A percepção do governo Bozó sobre a
Amazônia é exatamente aquela vendida pelas Forças Armadas desde sempre. Eles
pensam que a história da colonização no território brasileiro é a da
''integração'' [forçada] dos povos indígenas, ocupação por eurodescendentes
[eles se vêem como continuadores da colonização portuguesa] e exploração
econômica.
Daí as críticas que Augusto Heleno fez na década passada à política indigenista, declarando que ia em sentido contrário à construção do país. O oficiais superiores do Exército não parecem perceber que, desse modo, confessam o caráter genocida e predatório que a presença luso-brasileira muitas vezes representou para os povos nativos.
Os generais dão assim razão a Aílton Krenak, que tem dito que a guerra contra os índios nunca parou um dia sequer no Brasil desde a chegada dos europeus. Que nesse momento mesmo os indígenas lutam pela sobrevivência física e cultural, e pela manutenção de suas terras ancestrais contra uma série de agressões, invasões e morticínios. ''Estamos em guerra", continua o ex-deputado.
O Exército se ressente que a
Constituição de 1988 tenha dificultado esse processo de extermínio. Eles não conseguem
enxergar qualquer outra solução para a soberania brasileira em que a floresta
permaneça de pé. ''Projeto Bandeirantes'', de fato.
Daí que nessa visão, a política indigenista, o discurso preservacionista e a intervenção estrangeira sejam sinonimizados. A depredação para a exploração econômica, destruição das comunidades e culturas ancestrais é vinculada, no raciocínio dicotômico, ao nacionalismo.
Se é verdade que o imperialismo e os interesses econômicos internacionais podem se utilizar de ONGs ambientalistas, movimentos indígenas e preservacionismo como forma de intervenção política e econômica, é evidente também que muitas vezes a equação que se faz com esses elementos não fecha.
Historicamente, sempre existiram projetos econômicos de outros países na exploração dos recursos da
região. As lembranças do projeto Jari e as tratativas de Rockfeller para a
construção de empreendimentos industriais na Amazônia ainda estão muito
vívidas. O próprio governo Jair Bozó quer vender terras a estrangeiros e permitir que mineradoras do Canadá, EUA e outras nações atuem em
reservas indígenas, atraindo forte oposição dos povos nativos e de
ambientalistas.
A demarcação de terras indígenas, com
a utilização de nativos em tropas do Exército brasileiro, é uma solução
engenhosa para a manutenção da nossa soberania na Amazônia. As
terras indígenas pertencem à União, e são dadas como posse coletiva -- sem
possibilidade de propriedade individual -- às comunidades ancestrais. O acordo
não impede a exploração do subsolo pela União, desde que com consentimento dos
habitantes do local e com a divisão com eles dos possíveis frutos da
exploração.
É risível que o Exército pense a sério que a defesa do território brasileiro dependa de atividades econômicas caóticas e destruidoras deste mesmo território e dos povos que nele vivem. Muito mais inteligente seria exigir um investimento na indústria de monitoramento por satélites e tecnologia militar na fronteira. A visão dos generais, nesse e em outros campos, é míope, curta e rasteira.
A Amazônia é brasileira e
sul-americana não porque temos direito a destruí-la antes que europeus,
norte-americanos e chineses. Não se trata de uma competição
pra saber quem achincalha primeiro o meio ambiente e mata os indígenas e seus
complexos culturais.
A floresta é brasileira e
sul-americana porque nosso processo civilizacional -- em grande parte herdeiro
dos povos nativos cujo sangue e cultura vivem em nossos corpos e almas -- é
capaz de guardá-la, conviver com ela e mantê-la e aos povos que ali interagem,
de maneira orgânica e singular. Porque somos capazes de vê-la para além de uma mero conjunto de recursos materiais, fonte de lucro ou museu. Porque ela é elemento indissociável de nossa
identidade.
Qualquer ''uso'' dos recursos
amazônicos tem de obedecer estes princípios. Mesmo a consideração de que a
biodiversidade da região é a maior do planeta e que ela pode gerar mais riqueza
de pé do que detonada tem de se submeter aos parâmetros acima.
A Amazônia é nossa, sim, sempre foi.
O que implica dizer que ela não é ocidental, e não agiremos nela como
colonizadores, imperialistas e estrangeiros de toda ordem acabariam por fazer.
Assista também ao vídeo: A Amazônia é brasileira, sul-americana e sagrada