terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A brasilidade: considerações étnicas e institucionais, ou: Do Jesuíta Gabriel Malagrida até o Caboclo das Sete Encruzilhadas


''Chegou, chegou.
Chegou com Deus.
Chegou, Chegou.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas.''


Ponto do Caboclo das Sete Encruzilhados, em sua primeira manifestação em 15 de novembro de 1908



"Se querem saber meu nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim."

Caboclo das Sete Encruzilhadas


No Congresso Nacional do Nova Resistência, fiz uma exposição em que defendi que há dois pilares mais gerais de constituição do Brasil.



O primeiro pilar é o da mestiçagem -- que se deu em diversos graus, raciais e culturais -- entre três raízes: a portuguesa, a indígena e a africana. Essas ''raízes'' são como as gunas da matéria prima na metafísica hindu, são tendências da argamassa fundamental de nossa gente, vetores cuja mistura formaram a base de sustentação da brasilidade.


Os principais pensadores e explicadores do Brasil tinham consciência da potência dessa mescla mas a valoravam de modo distinto. Uns a lamentavam, outros tentavam conter seus ''efeitos deletérios'', outros tantos pensavam que uns componentes dessa mescla eram bacanas e outros horrendos.


Houve aqueles, claro, que viram que essa mescla não era ruim, e sim a constituição de um ''povo novo'', diferente de todos os que antes já haviam existido, e destinado a formar uma grande civilização. Essa é basicamente a ordem de ideias de Darcy Ribeiro: da aculturação de portugueses, indígenas e africanos em meio à mestiçagem e à violência do processo colonial se forjou um vazio que foi o berço do brasileiro.


Nem Darcy, desconfio, estava plenamente consciente da profundidade dessas considerações.


Mas um outro tema importante em alguns desses pensadores era o de definir qual dos vetores, tendências ou elementos dessa matéria prima serviu de ponto de equilíbrio da ''fervura'', ou ponto de fundamentação para a formação da brasilidade.


Eu não fico em cima de muro: mais uma vez como Darcy Ribeiro, e um pouco como Capistrano de Abreu e Manoel Bonfim, eu penso que esse ponto de equilíbrio das ''gunas'' das matéria prima brasileira é dada pela cultura indígena.


Isso não significa, como alguns podem pensar, em menosprezar as origens lusitanas ou africanas, porque sem elas nem se falaria de uma matéria prima como base de formação de um povo específico.


E isso também não significa que depois dessa mistureba toda sejamos, no fim, indígenas, porque é óbvio que não somos. Somos é ''indianizados'', ''americanizados''. Os indígenas não precisavam de maiores adaptações para viver na América, como não precisam ainda hoje em dia. Os outros povos que aqui chegaram sim precisavam aprender e adotar as adaptações indígenas. O que tem a ver com o papel exercido pela terra, que no caso é a América, na conformação dos povos.


Talvez, melhor do que dizer ''indianização'' seja falar de ''acaboclamento'', já me apropriando de um conceito de Luiz Antônio Simas em outra situação e amplitude. O ponto médio ou eixo de equilíbrio dessa mescla original foi acaboclamento. A brasilidade é, em algum grau, cabocla no sentido de incorporação existencial das deidades da terra.


[isso me faz pensar em alguns movimentos gaúchos que pensam que não são brasileiros. Como não, se os pampas são acaboclados?]

Padre Jesuíta Gabriel Malagrida foi missionário entre aldeias indígenas na Amazônia na primeira metade do século XVIII, e ensinou Teologia e Filosofia em São Luís do Maranhão. Também pregou em Recife e Salvador. Foi preso pelo governo iluminista do Marquês de Pombal porque se opôs à explicação racionalista e naturalista que o governo deu ao grande terremoto que atingiu Lisboa em 1755. Segundo o Padre, a causa do sismo era a Ira Divina. Foi morto como herege. O Caboclo das Sete Encruzilhadas diz ser ''reencarnação'' do Jesuíta Malagrida. 


O segundo pilar de modelação do Brasil é sócio-institucional. E aí falamos do papel das instituições portuguesas, principalmente do Estado Imperial, ou então do peso da Igreja Católica ou do sistema escravista.


Assim como as raízes étnicas, todas essas instituições foram determinantes na modelação do nosso país, umas com maior ou menor força. O Estado, por exemplo, foi estabelecido de cima para baixo por uma elite que olhava para fora do país e não se percebia como parte da América do Sul. O que não significa que o Estado, por inteiro, não tenha nada a ver com o imaginário do povo que as elites negavam.


No entanto, estou do lado aqueles que consideram que a instituição mais determinante na formação do Brasil foi o escravismo. Se existe um elemento que podemos considerar deletério, uma herança do passado que é, no fundo, extremamente presente, e que macula e obstaculiza a realização plena das potencialidades da nossa Pátria, ela é a escravidão.


Gilberto Freyre percebeu intensamente esta questão, embora eu discorde dele em diversos outros pontos. Florestan Fernandes, com quem tenho também sérias divergências, também estava correto quanto à sobrecarga da escravatura. E Jessé Sousa, mais recentemente, acertou em cheio ao dizer que o berço do Brasil [talvez não o berço, mas com certeza o principal processo dinamizador das formações institucionais] não estava em Portugal [nem na cultura, nem nas instituições lusitanas], mas no sistema escravista.


O escravismo brasileiro é anti-tradicional, construído em torno de determinado sistema-mundo comercial primeiro centrado em torno de Amsterdã e depois de Londres. Ele é que forjou uma elite litorânea que olha para fora e não se sente parte do povo brasileiro. Os traidores que escolheram não ser parte do nosso país, e sim elos do processo de espoliação a que se referia Brizola.


Somos caboclos lutando por independência e liberdade.


sexta-feira, 22 de novembro de 2019

ALIANÇA PELO BRASIL, ou: O Pinochetismo olavético-udenista

Com Carlos Lacerda era ''Aliança para o Progresso", que a UDN via como o "Plano Marshall'' para a América Latina.  Na época, o então Governador da Guanabara removeu favelas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. As populações foram deslocadas para o então distante bairro de Bangu -- hoje um dos mais populoso do município, contando quase 300 mil habitantes --, onde formaram as atuais favelas de Vila Kennedy e Vila Aliança, ambas adornadas pela Estátua da Liberdade em sua praça principal
Bozó está tentando criar um movimento e institucionalizá-lo na forma de um partido. Não se sabe se a legenda vai mesmo sair e quando é que cumprirá os requisitos necessários para que seja legalizada. Mas o programa já foi lançado. O nome é significativo: "Aliança pelo Brasil'' recorda muito a velha "Aliança para o Progresso'', com a qual Kennedy queria espantar o fantasma do socialismo da América Latina e foi muito bem recebida pela UDN no Brasil.
O programa da reedição da Aliança é quase que um manifesto do que significa o bolsonarismo. Vamos destrinchar o Frankenstein:

1) O bolsonarismo apresentou sua certidão de nascimento, se declarando filho da crise de representatividade no sistema político brasileiro. Ele oferece uma interpretação sobre a vitória do 'Não' no referendo sobre o desarmamento, em 2005, e, principalmente, nas jornadas que se iniciaram em junho de 2013 e desembocaram, nos anos seguintes, na consolidação do discurso udenista/lavajatista/anti-corrupção [1].
A crise de representatividade seria causada pelo domínio de um "estamento burocrático", os verdadeiros ''donos do poder'' no país. Os bozós se apropriam, dessa forma, do conceito de patrimonialismo de Raymundo Faoro.
Os ''donos do poder'', o estamento que comanda o Estado patrimonialista, seria uma mistura de velhas oligarquias políticas que se tornaram cúmplices de um movimento comunista internacional cujo escopo é revolucionar o país por meio do globalismo.
Jair Messias teria chegado para ''dar voz ao povo'' e impedir essa revolução. O movimento se assume como reacionário e conservador.
Assim, o programa do "Aliança pelo Brasil'' confirma parte das análises de Jessé Souza, que desde o impeachment de Dilma, em 2016, denuncia a função que o conceito de "patrimonialismo'' exerce como meio de mobilização da direita liberal-conservadora brasileira. Há pitadas aqui e ali do discurso de Olavo de Carvalho, mas ele se torna mais forte nos próximos pontos.


Vila Kennedy, inaugurada em 1964 com a remoção de comunidades da Favela do Pinto e do Morro do Pasmado -- respectivamente na Lagoa e em Botafogo -- é hoje uma das comunidades mais violentas da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Possui 45 mil habitantes. Segundo o IBGE, mais de 62% deles vivem como até um salário mínimo [contra 37% da média da cidade]. Do lado da comunidade existe o Complexo do Gericinó, maior conjunto de presídios do Estado do Rio

2) Depois de estabelecer sua origem e propósito em uma reação ao fracasso da representação política na Nova República, contra o patrimonialismo e contra o comunismo internacional, o programa do partido assume a defesa da ''identidade, tradição e cultura'' do Brasil.
A Nação possuiria uma unidade histórica, religiosa, de valores e de língua cujo fio condutor é a ''tradição judaico-ocidental'', uma abordagem nitidamente neoconservadora, ainda que use jargões levemente integralistas -- numa tentativa de atrair ''bois de piranhas'' ou de fazer concessões aos que já se encontram gravitando em torno da titica --, e que estão em flagrante contradição com outras passagens do programa.
Não há qualquer discussão sobre pluralidade étnica, regional e cultural dentro do país. A religião é identificada genericamente com o cristianismo, ''patrimônio comum de nosso povo''. As ''origens lusitanas'' são citadas em um contexto maior de adesão ao Ocidente, e não de um possível mundo ibérico ou iberista. O texto reverbera pronunciamentos de Ernesto Araújo, que por sua vez derivam de Olavo de Carvalho [2].
O programa adota uma perspectiva de guerras de valores que não está preocupada com as raízes das mudanças culturais do ''globalismo''. As ideias subjacentes são, no fundo, importações da noção de ''marxismo cultural'', ainda que o conceito não esteja citado explicitamente. O bolsonarismo ataca o aborto, a pedofilia e a ideologia de gênero. Também há apoio ao porte de armas e ao homeschoolling. Uma plataforma que seria assinada sem estranheza pelo GOP.
Essas formulações vem acompanhadas por uma visão precisa do papel do Estado. Em primeiro lugar, ele existe para manter a ordem e as normas jurídicas que convém a determinado tipo de brasileiro, ''o cidadão empreendedor, gerador de empregos, e o cidadão pagador de impostos, que carrega o custo do Estado nas costas.'' É um Estado voltado para o "homem de bem", que nada mais é do que o burguês.
Para isso, seria necessário valorizar as FFAA e os policiais, com os quais o país teria um "débito". Uma das formas de pagá-lo é assegurando condições para que essas forças desempenhem bem o seu trabalho, dentre os quais o combate à criminalidade urbana e ao narcotráfico. É o lado Witzel do bolsonarismo, com o adendo de que se fala explicitamente em deixar de lado o ''garantismo jurídico'', que só se sustém porque os socialistas e o "estamento burocrático'' já citados estariam impedindo a representação da vontade popular [3].
Por fim, o papo de ''recuperação da unidade linguística'' e das raízes cristãs, além de parágrafos com uma redação pra atrair integralistas, desaguam na defesa da aproximação com movimentos conservadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Israel, dentre outros citados. Ora, os maiores partidos conservadores desses países são trincheiras de defesa do atlantismo e do ocidentalismo. Como cita também Itália, Hungria etc, há nessa passagem uma óbvia influência de S. Bannon [4].


3) O telos de toda essa bazófia, óbvio, é o livre mercado. O bolsonarismo é capitalista e neoliberal até a raiz, pelo visto, e ''se empenhará para que sejam reduzidos e, quando possível eliminados, os controles e as interferências estatais sobre a economia''. Desse modo, para combater o comunismo e o tal patrimonialismo oligárquico, o "Aliança pelo Brasil'' entrega o país à Banca.
Apesar de citar, num fim de parágrafo, o papel do pequeno proprietário e do princípio da subsidiariedade, bem como da visão católica-romana do valor do trabalho [pra atrair os buchas de canhão de sempre, já que não há qualquer análise do caráter deletério do capitalismo, da financeirização da economia e do liberalismo], o foco é a livre empresa e o Estado Mínimo -- desregulado, sem papel na economia, que é deixada para a ''livre criatividade'' dos indivíduos e das forças de produção [5].
Junto com a concepção de um Estado Militar voltado pra proteção do burguês, essas passagens do programa dão um ar ''pinochetista'' ao programa bozó, bem apropriado à sua adesão à tal ''civilização judaico-cristã'' do neoconservadorismo ianque-sionista.
O Bolsonarismo é isso: o cerne é um pinochetismo à brasileira, com grande peso de udenismo e uspianismo. Os adornos vem de um verniz religioso para melhor atrair conservadores de diversas vertentes, cujas ideias principais se chocam com o núcleo que citei e entram apenas como base de apoio e pau pra toda essa obra do capiroto [6].
________________________ [1] A crise de representatividade é real. Antes mesmo de junho de 2013, o próprio PT fazia esse diagnóstico, com os mesmos instrumentos uspianos que mais tarde foram brandidos pela direita liberal, e que implicam numa colonização do pensamento da nova esquerda pela mesma matriz intelectual conservadora estrutura e divulgada pela USP. O ponto crucial é a narrativa que o liberal conservadorismo construiu sobre os eventos que expuseram o processo disruptivo, monopolizando cada vez mais a sensibilidade popular diante do imobilismo de uma esquerda que se encontrava acuada nos palácios do poder enquanto aplicava a agenda do cartel de bancos e da FIESP.

[2] A ideia de participação do Brasil em um Ocidente judaico-cristão pode ser melhor vislumbrada nos textos de Ernesto Araújo, para quem Trump seria o ''salvador da civilização ocidental''. Apesar do viés religioso, da busca por legitimação nos patrimônios de Grécia e de Roma, toda a abordagem se amolda a concepções do conservadorismo anglo-saxão. O eventual uso de temas caros a integralistas, católico-romanos e outros nacionalistas ou militantes religiosos são adendos a esse pilar discursivo.

[3] Existe, portanto, uma tentativa de "manipulação'' dos sentimentos anti-comunistas do antigo generalato das Forças Armadas a partir da figura de uma luta perene contra o comunismo internacional. A aproximação com os aparatos policiais também reverberam antigas conexões nascidas nos porões do aparato de repressão do regime civil-militar, que conectaram essas instituições com organizações criminosas que atuavam nos jogos de azar, na prostituição, no contrabando, em esquadrões de morte e, finalmente, no tráfico internacional de drogas. Essas tendências se desenvolveram no atual fenômeno das milícias fluminenses, cadas vez mais poderosas em todo o Brasil. O programa neoliberal, por sua vez, jamais poderia ser instituído sem um forte componente de repressão aos pobres e de criminalização de movimentos sociais.

[4] Bannon, retratado por alguns desavisados como um ideólogo neofascista, nada mais é do que o intelectual orgânico de um movimento conservador devotado à preservação do império dos EUA em sua configuração nacionalista assumida durante a Guerra Fria, e por oposição ao Império globalista, cosmopolita e financeirizado defendida pelas elites mais vinculadas ao Partido Democrata.

[5] Como feito anteriormente, princípios católico-romanos, no caso da Doutrina Social da Igreja, são citados como meros adendos ou concessões discursivas ao cerne do que está sendo proposto e em flagrante contradição com esses próprios princípios. Ou, abordando de outra maneira, é uma maneira imprópria, liberal e capitalista, de ler princípios expostos pela DSI. O eixo do texto está no Estado Mínimo e na atividade econômica desregulada, que é a exigida pelo neoliberalismo financeiro atual e que tem por principal consequência o primado do rentismo sobre a produção e a precarização das relações trabalhistas, além da consolidação de uma nova divisão internacional da produção e do trabalho.

[6]Para o uso de movimentos de terceira teoria política para propósitos vinculados ao imperialismo ianque e a difusão da globalização financeira, veja o seguinte vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=vJrpSaEb1zI ["A Terceira Teoria Política morreu: Rumo à Quarta Teoria"]

domingo, 10 de novembro de 2019

LULA ESTÁ SOLTO, ou: o momento do PT explicar seu neoliberalismo, ''udenismo'' e anti-trabalhismo




''Como os exemplos mostram, da direita à esquerda, a sociedade brasileira é colonizada por uma mesma interpretação. [...] Para mim, esse sucesso tão acachapante reflete a vitória do liberalismo conservador entre nós, levando à colonização, inclusive, do pensamento crítico e de ''esquerda'' no Brasil''.

Jessé Souza, "A Elite do Atraso''





Pergunta aos petistas.


Quando Lula estava preso, eles diziam que ''não era o momento de fazer críticas ao PT''. Mas e agora que ele está solto?

Que tal enfrentar a realidade e responder por que tanto no poder quanto em sua ascensão rumo ao Palácio do Planalto, a Era PT foi marcada pelas seguintes características:




1) A ''financeirização'' da economia brasileira', com a consolidação de um cartel de bancos que praticava o juros mais extorsivos do mundo [1];


2) Tripé macro-econômico de Armínio Fraga, âncora do neoliberalismo do país [2];


3) Entrega da economia nas mãos do liberal Henrique Meirelles, um funcionário do Banco de Boston;


4) Dependência de commodities para segurar as contas externas [3];


5) Desindustrialização do país, construindo o período de pleno emprego da Era Lula em serviços de baixa qualificação, a famosa ''economia de shopping'', ou seja, baseada em crédito farto, endividamento das classes populares, e empregos precários [4];


6) Prda de sofisticação da indústria e surto de empregos de baixa qualidade, levando à estagnação da produtividade;


7) Diante dos aumentos de salário mínimo em um cenário de perda de produtividade da economia, crescimento de uma inflação de serviços que pesou nos ombros das classes populares;


8) Avanço da terceirização nas empresas públicas, na saúde e na educação [5];


9) A política social mais famosa do governo, o Bolsa Família, era copiada da Escola de Chicago, um dos maiores símbolos do neoliberalismo e de onde saiu Paulo Guedes [6];


10) A desigualdade social estrutural do país não diminuiu nos governos do PT. Quem mais ganhou foram os 10% mais da pirâmide de renda do trabalho [7];


11) Realização de reformas da previdência, trabalhistas e previdenciárias sempre que exigido por banqueiros e empresários [8];


12) Desoneração da folha de pagamento segundo exigindo pela Fiesp, com isenções de impostos que levaram o país a uma crise fiscal sem precedentes [as "reformas" liberais, a partir de então, são impulsionadas porque a FIESP se recusa a ''pagar o pato''] [9];


13) Desmobilização dos sindicatos e do MST para reduzir a confrontação política aos períodos eleitorais [10];


14) Perseguição violenta das insurreições populares que explodiram no Brasil em 2013 e 2014 e reivindicavam maior e melhor presença do Estado nos serviços públicos, chegando até a uma lei antiterrorismo e a prisões arbitrárias [11];


15) Concessão de poder de investigação ao Ministério Público, criando o monstrengo que se voltaria contra o próprio partido e contra o país [12];


16) Aliança com o partido democrata dos EUA, o mesmo que investigou em massa o governo de Dilma Roussef e se aliou á Força Tarefa de Curitiba pra atacar as instituições brasileiras e permitir a ascensão do liberalismo no sistema partidário [13];


17) Adotou uma postura udenista, com discurso moralizante anti-corrupção, em toda a sua história, não se diferenciando o mais patético e tosco fiel de Serginho do Mal, vulgo Moro [14];


18) Ausência de Reforma Política, Reforma Tributária e de uma mudança no financiamento público, para reduzir a dependência da dívida pública;


19) Ausência de Regulação da Mídia para diminuir o poder das grandes corporações e famílias ligadas ao rentismo, como a Rede Globo e o Grupo Folha/UOL [as famílias Marinho e Frias, que comandam esses grupos, estão entre as 15 de maior fortuna no país segundo edição de setembro da Revista Forbes];


20) Nunca auditou uma dívida pública, cujos credores são mantidos em segredo pelo Banco Central e tem ares de fraude;


21) Nunca realizou qualquer acordo que não tivesse o objetivo de manter sua hegemonia no campo da esquerda, ainda que para isso precisasse mentir para o eleitorado [''Lula 2018'', ''Lula 2022''], trair aliados e permitir a ascensão de Bozó e outros liberais;


22) Sempre vilipendiou a ligação entre líder e massas para além dos limites partidários, fazendo eco das acusações da USP ao Trabalhismo [chamado de ''populismo''], pra depois se agarrar ao lulismo messiânico e sectário [15];


23) Criticou durante toda sua história a figura e ação política de Getúlio Vargas para agora tentar se colocar, por pura conveniência, na tradição do nacionalismo popular do fundador do Trabalhismo;


24) Se aliou com o que há de mais podre na política brasileira: Temer, Cabral, Cunha etc., corruptos notórios, alguns deles ligados a máfias da jogatina;


25) Se aliou com a banda mais podre e mafiosa das lideranças evangélicas, que hoje dão sustentação ao governo de Bolsonaro: Edir Macedo e Silas Malafaia [16];


26) Atacou, sem dó nem piedade, a moralidade popular ao se abraçar à militância identitária pós moderna que gostariam de transformar o país em um puteiro de drogadicção, rufianismo e anti-cristianismo [17];


27) Foi leniente com a violência urbana e a consolidação do país como um dos maiores consumidores de drogas do mundo [18];


28) Tornou o aborto e a ideologia de gênero em dogmas a ser impostos a uma população que discorda visceralmente de ambos [19];


29) Escolheu para o STF gente fanática, sem fibra moral e pilantras notórios [20];


30) Fez questão de alienar as Forças Armadas com uma ''Comissão da Verdade'' que não acrescenta em nada para o ambiente político e a história do país [21].


Os pontos incômodos listados acima mostram que, não importa o que Lula e as lideranças petistas digam, nunca foram, de fato, alternativas reais ao sistema neoliberal hegemônico na Nova República. Tanto seus discursos quanto suas ações políticas estavam contaminadas desde o início e até a raiz por uma perspectiva pequeno-burguesa, liberaloide e "californiana''. 


Como dizia Leonel Brizola, o PT cacareja muito pra esquerda, mas coloca ovos para a direita. Seu compromisso é com o consenso e o status quo atual, e sua história e anos no poder são a demonstração inequívoca disso.


O PT e Lula são mais do mesmo.






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[2] “Esses dados estatísticos reforçam evidências históricas sobre a continuidade macroeconômica entre os governos FHC e Lula. Ainda durante a campanha eleitoral de 2002, quando a banca internacional temia uma radicalização a esquerda de Lula, todos os principais candidatos assinaram um compromisso de manter os acordos firmados e defender a estabilidade. Como relata o recente livro de Matias Spector sobre a transição dos governos FHC para Lula, o presidente tucano se esforçou para convencer a banca internacional de que Lula não promoveria o caos econômico nem daria o calote na dívida.  Daí resultou uma dobradinha entre o então ministro da fazenda Pedro Malan e seu sucessor, Antônio Palloci. Em janeiro, não por acaso, seria anunciado o novo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tucano e totalmente alinhado ao tripé macroeconômico e respeitado pela banca internacional.” http://mercadopopular.org/economia/se-o-tripe-e-neoliberal-lula-e-o-campeao-de-neoliberalismo-brasil/




[6] “O fato mais conhecido desse enredo foi a súbita apropriação da política macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso (excomungada e rotulada pelo PT de neoliberal) pelo ex-presidente Lula desde o primeiro dia de seu governo, em 2003. Mas há outros, e vou tratar aqui de três: a privatização, a autonomia do Banco Central (BC) e o programa Bolsa Família. Os três foram gerados em ventres liberais[...]’’  https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-neoliberal-bolsa-familia-imp-,1092644

[7] “[A] Era petista aumentou a concentração de renda do trabalho. Tanto a faixa da pirâmide dos 1% quanto a dos 10% mais aumentaram sua participação na riqueza nacional. Os 50% menos também ganharam, é verdade, mas em proporção menor do que os escalões mais ricos. Quem perdeu foram os 40% que se situam entre os 50% menos e os 10% mais. Conclusão, o fosso social aumentou. No fim das contas, a participação conjunta dos 90% mais pobres decresceu de 45,7% para 44,4%. As dos 10% de maior renda aumentou de 54,3% para 55,6%.” https://portaldisparada.com.br/economia-e-subdesenvolvimento/desigualdade-aumentou-governos-pt/




[11] “Entre as lei aprovadas se destaca a de antiterrorismo, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. "A gente tem uma lei que tem conceitos extremamente vagos, genéricos e que traz penas altíssimas. Quem vai decidir e compreender o que é provocar pânico e terror social? Sabemos que quem vai aplicar essa lei são os membros de Sistema de Justiça, marcado no Brasil por uma ação criminalizadora e repressora", argumenta Marques. Outra legislação citada pela advogada da Artigo 19 é a que proibia bandeiras e cartazes que não fossem manifestações "festivas e amigáveis" nos espaços dos jogos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. "O que é isso e quem vai decidir o que é festivo e amigável?", questiona ela, que ainda fala em legislações municipais e estaduais antivandalismo e que proíbem o uso de máscaras, por exemplo.

A organização também argumenta que, desde Junho de 2013, "marcado por uma total brutalidade e violência do Estado", as polícias militares dos Estados aprimoraram seus armamentos e sofisticaram suas táticas de repressão, com canhões sônicos, blindados israelenses, trajes Robocop, veículos com canhões de água, além do uso contínuo e indiscriminado de balas de borrachabombas de efeito moralcassetetes e spray de pimenta. Essa parte do estudo é baseada principalmente em percepções colhidas nas ruas, nos locais de protesto.”  http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579907-o-cerco-legal-as-manifestacoes-como-um-duro-legado-de-2013



[14] “[O] discurso petista em 1989 começou a delinear aquelas que seriam marcas do partido por muito tempo: a crítica ao funcionamento do Estado, marcado por práticas de corrupção e favorecimento dos interesses privados, sem, no entanto, negar sua importância como regulador das relações sociais, e a proposta de uma nova ética na política. [...] As críticas do PT também se voltaram para o trabalhismo, visto como herança atrasada da Era Vargas a ser superada[...]” Américo Freire e Alessandra Carvalho, “As eleições de 1989 e a democracia brasileira: atores, processos e prognósticos”, em: O Brasil Republicano. O tempo da Nova República. Da transição democrática à crise política de 2016


[15] “Este artigo analisa a tática política adotada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na conjuntura de crise do governo Collor (1990-1992). Considera-se que o PT não tenha fugido à tendência dominante do movimento pró-impeachment, vindo a aderir à campanha pela ética na política e a atacar o presidente Collor a partir de um discurso de cunho moralista que menosprezou a crítica e a denúncia do caráter de classe da política neoliberal, satisfazendo-se apenas com a denúncia da política recessiva do governo.” http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762010000200010




[19] “ Lula disse que o debate em torno da legalização do aborto é uma “questão de saúde pública”. O presidente criticou a hipocrisia que não diferencia as situações que envolvem as mulheres ricas e as pobres.
“Não se trata de ser contra ou a favor [ao aborto]. Mas de se discutir com muita franqueza porque é uma questão de saúde pública. Se perguntarem quantas madames vão fazer aborto até em outro país? E as pobres que morrem na periferia? Não se trata de ser contra ou não. É preciso que se faça o debate”, disse o presidente.” https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/lula-e-o-aborto/




sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SOBRE MALANDROS E MANÉS, ou: o delírio do nacionalista que confunde sapos com príncipes


''Udenismo de macacão'', essa era a ideologia que Leonel Brizola dizia ser o norte do ''sapo barbudo'': ''Lula e Fernando Henrique se acotovelam para ver quem implementa o mesmo programa neoliberal''

Curioso como alguns nacionalistas se deixaram enganar por meia dúzia de palavras pronunciadas por Lulla-lá quando saiu da prisão. É como se ele nunca tivesse feito algo similar antes, falado mal da Globo, do capitalismo, do entreguismo, dos liberais, das elites etc.
Como se fosse a primeira vez que fingisse ser um patriota, fazer parte de uma tradição nacional-popular -- quem lembra da visita ao túmulo de Getúlio, em São Borja? -- ou mesmo representar qualquer perigo para o sistema hegemônico.
Ora, cartas de boas intenções não servem de nada diante da longa biografia do sujeito.
Estamos falando de um político que destruiu a indústria brasileira, inventou uma tal de ''nova classe média'' que nada mais era do que uma economia de shopping para as classes populares, se uniu a Edir Macedo e a Henrique Meirelles, se abraçava com o Partido Democrata dos Estados Unidos, e promovia o pós-modernismo com unhas e dentes.
Lembro a esses cândidos nacionalistas do programa de governo que Haddad soltou ano passado. O PT prometia fazer o contrário de quase tudo o que havia realizado nos 13 anos em que esteve no Palácio do Planalto. Bastou ir para o segundo turno para o novo Fernando da USP começar a rasgar o documento apresentado nos debates do turno inicial e chamar o tal ''mercado'' pra conversar.
Papel aceita qualquer merda. Pelegos como Lulla-lá são capazes de dizer qualquer coisa para chegarem lá. E o critério do nacionalismo popular brasileiro para julgar quem era um verdadeiro líder sempre passou pelo problema incontornável de saber se o político estava com o povo ou era, na verdade, um traíra disfarçado.
Lulla-lá nunca passou nesse critério. É o oposto, foi reprovado com louvor, se é que podemos dizer assim.
Impressiona que alguns nacionalistas se deixem enganar por sentimentalismo barato, espetáculos, e dois arrotos e meio dados pelo sapo barbudo. Um sorrisinho e eles já saem beijando qualquer batráquio como se príncipe fosse.
Tomem tenência. Como já dizia o filósofo: malandro é malandro, e mané é mané.

sábado, 2 de novembro de 2019

SOBRE O SUS, ou: O que Paulo Guedes quer dizer com ''quebrar não o teto de gastos, mas o piso?''

Sempre que vem à tona discussões sobre o teto de gastos do Estado, que ameaça paralisar e destruir os serviços públicos já a partir do ano que vem, o Ministro da Economia Paulo Guedes vem com a ladainha de que é necessário ''quebrar não o teto, mas o piso''.

O que ele quer dizer com isso? Que o Orçamento deve ser inteiramente desvinculado, isto é, deve-se pôr fim àquele patamar mínimo de grana que a Constituição exige que seja usado em algumas áreas, incluindo aí Educação e Saúde.

"Quebrar o piso'' significa que o Estado vai poder investir cada vez menos nessas áreas sempre que a Banca exigir o pagamento de mais juros extorsivos daquela dívida que ninguém sabe como foi construída e que ninguém sabe quem são os credores -- porque o Banco Central os mantém em segredo e a ''politicalhada'' não permite nenhuma auditoria.

É um ataque direto a direitos sociais pactuados, como a expansão do Sistema Único de Saúde. Sem o SUS, a maioria esmagadora da população ficaria sem os atendimentos não apenas prioritários, do dia dia, mas também tratamento sofisticados para casos melindrosos.

A máfia dos planos de saúde, que vem sendo promovida desde o governo Fernando Henrique Cardoso, cobra cada vez mais caro para serviços cada vez piores, sem o ônus de assumir uma visão republicana para a saúde: perspectiva que exige que todos os cidadãos possuam o mesmo atendimento do sistema, independente de renda ou qualquer outro fator.

Para os cartéis que lucram com saúde alheia, se você não tem direito de pagar, então que sofra com o problema ou morra.

Paulo Guedes quer destruir os recursos que a Constituição obriga que sejam destinados a áreas como a Saúde Pública. O psicopata acredita, no fim das contas, que saúde é bem negociável: é serviço só pra quem puder pagar


O SUS tem inúmeros problemas, principalmente em regiões metropolitanas e no Nordeste/Norte do país, mas eles são exagerados pela propaganda liberaloide que quer fortalecer as máfias que avançam sobre os serviços que deveriam ser garantidos pelo Estado.

Os planos de saúde costumam ter problemas de atendimento semelhantes ou muito piores, com as raríssimas exceções daqueles que podem pagar um valor absurdo por mês para conseguir tratamento, segundo uma lógica implacável e criminosa do mercado.

De todo modo, em muitas regiões, na maioria delas afinal, o SUS é o esteio da prevenção e do atendimento de saúde da população. E em diversos casos, com qualidade invejável para diversos países.

Abaixo, deixo um relato feito em um grupo de discussões do Yahoo, ainda no final da década passada. O autor, cujo nome vou resguardar por ter perdido um pouco contato com ele, era liberal, seguidor de Olavo de Carvalho, francamente pró-ianque e pró-sionista, declaradamente conservador, e odiava com todas as forças o PT e as esquerdas. No entanto, ele é médico também e trabalhou no SUS.

A Saúde Pública precisa de mais dinheiro, não de menos. O discurso de Paulo Guedes é típico daqueles bilionários que não estão nem aí se 99% da população não poderiam pagar um tratamento decente quando o bicho pegar. É um discurso ''norte-americano'', que pensa que quem merece usufruir da ''boa vida'' é quem tem dinheiro, já que acreditam que ''ter grana'' é mera questão de mérito, se fazendo cegos para as diversas relações de poder que formatam as hierarquias sociais, os conflitos entre grupos num mesmo território ou sociedade, e as oportunidades pessoais.

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O SUS não é uniformemente ruim, a gestão é municipalizada e pode apresentar qualidade bastante interessante. Trabalhei em locais onde a iniciativa privada mal existe, tal a qualidade do serviço público.

Onde trabalho, hoje, os PSFs são novos, amplos, confortáveis, bem equipados com direito a ar condicionado e TV Lcd, meus meninos fazem a vacinação num deles, enfermeiras são nossas conhecidas e o MP juntamente com o Conselho Municipal de Saúde acompanham toda e qualquer queixa em relação à qualidade de serviço com muito rigor.

Poucas clínicas particulares oferecem o conforto e comodidade do ambulatório que nos servem, consultas são agendadas até por telefone, não há filas e nem macas no corredor. Respeitando o protocolo de urgência, em meia hora o paciente tem sua situação definida e encaminhada. Regulamos o SAMU numa área de mais de vinte municípios e estamos recebendo uma UPA, um tomógrafo e um aparelho de radioscopia.

Formamos a primeira turma de auxiliares e técnicos de enfermagem bancado pelo SUS e prefeituras da região. Não posso reclamar do meu salário, não faço jornada dupla, trabalho muito, mas em um só serviço. Isto só acontece porque as pessoas envolvidas são dedicadas e se imbuíram da missão de fazer, mesmo subfinanciado, a excelente idéia do SUS funcionar.

É o melhor convênio, mais auditado, que mais liberdade dá ao profissional e o menos burocrático de todos. Paga pouco, mas pontualmente. A defesa do SUS e o fortalecimento dele é um imperativo de todo cidadão que quer ver um sistema único no mundo na qualidade da concepção institucional vingar.

O SUS, melhorando, significa que o país tb melhora.

Em cidades maiores, acredito que a demanda crescente e a qualidade sofrível de serviço em municípios que não atentam para a responsabilidade de organizar O sistema, sobrecarregam esses serviços e fazem o cobertor curto, além de uma gestão perdulária com os parcos recursos.