Diferente de goleiros e zagueiros, o lateral é uma posição que se consolidou somente com os desenvolvimentos táticos dos anos do profissionalismo. Não é hora de entrar nesses aspectos agora, vou deixar pra esmiuçá-los quando falarmos dos grandes treinadores da história do Flamengo.
Mas a modernização tática do futebol brasileiro foi uma revolução também ocorrida na Gávea com a contratação do treinador húngaro Dori Kurschner [''Krushner''], que nos levou do 2-3-5 tradicional para o WM; e com Flávio Costa, que a partir do WM europeu inventou a Diagonal brasileira, uma ponte para o 4-2-4 [também consolidado no Brasil em uma nova revolução tática implementada por treinadores como Fleitas Solich].
O impacto do português Jorge Jesus no Brasil não é exatamente uma novidade. Historicamente, o Flamengo esteve mais de uma vez na vanguarda das transformações do nosso futebol.
Depois dessa introdução, vamos àqueles que considero os principais laterais da história rubro-negra, em ordem cronológica. Serão agrupados aqui tantos os que atuaram pelo lado direito quanto pelo lado esquerdo.
1) JAYME DE ALMEIDA [1941-1950]
Mineiro revelado pelo Atlético MG, Jayme chegou na Gávea aos 20 anos de idade para disputar posição com o argentino Volante [de quem falaremos em outra ocasião]. Não podendo barrar o titular, mas com técnica apurada e quase imbatível, foi escalado como ''médio-esquerdo'', a posição que na Diagonal [o WB à brasileira] corresponderia ao desenvolvimento da lateral-esquerda.
Foram mais de 340 partidas defendendo o Manto Sagrado e títulos em profusão. Jayme foi o grande capitão do famoso time rubro-negro tricampeão carioca em 1942/43/44. Com atuações primorosas e liderança, chegou à seleção brasileira, da qual foi titular incontestável entre 1942 e 1946, período em que disputou três Sul-Americanos [a antiga Copa América] e conquistou as tradicionais Copa Roca e Taça Rio Branco. Por causa da Segunda Guerra Mundial, não teve a oportunidade de disputar uma Copa do Mundo.
Jogador leal, foi o primeiro contemplado com o prêmio Belfort Duarte, criado pelo Conselho Nacional de Desportos para celebrar atletas que atuassem por 10 anos ou 200 jogos sem expulsões do campo.
Jayme se tornou técnico depois de deixar os gramados. Treinou o Flamengo no início dos anos 1950 [e também na lendária goleada que aplicamos no Boca Juniors em ''La Bombonera'', em 1958], mas sua carreira só engrenou de fato no Peru. Teve imenso papel no desenvolvimento do futebol no país vizinho, onde ganhou o título de 'Don', se sagrando campeão nacional por três vezes à frente do Allianza durante os anos 1960 e profissionalizando ninguém menos que o genial Cubillas.
Pra completar, é pai do zagueiro e depois técnico Jaime de Almeida, que conquistou de vez a posição de titular do Flamengo em 1973, mesmo ano em que o pai faleceu em Lima.
2) BIGUÁ, O ÍNDIO [1941/53]
Moacir Cordeiro foi um dos maiores ídolos da torcida e um dos atletas que mais garra demonstraram com o Manto Sagrado. Começou na base do Athletico Paranaense, mas foi profissionalizado no Savoia, clube fundado pela colônia italiana.
[que mais tarde mudou de nome para Água Verde, depois Pinheiros, e mais tarde se fundiria ao Colorado para formar o atual Paraná Clube.]
Como era cabra de pele escura no meio de filhos de europeus, ganhou o apelido de Biguá, pássaro de penugem escura, e de Índio ou Bugre. O apelido apesar da passagem curta pelo Savoia: Biguá chegou à Gávea com apenas 20 anos de idade. Desde então, nunca mais vestiu camisa de qualquer outro clube. O preto e encarnado virou sua segunda pele meio século antes da expressão se tornar slogan de Júnior Capacete.
Com apenas 1,60 m de altura, o 'Índio' era um marcador leal e ao mesmo tempo implacável, de imenso fôlego, elasticidade e capacidade de recuperação. Seus confrontos contra o ponta-esquerda Chico, do Vasco da Gama, entraram para a história do futebol da cidade. Tamanha sua dedicação que não raras vezes era aplaudido até pela torcida adversária.
O tamanho de sua identificação com a torcida pode ser compreendido quando Domingos da Guia, já em fim de carreira, foi jogar no Corinthians. Em meados dos anos 1940, o ''Mestre Divino'' recomendou que o clube paulista contratasse o lateral. A resposta negativa de Biguá foi acompanhada de uma pergunta que, da perspectiva de seu amor pelo Mais Querido, era insolúvel: ''E o que eu vou fazer quando o Corinthians jogar contra o Flamengo?"
Biguá chegou à seleção brasileira e era titular no Sul-Americano [Copa América] de 1945. O Brasil perdeu a final para a Argentina, mas ele parou Felix Lostau, lendário ponta do River Plate, que declarou que o lateral do Flamengo foi seu melhor marcador. Saiu da seleção no ano seguinte por causa de uma contusão que lhe deixou seis meses fora dos campos e nunca mais recuperou a posição.
Assim como seu companheiro Jayme, Biguá fez parte da criação da posição de lateral no futebol brasileiro. Na numeração do antigo 2-3-5 era um dos jogadores da linha média, à frente da zaga, mais especificamente o médio-direito [assim como Jayme seria o médio-esquerdo]. Mas na Diagonal, o WM à brasileira implantado por Flávio Costa no Flamengo a partir do que aprendeu com o trabalho do húngaro Doris Kurschner na Gávea, era na verdade o que chamamos depois de lateral direito no 4-2-4.
Não fossem as contusões, Biguá seria o único remanescente do primeiro tricampeonato a fazer parte d'O Rolo Compressor dos anos 1950. Mas rompeu os ligamentos do joelho no início dos anos 1950, e foi para a reserva. Se aposentou depois da vitória do Flamengo no campeonato de 1953, fazendo uma emocionada despedida contra o Botafogo. No ritual de ''entrega de chuteiras'', se mostrou um grande pé quente. Quem recebeu as chuteiras de Biguá foi um garoto de nome Carlinhos, de quem falaremos mais tarde.
Os mais importantes títulos de Biguá com o Flamengo são os cariocas de 1942/43/44 e 1953. Começou jogando com Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Volante e Zizinho, terminou a carreira atuando ao lado de Rubens, Dequinha, Zagallo, Evaristo de Macedo.
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