto e se concentra em governar de fato o país e levar adiante seu programa. Ora, há de se entender o ponto de vista bozólouco, o verdadeiro projeto por trás dos rascunhos mal feitos e apresentados na campanha eleitoral de 2018. 

A cabeça desse pessoal foi formatada pra acreditar que o Brasil é dominado por comunistas. Olavo de Carvalho usa esse tipo de paranoia pra vender seu peixe de destruição de todas as instituições brasileiras.

O pseudo-guru ensina que o Brasil está todo tomado pelo comunismo, que se infiltrou até nas fronhas do Palácio do Planalto. Universidades, grandes jornais, partidos políticos, entidades empresariais, Forças Armadas, teria ido tudo pra cucuia.

O comunismo para Olavo não é apenas uma ''ideologia'', mas a interface de uma agência satânica levada à frente por grupos diabólicos no sentido pleno do termo. São adoradores do capeta que não se dedicam apenas à conquista do poder político, mas penetram na mentalidade, na cultura, na alma dos cidadãos, como verdadeiros parasitas. O parasitismo espiritual dos demonhos, que possuem a psique de pecadores fragilizados, se torna, no comunismo, em parasitismo mental, cultural e social.



A meia dúzia de três que lêem essas linhas podem até achar que tudo isso é uma maluquice sem tamanho, mas devem perceber que é nessa chave que o pseudo-guru lê o mundo. Para ele, uma vez que um país tenha sido dominado pelo capeta por meio da infiltração comunista, já era, não há volta. Uma vez comunista, o país não pode mais ser recuperado por meios humanos. Só intervenção divina nesse caso. Esse é um dos ensinamentos de Olavo para membros de sua seita, um dos pilares da ação intelectual e política de seus discípulos.

A solução seria destruir tudo, se necessário por meio da guerra civil, para subordinar o povo brasileiro a determinada ala da política ianque. Para o Jim Jones da Virgínia, os Estados Unidos seriam uma trincheira de guerra espiritual e cultural, quiçá cósmica. Mas são também o ''país mais cristão da História'', segundo ele mesmo diz. Aquele que melhor instanciou as possibilidades do cristianismo em sua sociabilidade. 

Claro que Olavo não avisa para seus seguidores do círculo mais exterior de discípulos que o objetivo é detonar o Brasil e entregá-lo de vez para os EUA. Ele fala apenas de combater o sistema, que teria sido tomado por comunistas. Ele faz Bozó acreditar que é um soldado numa guerra patriótica. Jair não sabe, mas ele é o ''homem do tempo'' de Olavo de Carvalho, um instrumento para detonar de vez o Estado brasileiro, quem sabe partir até a nação.



Bozó não tem apego ao STF,  Congresso, Mídia, Constituição etc. Seu lance não é sequer o Exército, por mais que ele tenha algum misto de admiração e ressentimento com a instituição que o educou e nutriu, e que também lhe serviu de base eleitoral durante boa parte da carreira. No entanto, ele e sua família foram ensinados pelo ''guru'' que essas instituições estão comprometidas pelo comunismo. 

Daí os esquemas paralelos liderados por gente de confiança do Presidente. Por exemplo, há um sistema de mídia paralela, que alimenta redes sociais e mantém a mobilização da militância. Jair confunde esse instrumento de propaganda com ''jornalismo verdadeiro'', que ele contrapõe às ''fake news'', que viriam da mídia mainstream. Os robôs criados por Carluxo seriam mais verdadeiros do que os leitores de jornais e revistas. Afinal, são todos ''robôs'' em algum nível, e é melhor aquele que estaria a serviço da ''verdade'' e do nosso lado da guerra.

Do mesmo modo, tem uma ''Abin do B", também comandada pelos filhos, pra fornecer ao presidente ''informações fidedignas'', já que ele pensa que a Abin ''oficial'' está aparelhada -- coisa que ele afirma explicitamente no vídeo da reunião ocorrida no dia 22 de abril e que foi liberado ontem pelo Ministro Celso de Mello.

E há um exército particular: grupos paramilitares que Bozó considera ''do bem'', e que estaria disposto a usar caso o país caminhasse para uma ''ditadura''. No jargão dele, isso é sinônimo de governo comunista, não de Estado autoritário. Um autoritarismo de direita seria bem vindo, e ele gostaria de ''capitaneá-lo'', já uma democracia formal liderada por comunistas seria um tipo de totalitarismo. Há de se entender o que Bozó quer dizer com esses termos, enxergar por meio de seus olhos.

Não adianta convencer os bozóloucos de que milícias são infames, que oprimem a população, que eles estão cometendo crimes segundo a legislação brasileira. Eles se consideram em uma guerra do bem contra o mal. Só que eles não percebem também tudo o que implica o ''bem'' que pensam defender, pois a chave de todo processo está em Olavo de Carvalho.

Existem muitos sinais de que Bozó facilitou desvios de armas para grupos milicianos. Eu não duvido nada que ele delire com a possibilidade de uma guerra civil, e que esses delírios sejam alimentados por Olavo de Carvalho, que gostaria de ver o circo pegar fogo pra tentar atrair uma intervenção das Forças Armadas dos Estados Unidos.



Não se trata de teoria da conspiração: Olavo vem defendendo na última semana que, caso o Exército brasileiro não tome o lado de Bozó nesse conflito político-ideológico, a intervenção teria de vir dos militares ianques. Foi o pseudo-guru também que montou o tal acampamento de ''300 guerreiros'', que, ainda que seja inócuo do ponto de vista bélico, é um símbolo da busca por ''ucranização'' do Brasil. 

Eis o o cenário por trás da agência do núcleo bozólouco, que tem por principal estrategista um ocultista, líder de uma seita tradicionalista e atlantista. Quem pensa que se trata de ''teoria da conspiração'' de minha parte está totalmente perdido quanto ao que essa gente imagina planejar. 

E é por isso que não entendem a lógica do [des]governo: ''por que ele faz essas coisas?" Ora, porque ele acredita piamente que está em guerra contra o comunismo! Mas aquilo que pra Bozó é uma continuação de 1964, pra Olavo de Carvalho é algo ainda mais fundamental. Bozó pensa estar instrumentalizando o Centrão; o Jim Jones da Virgínia pensa que o Brasil inteiro é apenas uma peça de um jogo geopolítico-espiritual, que pode e deve ser descartada a fim de manter a hegemonia de quem realmente interessa, o Império norte-americano.