Pelé o considerava o jogador brasileiro cujo futebol mais se aproximava dele. Telê Santana dizia ser o maior camisa 10 depois de Pelé. A torcida do Flamengo inteira o chama de Rei. Zico é a alma personificada do Flamengo. O garoto suburbano, saído de família de rubro-negros, que conquistou os bairros do Rio em peladas e partidas de futebol de salão, se tornou a maior estrela do estádio mais lendário do planeta, o maior goleador já visto na Gávea, e que levou O Mais Querido do Brasil a um patamar mítico de dimensões globais.
4) ZICO, O “GALINHO DE QUINTINO” [1972/83; 1985/89]
Em uma publicação feita no Facebook há seis anos expliquei porque considero Zico um dos dez maiores jogadores que já existiram. [leia no fim dessa postagem.]
Mas o texto não diz exatamente a razão dele ser também o mais importante atleta da história do Clube de Regatas do Flamengo. Uma coisa poderia implicar na outra, mas não necessariamente. É preciso olhar de outra perspectiva pra entender por inteiro do que se trata.
O Flamengo teve outros gênios, que por diversos motivos exerceram um papel estratégico na vida do clube, tais como Leônidas da Silva, Zizinho, Evaristo e Romário. Mas a posição do garoto Arthur é muito mais central.
Por si só, os troféus não permitem apreender todo o panorama. Os títulos são função de uma época. Em um momento em que o campeonato de maior visibilidade do país era o carioca, os tricampeonatos da década de 1940 e 1950 foram feitos gigantescos, assim como é gigantesca a profusão de taças atuais.
[E, cá entre nós, o pentacampeonato da Taça Guanabara de 1978 a 1982, por sua dificuldade e pela relevância do torneio então, foi bem mais impactante do que vencer Supercopas do Brasil ou Recopas Sul-Americanas; assim como o tricampeonato do fim dos anos 1970 não valia tão menos assim que um Campeonato Brasileiro.]
Claro, Zico ganhou tudo o que havia para ser conquistado em seu tempo. Tudo!
Mas ele não é o que é tão somente por uma lista de títulos, por mais completa que ela seja. Ele não fez do Flamengo apenas o time mais vitorioso. Mas o melhor time do mundo, coisa rara na vida de um clube em qualquer época, e ainda mais raro depois da concentração econômica em uma dúzia de mega-equipes europeias.
Mas não era só o melhor time do mundo, e sim um dos mais impressionantes já vistos em todos os tempos, comparado ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Garrincha, e eleito pela FIFA um dos dez maiores do século passado. Zico era a liderança técnica e moral daquela Era de Ouro que dificilmente será repetida.
Será que isso é suficiente para explicar sua importância? Talvez, mas ainda faltam alguns ângulos fundamentais.
Filho de imigrantes portugueses, criado no subúrbio do Rio em uma família fanática pelo Mais Querido, o menino vinha de uma família de boleiros. Seu irmão Antunes brilhou no Fluminense, e seu irmão Edu foi craque de bola, talvez o maior ídolo da história do América RJ, e um dos injustiçados na convocação da seleção de 1970.
E, ainda assim, o menino Arthur era o verdadeiro astro da prole de Seu Antunes, arrepiando e angariando fama nos torneios de futebol de salão que sacudiam os bairros populares dos anos 1960.
Sim, ele era Prata da Casa, o exemplo perfeito da orgulhosa máxima de que “Craque o Flamengo faz em casa”. Profissional exemplar, tinha consciência aguda da responsabilidade que carregava, e ficava horas depois do treino aprimorando as faltas, os pênaltis e outros quesitos de seu jogo já magistral, um exemplo gritante para uma geração de atletas que, como ele, saíram das bases da Gávea. Em toda a carreira, dos juvenis à aposentadoria, só não atuou no Flamengo em duas temporadas. [Depois da aposentadoria, como um demiurgo, criou o futebol profissional no Japão.] É o segundo jogador que mais vestiu o Manto Sagrado, mais de 730 partidas.
Se unirmos todos esses fios, teremos o desenho da identificação que se criou entre aquele rapaz, o clube e a Magnética.
Bom, além de vir de família fanática pelo rubro-negro, dos subúrbios do Rio, de ser formado na Gávea, de ter defendido o Flamengo em centenas de partidas, ter vencido tudo o que existia, e liderado uma equipe lendária que levou O Mais Querido ao Olimpo da História do Futebol, ele também se tornou o maior artilheiro da vida do Maracanã, maior templo do futebol mundial, e o maior goleador da história rubro-negra, com incríveis 509 tentos.
Gols de todos os tipos. Olímpicos, de esquerda, de direita, dentro e fora da área, de cabeça, chaleira, driblando a defesa toda, de oportunismo e todos os mais que se puder imaginar. Inclusive, aquele que é, sem dúvida, o mais importante da história rubro-negra, que garantiu a conquista de uma Libertadores em uma era em que transmissões de TV eram raras, que os jogadores sul-americanos jogavam aqui, a violência comia solta sob complacência dos árbitros, os brasileiros eram roubados escandalosamente: [https://www.youtube.com/watch?v=tHzzS1q6gN8]
Se essas linhas já transmitiram algum vislumbre do peso desse Monstro Sagrado, temos de voltar a coisas mais singelas, pra aí sim conhecer o significado de Arthur Antunes Coimbra.
Ele podia se sentir tudo no Flamengo, e encher a boca, como tantos depois dele, pra falar de “tudo o que fez pela instituição”. Mas preferia dizer, “tive vinte anos de felicidade ao cruzar o portão da Gávea todos os dias pra treinar”. Ou então, “não trocaria uma só Taça Guanabara que conquistei no Flamengo por uma Copa do Mundo.” Apesar dos cumes inatingíveis que atingiu, Zico é um de nós. Podia estar presente do nosso lado em qualquer arquibancada.
Por isso chego até a achar bom que ele não tenha vencido uma Copa pela Seleção. Sim, é injusto dizer que ele não arrebentou na equipe canarinho. Foi o maior Ponta de Lança da era pós Pelé. O segundo maior artilheiro [depois superado por Romário, Ronaldo e Neymar em outro contexto]. Perdeu só um jogo em 3 Mundiais disputados. E é a maior referência daquela que, mesmo não tendo levado a Taça, é considerada dentro e fora do país como um dos grandes exemplos da mágica do futebol brasileiro, o time de 1982.
Mas percebam. Talvez a primeira imagem que nos venha a cabeça quando falamos de Pelé seja a camisa amarelo ouro da CBF, com o 10 nas costas, socando o ar. Impossível explicar Mané Garrincha sem a Copa de 1962. Ou falar de Maradona sem os gols contra a Inglaterra no México.
Já Zico é inteiramente identificado com o Manto Sagrado. É a alma do Flamengo manifesta em malabarismos, dribles, passes e gols no Maracanã, conduzindo O Mais Querido a voltas olímpicas e a um patamar mítico.
É por isso que todo rubro-negro imita Nelson Rodrigues e diz “que sai de porta em porta proclamando a minha verdade, a de que Zico é o maior jogador do mundo”. Que concordamos quando Pelé diz que, no Brasil, foi ele o jogador que mais chegou perto de seu futebol. E ainda vamos além, porque ao montar o time pra jogar uma 'pelada', o escolheríamos na frente do Negão, com confiança absoluta, fosse pra ganhar ou pra perder.
Certa feita, o ex-presidente Kleber Leite declarou que, para um rubro-negro, Zico era “princípio, meio e fim”. Mas não em um sentido cronológico. Ele é princípio porque emerge das classes populares flamenguistas pra se tornar atleta criado no clube; é meio porque une a paixão à plenitude técnica; e é fim porque é a dominância concretizada e reconhecida como tal até pelos principais rivais.
Um enredo tão exuberante, que até os pequenos deslizes [pênalti perdido na final da Taça Guanabara de 1976, contra o Vasco? E daí? Quem lembra disso hoje em dia?] contribuem para a perfeição final da história.
Ele foi, é, e sempre será o CAMISA 10 DA GÁVEA.
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O imortal Nelson Rodrigues chegou a declarar no início dos anos 1970 que estava dedicado a ir de bar em bar, de rua em rua, de portão em portão para transmitir sua verdade, a de que Zico era o melhor jogador do mundo. Desde os tempos dos irmãos Antunes no Fluminense e Edu no América se profetizava que o craque daquela família de boleiros do subúrbio carioca era o franzino Arthur, que comia a bola em campeonatos de bairros e no futebol de salão.
Criado em uma família na qual o Flamengo era uma religião, Zico possuía o mesmo problema que Messi apresentaria ao Barcelona quase meio século mais tarde, um físico franzino que só lhe permitiu jogar profissionalmente depois de um severo e planejado tratamento de vanguarda.
O garoto conquistou a torcida de cara e conduziu um grupo de juvenis ao título carioca de 1974. Seus dribles e perfeição técnica levam o Rei Pelé a afirmar até hoje que ele foi o jogador brasileiro que mais chegou próximo dele. O futebol do ''Galinho de Quintino'' amadureceu em um misto de inteligência, habilidade no drible, perfeição nos passes, destreza na bola parada e faro de golo que deixariam extasiados os torcedores do Flamengo, os amantes do futebol e a crítica especializada dentro e fora do país.
Zico fez do Maracanã sua casa, tornou-se o maior artilheiro da história do estádio mais importante de todos, e levou o Flamengo a uma hegemonia crescente: primeiro no Rio de Janeiro, depois no Brasil e por fim na América do Sul e no mundo. O ''Camisa 10 da Gávea'' se transformou em uma lenda sem fronteiras, líder de uma equipe que foi considerada pelo Grande Júri da FIFA, reunido no fim do século XX, entre as dez melhores já vistas.
Mais uma vez parecido com o argentino Messi, Zico não venceu uma Copa do Mundo. A diferença é que o ídolo rubro-negro virou símbolo de uma das seleções mais amadas pelo planeta bola, tão fantástica que é considerada entre as maiores já montadas pelo Brasil ainda que não tenha ficado sequer entre as quatro primeiras da Copa de 1982. Naquele Mundial, o Galinho brilhou em campos espanhóis com o mesmo fulgor e magnitude com que comandava o Flamengo em seus dias de glória.
Maior goleador da seleção depois de Pelé, fenômeno de popularidade na pequena Udinese -- com a qual chegou a disputar a artilharia do italiano contra Platini, que atuava pela poderosa Juventus --, maior ídolo da história do clube de maior torcida do Brasil, o Galinho de Quintino também conheceu a dor e a tragédia, seja por não ter levado o escrete canarinho à conquista de uma Copa -- o que lhe daria uma dimensão ainda maior nessa lista, seguramente entre os cinco primeiros --, seja pelas limitações físicas que o acompanharam na fase final de sua trajetória, vítima da violência de adversários que quase puseram um ponto final em sua carreira.
No início dos anos 90, depois da primeira aposentadoria, Zico foi escolhido pelos japoneses para se tornar a estrela que consolidaria um campeonato nacional no país, também aqui similar à ida de Pelé para o Cosmos, nos Estados Unidos. A estrela surgida no Rio, conquistadora do Maracanã e do mundo, foi também inesquecível no país do sol nascente.
Publicado originalmente em [ https://www.facebook.com/constantor/posts/pfbid036mZMCY6xu9PWtmJ61cmsB4K6G6zn6jm3UYGo5u4vcwt1fijKyP2E7KuBa1WoBeu8l ]
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