“Essa primeira geração da Dissidência possuía e ainda possui um interesse por temas místicos e esotéricos tão forte que arriscar-me-ia dizer que até mesmo os interesses políticos e culturais estavam meio que submetidos a esses interesses místicos (na geração mais nova da Dissidência, a meu ver, esta relação é inversa e o interesse místico é mais diluído e até mesmo inexistente em algumas figuras). E sobre o interesse esotérico que eu disse acima, que sempre foi forte entre os pioneiros da dissidência, isso se refletia até mesmo no modo como líamos e falávamos do Dugin na época: sempre enfatizando as influências místicas e esotéricas de sua obra.”
Rodolfo S. Souza
Alexander Dugin no Brasil, em 2012. Dídimo Matos organizou a vinda do Geopolítico russo, estabelecendo uma rede de contatos em universidades do Nordeste e do Sudeste do Brasil. |
Descrever a Era dos Evolianos ajuda a desfazer um conjunto de confusões e versões distorcidas que grassam tanto em meios que militam a favor quanto entre aqueles que militam contra a Dissidência Tradicionalista. Antes de entrarmos nos Encontros de 2011 e 2012, destaco alguns pontos úteis para colocar a História do movimento em seus devidos trilhos:
i.
Certa
propaganda “antifa” [antifascista] associa os Evolianos a conciliábulos neonazistas e, quando os apresentam de
forma mais branda, a reunião de “alunos do Olavo de Carvalho” e à
“extrema-direita”. As fontes e a narrativa que tenho apresentado revelam cenário
muito diferente. Este campo político foi forjado em ambientes
virtuais, especialmente a Dubê mas
também grupos paralelos que interagiram com ela de algum modo [como o blog Grupo de UR e o fórum de Filosofia do Yahoo chamado Acrópolis], que propunham uma distância crítica à obra de Olavo e
caminharam para a discordância explícita e veemente em relação a diversos
aspectos da versão particular de esoterismo e ação político-cultural do
“Filósofo da Virgínia”. Eram fóruns marcados
por ampla diversidade política, com forte presença de socialistas, liberais,
conservadores, nacional-bolcheviques. A multiplicidade religiosa não era menor:
muçulmanos, católico-romanos, cristãos ortodoxos, neopagãos, budistas,
estudantes do Vedanta, hermetistas, neoplatonistas e outros.
Os Evolianos, por sua vez, foram
organizados em meio universitário, com grande presença de acadêmicos de várias áreas de conhecimento [Filosofia, Relações Internacionais, Antropologia etc.] e instituições públicas e privadas [UFPA, UFSC, UFRN, Centro Cultural Zarinha, UERJ,
USP etc.];
ii. Existem movimentos dissidentes que propagandeiam uma versão enviesada da formação do campo Tradicionalista. Simplificando os escritos de Evola, preferem descrever o processo como ksatryia [na tipologia das varnas, se refere às pessoas com disposições ligadas à manutenção da ordem social de um ponto de vista civil e militar, como juízes, diplomatas, burocratas em geral e “guerreiros”]. Mas o desenvolvimento da Dissidência partiu, primeiramente, de estudantes e praticantes de vias espirituais e esotéricas, e depois se transferiu para meios intelectuais e acadêmicos. O próprio Dugin deu prioridade a esta forma de interação pelo menos até o fim de 2019 [1]. Mesmo os grupos políticos que surgiram depois evoluíram sob a égide e influência estrita desta geração de dissidentes com viés intelectual. A ideia de um campo político montado por “militares”, “guerreiros”, e “gangues” é ilusória e sem fundamento. A participação destes grupos na evolução da Dissidência foi, na maior parte das vezes, subordinada e derivada.
Flávio Gonçalves, de Portugal, fazia parte da rede de relações de Dídimo Matos. Os dois se uniram para publicar obras simultaneamente no Brasil e em Portugal, além de uma Revista de Geopolítica |
iii. Há quem prefira ressaltar em demasia alguma individualidade
específica na formação do Tradicionalismo Político no Brasil. Mas qualquer narrativa do
gênero é insustentável diante das fontes e dos fatos. A Dissidência é
uma construção, desde as origens, e em todas as suas etapas, coletiva, ou, para
quem não gosta do termo, levada à frente por diversas agências. Nunca existiu uma
liderança onisciente conduzindo o movimento até o momento atual. Na verdade, uma
liderança deste tipo não existiu em NENHUMA etapa do processo, como vai ficar claro
ao longo das postagens. A Dubê,
criada e moderada por Uriel Araujo, era marcada por muitas figuras
importantes, desde Rafael Daher e Alfredo R.R. Sousa, passando por Marco
Vinícius Monteiro, Giuliano Morais e Ricardo Almeida, até Rodolfo Souza e
outros. [Eu também tive alguma participação nesse período, assim como Alex
Sugamosto]. Dídimo Matos, outro partícipe da Olavo de Carvalho do B e da Acrópolis,
foi o eixo central da Era dos Evolianos.
Ele teve auxílio fundamental de outros personagens que vou citar a seguir,
incluindo Rodolfo Souza, palestrante no II e III Encontros, e fundamental na
primeira vinda de Dugin ao Brasil. Nestes anos, Dídimo se tornou o
representante oficial do Centro de
Estudos Conservadores da Universidade em que Dugin lecionava e também de um movimento italiano ligado ao Neo-Eurasianismo. Por um tempo, teve auxílio precioso de membros do Grupo Austral, gerido por um círculo
interno em que se destacavam Valdemar A., figura próxima a Dídimo na
Paraíba e que viria a ser Secretário Geral do Centro Evoliano das Américas [de Marcos Ghio], “João Labrego” [um
pseudônimo], Maurício Oltramari, Wagner Correa, além de S.G. [sigla para proteger o nome do envolvido], Raphael
Machado e F.F. [sigla para proteger o nome do envolvido]. De modo similar, é impossível fechar os olhos para a ajuda e a rede de relações construídas nas Universidades. Por fim, as etapas subsequentes foram igualmente marcadas por uma multiplicidade de
agências, como pretendo detalhar [2];
Os Evolianos foram antes de tudo eventos acadêmicos, com apoio de universidades e grande presença de professores de instituições públicas e privadas |
iv.
A História
da Dissidência Tradicionalista não é a do “evolianismo” nem tampouco do
“duginismo”, embora ambos tenham posições centrais na narrativa, como tenho destacado. Não
só na Dubê como na Era dos Evolianos, havia participação e
leituras desvinculadas ou com certa distância em relação a estas duas
correntes, anda que com elas dialogassem. O Meridionalismo do professor André Martin
tinha tanto espaço quanto o Eurasianismo de Dugin. F.F., que
participou do Círculo interno do Grupo Austral, teve passagem anterior pelo Centro de Estudos Conservadores da
Bahia, do qual participava Ricardo Almeida, uma das lideranças intelectuais e
organizacionais do atual MBL.
Intelectuais como Mateus Soares de Azevedo, bastante ligado ao Perenialismo de Schuon, e o
falecido Luiz Pontual, do IRGET [que
tinha perspectiva fundamentalmente guenoniana], além de pessoas mais próximas ao
pensamento de Olavo, como Marco Vinícius Monteiro e Cesar Ranquetat,
participaram dos Evolianos. Para não
falar de pessoas mais afastadas do “duginismo” propriamente dito, como Rodolfo
S. Souza, Uriel Araujo [que realizou uma comunicação no V Evoliano] e Victor Emmanuel Barbuy, líder da Frente Integralista Brasileira. Havia um mosaico de influências e
diálogos, com aproximações e divergências mútuas. A apresentação de qualquer cenário mais homogêneo para a formação do campo dissidente é puro
reducionismo, e tampouco se sustenta diante dos fatos e das fontes. Se havia
uma tendência nítida, era o direcionamento de grande parte dos envolvidos para um “esoterismo de mão esquerda”. [3]
Mateus Soares de Azevedo, professor de Relações Internacionais e autor Tradicionalista muito ligado ao Perenialismo de Fritjof Schuon, foi figura presente em toda a Era dos Evolianos |
7.1
O Evoliano em 2011
Os Encontros Evolianos entre 2011 e 2013 não foram unificados, eles aconteciam em mais de uma cidade. A "numeração" dos Encontros pode provocar alguma confusão, já que eles resumiam e marcavam formas diversas de eventos. Era comum que o nome desse conta não só do Encontro Nacional, mas do Internacional e Regional [Assim, o III Nacional Evoliano foi o II Internacional e o I Paraibano]. Nesta História, vou seguir a ordem dos Nacionais:
I Encontro --> 2010, com eventos em João Pessoa;
II Encontro --> 2011, com eventos em João Pessoa e Curitiba;
III Encontro --> 2012, com eventos em João Pessoa, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba;
IV Encontro --> 2013, com eventos em João Pessoa e Curitiba.*
V Encontro --> 2014, Unificado em São Paulo.
* Para os fins desta narrativa, o Encontro Ibero-Americano de Quarta Teoria Política, realizado em 2013, organizado pelo Grupo Austral em Curitiba, será considerado parte da Era dos Evolianos, embora não se pretendesse um Encontro deste tipo.
É possível perceber o nome de dois organizados dos eventos do II Encontro em Curitiba: "João Labrego" e Valdemar A. |
As palestras e comunicações em Curitiba foram organizadas por Valdemar A. [vimos na Parte IV sua troca de e-mails com Sugamosto, que quase palestrou em 2011] e “João Labrego” [pseudônimo]. Mas também por Maurício Oltramari, e, segundo este último, com participação importante de Raphael Machado [Diz Oltramari que “João Labrego ajudou sim a organizar o evento de 2011 e de 2012. O de Curitiba, aquele que foi o encontro Ibero-Americano, nesse aí ele teve um papel bem de destaque. Ele foi um dos que mais articulou com os intelectuais e tudo. No primeiro Evoliano [Maurício se refere ao primeiro evento em Curitiba, que fazia parte do II Encontro Nacional Evoliano] ele não foi um figura tão central assim. Foi mais o Machado.].
Rodolfo S. Souza em foto com o argentino Marcos Ghio: os eventos em Curitiba, 2011, foram realizados em uma chácara |
Em João Pessoa, o Cristão Gibelino esteve sempre à frente dos serviços. A palestra na USP, em 2012, também foi organizada principalmente pela rede de relações de Dídimo Matos. No Rio de Janeiro, no mesmo ano, o papel central coube a Rodolfo S. Souza, figura das mais importantes nos II e III Evolianos, em que palestrou em Curitiba. “Eu só fui nas de Curitiba e não em João Pessoa. Na verdade, não cheguei a ir nas duas por questões orçamentárias mesmo, ficava muito pesado ir nas duas cidades e a passagem pra Curitiba saindo do Rio é mais barata que pra ir pra João Pessoa”, explica.
Cartazes e propaganda do III Encontro Nacional Evoliano, com os e-mails de contato de Danilo Souza, amigo de Dídimo Matos; Rodolfo S. Souza; do próprio Cristão Gibelino; e de Valdemar Abrantes e cia. |
Rodolfo era também participante ativo da Dubê, especialmente na segunda fase da
comunidade, tal como vimos na Parte IV.
Mas seus interesses espirituais e esotéricos vinham desde a infância, de modo
que Caio Rossi certa feita o definiu como uma “biblioteca gnóstica”. Rodolfo
conversou comigo para essa História:
“Desde
muito jovem (tipo, desde uns 8 ou 9 anos), sinto-me atraído por história das
religiões, mística, teologia, esoterismo, ocultismo e o sobrenatural de forma
mais ampla. Na adolescência busquei o espiritismo (você sabe como é, é o que
alguém jovem aqui no Brasil tem mais próximo a ele, quando começa a se
interessar por essas coisas). Aí veio o interesse pela Maçonaria e a Teosofia, e
na adolescência ainda cheguei a frequentar grupos da Eubiose. Cheguei a entrar na Ordem
Demolay também e a me aproximar da Maçonaria. Quando eu tinha mais ou menos
uns 10 anos pensei em ser padre, mas me afastei do Cristianismo quando comecei
a ler sobre Teosofia. Porém, por volta dos 15 anos mais ou menos, conheci a obra
de Guénon. Por causa de Guénon comecei a perder interesse em Helena Petrovna
Blavatsky, em Crowley também, por quem fiquei muito interessado aos 14 anos
mais ou menos. E, de Guénon fui estudando os perenialistas, o que
paulatinamente me levou a ter um interesse acadêmico mais profundo por história
das religiões e também despertou uma volta do meu interesse pela mística
cristã. Difícil resumir, acabei de lembrar que frequentei um grupo de Yoga na adolescência também (risos). E
lia as obras do Castañeda já na adolescência (me foi apresentado por um chefe
escoteiro que era maçom e médium espírita). Já adulto, meu interesse por
mística acabou me levando a conhecer a mística cristã grega e oriental, o que
levou meu interesse na Ortodoxia [4]. Mas, eu sempre tive uma inclinação pro
caminho de mão esquerda, e até mesmo algumas coisas que poderíamos chamar de
obscuras, e meu interesse pelo Oriente retornou. Então, fui estudar mais sobre o
tantra e o hinduísmo. Acabei tendo
contato com o mesmo guru que iniciou o Giuliano e ele estava disposto a me
receber lá como candidato. Mas, ele se envolveu com certos crimes e precisou
ficar fora de área. Hoje em dia estou envolvido com o Candomblé, além de ter
participado de grupos de estudo sobre vodu haitiano e religiões de diáspora
africana.”
Foto do evento do II Evoliano em Curitiba, 2011: na foto se vê, na primeira linha de cadeira: Rodolfo, Bruno Fett, Alessandra Oltramari [irmã de Maurício Oltramari] e Wagner Correa |
A conversão à Ortodoxia ainda não tinha ocorrido em 2011, e Rodolfo já exibia uma sólida jornada acadêmica. Fez bacharelado em Filosofia na UERJ, mais especificamente em História da Ciência. No Mestrado, estudou o problema da negatividade ontológica em Heidegger, um autor também mobilizado por Dugin na Quarta Teoria Política. No Doutorado, pesquisou o conceito de mística. O envolvimento com a Dissidência se originou, conforme já dito, na Olavo de Carvalho do B. Rodolfo considerava aquela geração de dissidentes bem diferente da atual: “Essa primeira geração da dissidência possuía e ainda possui um interesse por temas místicos e esotéricos tão forte que arriscar-me-ia dizer que até mesmo os interesses políticos e culturais estavam meio que submetidos a esses interesses místicos (na geração mais nova da dissidência, a meu ver, esta relação é inversa e o interesse místico é mais diluído e até mesmo inexistente em algumas figuras). E sobre o interesse esotérico que eu disse acima, que sempre foi forte entre os pioneiros da dissidência, isso se refletia até mesmo no modo como líamos e falávamos do Dugin na época: sempre enfatizando as influências místicas e esotéricas de sua obra.”
Ele cita algumas pessoas importantes nessa primeira fase. Além de Daher [“Ele foi um dos primeiros a falar sobre o Dugin nas redes”, diz], de quem já falamos na Parte IV, ele acrescenta outros nomes, me incluindo gentilmente na lista: “Uriel Irigaray, Alexandre Sugamosto, Caio Rossi, Giuliano Morais, Malê Ibrahim, Ricardo da Costa, Alfredo Scalla e mais algumas figuras são algumas pessoas que eu destaco como tendo influência na gênese do imaginário dissidente nessa época. E o confrade também, que era uma figura bastante presente e bastante referenciada nesses círculos de debate.”
Acostumado à ênfase esotérica nestes círculos primevos da Dissidência
Tradicionalista, Rodolfo notou a diferença de cenário no Evoliano de 2011, o primeiro em que palestrou: “Quando participei do Congresso Evoliano
conheci uma galera diferente, que tinha consonância em alguns interesses com o
pessoal com quem eu discutia ou acompanhava os debates nas redes. [...] Neste
primeiro Evoliano que fui, que era o
segundo Congresso Evoliano,
palestrei junto com o Marcos Ghio e Mateus Soares de Azevedo. Foi a primeira
vez que conheci o Raphael Machado também e o Maurício Oltramari. Exceto esses
dois, todo o resto que estava no evento na época seguiu por outros caminhos
políticos, ou foi expurgado (e com razão), pela Nova Resistência que veio surgir anos mais tarde. Digo com razão,
porque tinha muitos neonazistas semi-enrustidos nesses primeiros Evolianos e figuras que não eram
exatamente dissidentes, mas apenas direitistas.”
Sobre os “expurgos”, ou cismas no interior da organização política citada, falarei quando for o momento, já que me envolvi com o processo em primeira mão [5]. Mas é importante destacar na fala: 1) certa diferença de parte do público atraído pelos Evolianos em relação aos “pioneiros da Dissidência”, como os chama Rodolfo; 2) a aparente presença de fascistas em sentido estrito neste novo público, e para os quais a busca espiritual era secundária.
Mesa com Mateus Soares de Azevedo, Marcos Ghio e Rodolfo S. Souza, da esquerda para a direita. II Encontro Evoliano, em 2011 |
Além de Rodolfo Souza e Mateus Soares Azevedo,
esteve presente em Curitiba o argentino Marcos Ghio, fundador e presidente do Centro Evoliano de América [CEDA]. Dídimo e
parte dos círculos da Dubê não viam
com muita simpatia o trabalho de Ghio por causa da defesa que ele fazia do wahabbismo.[6] Mas sua presença no Encontro
teve como consequência tonar Valdemar A. Secretário e representante do
Centro no Brasil, conforme conta Dídimo:
“Eu tive
pouco contato com o Ghio, né? E não é uma figura que eu aprecie do ponto de
vista do que ele professa em termos de Geopolítica, Tradição etc. Com umas
vinculações com o Islã que eu acho modernistas...então, não tive muito contato
com ele. Ele esteve no Evoliano no
Sul. E lá ele teve contato com outras figuras. E foi lá que eles fizeram esses
ajustes aí, do Valdemar fazer parte desse Centro de Estudos lá do Ghio.”
Dídimo organizou uma "Conta Dugin" para custear a vinda do Geopolítico ao Brasil. Mas Departamentos Universitários também deram suas contribuições |
7.2
O Evoliano de 2012 e a primeira vinda de Dugin ao Brasil
Dídimo Matos criou uma “Conta Dugin” em meados
de 2011 para angariar recursos para trazer o Geopolítico para o Brasil.
Alguns interessados contribuíam. Por outro lado, a organização das palestras em
São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba contou com a colaboração de diversos
atores, parte deles das áreas acadêmicas, que tinham interesse no diálogo com o russo. Não só Dídimo Matos, mas os professores André Martin, da USP, Edu Silvestre de Albuquerque, da UFRN, e Carlos Bezerra, que fazia
doutorado na UERN, se tornaram
presenças frequentes dos eventos daqueles anos. Também participaram em 2012 o
já citado Marcos Ghio, presidente do CEDA; o italiano Orazio Maria Gnerre, Diretor do Instituto MILLENIVM, e outros nomes,
como Arthur Ronald Buchsbaum, da UFSC.
Conta o Cristão Gibelino:
“O
Edu Albuquerque já era meu amigo, foi orientando do professor André [Nota: André Martin, da USP] no Mestrado antes de mim. Bem antes
inclusive. E a gente já tratava juntos de questões geopolíticas. E aí ele se
interessou pelos Estudos Tradicionais. Até porque a Geopolítica é uma parte
desses estudos. Geopolítica, Geografia Sagrada são elementos da Geografia que
fazem parte dos Estudos Tradicionais. E depois ele até auxiliou na organização
dos Encontros Tradicionais na UFRN,
no Rio Grande do Norte; coordenou o esforço com a UERN. O Buchsbaum é meio “tan-tan das ideias” (risos). Mas foi
interessante a participação dele. Ele estuda umas loucuras aí. E todo evento Evoliano [risos]...É engraçado, tem
sempre um sujeito meio “tan-tan”, meio doido, né? O Buchsbaum foi um desses.
Ele é na verdade um lógico, competente, da UFSC,
mas ele faz uns estudos de esoterismo, coisas do tipo. Mas não é um
Tradicionalista no nosso sentido, não. Nem evoliano...conheceu Evola a partir
do Encontro. Carlos Bezerra é professor do Rio Grande do Norte, estava fazendo
doutorado na UERN, mas o orientador
dele faleceu, e aí ele deu uma parada no doutorado. Ele fez mestrado junto
comigo, e participou de todos os Evolianos
que aconteceram na região Paraíba/Rio Grande do Norte.”
Debate entre André Martin e Alexander Dugin no Centro Cultural Zarinha, no Encontro de 2012. Os Evolianos tinham espaço tanto para o Meridionalismo quanto para o Neo-Eurasianismo |
A lista de acadêmicos era incrementada por
Mateus Soares de Azevedo, Deyve Redson, Marcílio Diniz, Alexandre Hage, além do
próprio Rodolfo Souza, que resume assim o percurso de Dugin no Brasil:
“Primeiro
ele foi pra São Pulo e palestrou na USP,
se não estou enganado (quem ficou encarregado de recebê-lo em São Paulo foi um
rapaz chamado Danilo Souza -- muito amigo do Dídimo, mas não simpatizo com a
figura -- que na época era doutorando em geopolítica na USP (hoje já tá formado). No mesmo dia que ele palestrou em São
Paulo viajou de tarde para o Rio de Janeiro para palestrar na UERJ (Casanova, que me devia favores
por eu ter ajudado ele em vários eventos acadêmicos nos anos anteriores, pediu
pro departamento pagar uma passagem de avião para o Dugin e reservou auditório
do nono andar da UERJ pra mim [7]). Fui
receber o Dugin no aeroporto na companhia de mais dois conhecidos nossos: o
Alfredo e o Jorge Faria (também conhecido como Rudra, o confrade talvez não se lembre dele, mas já debateu com ele
nas redes algumas vezes, ele é iniciado no kaula
tantra lá na Índia, inclusive era amigo do guru que iniciou o Giuliano, embora
ele deteste o Giuliano [8]). Embora o Dugin saiba falar português, sua fluidez
nessa língua é menor que em inglês (pelo menos naquela época era), então ele
escreveu a palestra em inglês e o Jorge foi o tradutor da palestra (ele fez
isso na camaradagem, sem cobrar nada, por estar interessado na época nessas
ideias). [...] A palestra que ele deu na UERJ
foi sobre Quarta Teoria Política. Antes da palestrar, ele me disse que poderia
falar sobre quatro coisas diferentes e só precisávamos escolher (não lembro
exatamente, mas acho que tomei a decisão junto do Machado, da palestra ser
sobre a Quarta Teoria Política, porque seria uma introdução interessante ao
pensamento dele, que era bastante desconhecido na UERJ). Esta palestra foi gravada por uma amiga minha, mas esses
arquivos infelizmente se perderam. [...] No mesmo dia, já de noite, levei o
professor Dugin pro aeroporto do Galeão com o Raphael Machado e ele foi pra
João Pessoa, participar no dia seguinte do evento Evoliano organizado pelo Dídimo. Uns três dias depois mais ou menos
reencontrei o Dugin em Curitiba, na versão do Evoliano que seria realizado lá.”
André Martin e Alexander Dugin na USP, evento do III Encontro Nacional Evoliano, em setembro de 2012 |
Como fica claro no relato, Rodolfo teve papel crucial na passagem do russo pelo Rio de Janeiro, se valendo de relações acadêmicas para acertar a passagem e o espaço da palestra. Mas a teia de relações envolvida transcendia a Academia, e se ligava diretamente a diversos grupos que interagiam em redes sociais e em rodas sobre esoterismo e metafísica. Marcos Vinícius Monteiro, figura de destaque na Dubê, e muito mais próximo do pensamento de Olavo de Carvalho, foi um dos palestrantes em João Pessoa, por exemplo.
Dugin conversa com André Martin e Mateus Soares de Azevedo, em João Pessoa |
Ficava claro também que o russo
teria problema com parte da esquerda brasileira. O Centro Estudantil de
Filosofia organizou um pequeno protesto contra a presença do Geopolítico, que
foi contornado preventivamente por um pedido de escolta feito ao Departamento
de Segurança da Universidade. Eram poucos manifestantes, que não chegaram a
atrapalhar o evento, mas Dugin pareceu surpreso: “Na cabeça dele, um esquerdista brasileiro teria empatia pelo discurso
dele. O Machado ficou tentando explicar as nuances da esquerda no Brasil pro
Dugin”, conta Rodolfo. Antes de partir para João Pessoa, o professor passou
em um boteco, levando a uma famosa foto com a presença do professor Ângelo Segrillo:
A programação dos eventos em João Pessoa no III Encontro Evoliano: o teor acadêmico era notável, com professores de diversas universidades brasileiras e o lançamento oficial de diversos livros |
“No fim
da palestra, eu, Raphael Machado, Jorge Faria, um amigo do Machado chamado
Leonardo, um amigo meu que é ortodoxo chamado Renato (onomástico José), Alfredo
Sousa e o prof. de Relações Internacionais Angelo de Oliveira Segrillo, levamos
o Dugin num bar de Santa Isabel, pra ver se ele queria comer alguma coisa antes
da viagem que faria naquela mesma noite. O curioso é que o Dugin era um sujeito
extremamente ascético. Ele não levou mala ou bagagem na viagem, tudo que ele
trouxe para o Brasil foi uma maleta de couro com alça e uma única peça de
roupa, seu terno. No bar, não comeu nada e não consumiu bebida alcóolica. Esse
professor Segrillo eu não conhecia antes da palestra. Ele tinha mandado um
email pra mim, dizendo que estava muito interessado em conhecer o Dugin e se eu
poderia apresentá-lo. Mas no bar mesmo a conversa entre eles não flui tanto
assim. O Dugin é um sujeito muito austero pessoalmente, ele não é de ter
conversas prosaicas, não sorri muito e a conversa com ele não foge muito da
conversa intelectual. [...] (quando jantamos com ele em Curitiba, numa
churrascaria de lá, se comportou da mesma maneira, enquanto entretinha a todos
falando sobre documentos sobre ocultismo que ele consultava nos arquivos da KGB; falou bastante sobre Oswald Wirth
e sobre runas também).”
Palestras de Dugin e André Martin no Zarinha, e certificado exibido pelo russo e por Dídimo Matos ao final do evento |
Dugin pode não ter se sentido bem em comer em
uma churrascaria curitibana, e um boteco carioca parece não combinar com ele. Mas em João Pessoa
deixou outra impressão. Hospedado em um hotel à beira mar, acordava
todos os dias às 4 horas da madrugada para ir à praia. Talvez fosse um ritual
ascético, seguido religiosamente antes da aurora. Mas se alimentou bem na
Paraíba, conforme conta Dídimo:
Rodolfo Souza divulga a programação na UERJ. A realização da palestra de Dugin no Rio foi organizada pela teia de relações do próprio Rodolfo |
“O Dugin
ficou hospedado num hotel, acho que é Imperial o nome. Fica na praia de Tambaú,
bem na frente da praia. Ele acordava às 4h da manhã pra nadar. [...] O Dugin é
um velho crente ortodoxo. Então não come carne na sexta feira, não bebe
mais...não sei se já bebeu um dia, mas ele não bebe. Gostou muito dos sucos do
Brasil, né? Suco de laranja, de goiaba, ele tomou vários! Em João Pessoa ele
comeu bem. A gente levou ele pra comer comidas diferentes, e ele comeu bem. Dei
uma camisa da Paraíba pra ele, e falei que tinha esquecido de tirar foto aqui.
E aí ele vestiu lá na Rússia, tirou uma self, e mandou. Fui eu que dei essa
camisa da Paraíba, e ele tem ela até hoje.”
Além destas curiosidades, os partícipes das
palestras em João Pessoa ficaram bastante admirados com a cultura do russo, incluindo o professor André Martin, com quem Dugin debateu no Centro Cultural Zarinha, em evento
organizado por Dídimo, que era professor da instituição: “O Zarinha, eu era professor do Zarinha, a relação era institucional. E
eles sempre promovem palestras etc. Eu propus essa palestra pra eles, e eles
aceitaram. E aí a gente fez lá um debate entre o professor André Martin e o
Dugin. A relação dos dois foi muito boa, desde o primeiro encontro.[...] Todo
mundo ficou bastante impressionado com o Dugin, né? O prof. André, o Mateus
Azevedo... com a facilidade com que ele trocava de língua, né? Inglês, francês,
português, italiano...porque tinha gente de outros países aqui, e ele conversou
com as pessoas, cada um na sua língua. Foi bastante impressionante, todo mundo
ficou bastante impressionado. Principalmente com o volume de informações que
ele detinha, né? É um negócio fenomenal isso nele, ele não só detém como
consegue escrever muito rapidamente. Ele chegou na Rússia depois do Encontro Evoliano de 2014, e em 2015
ele lançou dois volumes de quase quatro mil páginas. Inclusive, nestes livros,
ele tratou da viagem ao Brasil e de algumas coisas que ele conheceu aqui.
Impressionante.”
Fotos do evento de Curitiba do III Encontro Nacional Evoliano: Marcos Ghio, Alexandre Hage, Rodolfo Souza, Victor Emmanuel Barbuy e Alexander Dugin |
7.3
E depois...
Conforme expliquei em textos anteriores, Dídimo Matos se tornou em 2012 representante oficial do Centro de Estudos Conservadores da Universidade Estadual de Moscou e do Instituto MILLENIVM, da Itália. Outra personalidade na Paraíba, Valdemar A., era representante e Secretário do Centro Evoliano de América, do argentino Marcos Ghio. Diversos livros haviam sido lançados, e uma rede de estudos de Tradicionalismo se estendia desde a Argentina até Portugal, Itália e Rússia, unindo também acadêmicos de pelo menos meia dúzia de estados brasileiros.
Rodolfo se afastou da Quarta Teoria Política ainda em 2012 por discordar do entendimento de Dugin em relação ao Dasein, de Heidegger, que o russo diz ser o "sujeito político'' de sua [meta-]teoria |
De maneira um tanto surpreendente, foi nesse
momento que Rodolfo Souza se afastou da Quarta Teoria Política. Ele ficou
decepcionado com a comunicação do russo na UERJ,
e criticou algumas vezes a compreensão que Dugin tinha de Heidegger: “Só posso dizer do que eu ouvia e lia o Dugin
dizer sobre Heidegger naquela época. Desconheço o conhecimento dele do autor
hoje em dia. Na minha percepção, a radicalidade do discurso de Heidegger, sobre
a modernidade, não era alcançada pelo Dugin. Dugin lia o Heidegger como mais um
autor conservador. Como se ele não fosse muito diferente de Spengler, por
exemplo.[...] Não cheguei a fazer
parte do CEM ou do Brasil Multipolar [9], mas no geral sempre
me dei bem com o pessoal da Dissidência desde o começo. Sempre houve, por exemplo,
uma empatia mútua com o Machado desde o começo. Machado não costuma ser muito
tolerante com quem faz críticas ao movimento ou a teóricos do movimento, porém
sempre ficou na dele nas vezes que fiz críticas ao conhecimento de Dugin a
respeito de Heidegger (que sempre considerei ser um conhecimento muito
superficial sobre Heidegger, [Dugin]
não conseguia pescar o ponto do autor).”
Dugin acordava todos os dias às 4 horas da manhã para tomar banho de mar em João Pessoa. Hora de lazer ou ritual místico? |
A Dissidência Tradicionalista caminhou adiante.
No próximo texto, em que chegaremos ao Evoliano
de 2013 e em que pretendo abordar mais detalhadamente a atividade editorial
daqueles anos, vou me deter também no Grupo
Austral, que ajudava a organizar os eventos dos quais Rodolfo Souza
participou em Curitiba. A roda era pequena, mas de importância capital no
desenvolvimento deste campo político. Era liderada em 2011/12 por um círculo
interno do qual participavam Valdemar A., Maurício Oltramari, F. F., S. G., “J. Labrego”, Raphael Machado e Wagner Correa. Em 2012, Daniel Sender foi convidado para
este seleto círculo, o que gerou uma celeuma que acabou na expulsão de Raphael
Machado e na gestação de um novo movimento, separatista e “pan-gauchista”, com
repercussão por anos na Dissidência , como veremos a seguir.
___________________________________
[1] Não custa ressaltar este ponto. Após a Era dos Evolianos, o principal vínculo de Dugin com o Brasil se daria por meio do CEM [Centro de Estudos Multipolares], liderado por Flávia Virgínia. Um think tank, portanto. O envolvimento mais direto de Dugin com movimentos políticos só se fortaleceu a partir de 2019.
[2] Todo discurso de um personagem qualquer se colocando como o criador ou a origem da Dissidência Tradicionalista no Brasil não passa de "lenga-lenga" com o objetivo de propaganda pessoal e política, que só pode mesmo ser aceito em bolhas que desconhecem completamente o desenvolvimento deste campo político.
[3] Repito, no fundo, a definição de Dissidência Tradicionalista do início dessas postagens, como a Dissidência que lê sua atuação em diálogo com um ou mais autores Tradicionalistas.
[4] Rodolfo Souza foi cristão ortodoxo entre 2012 e 2014, e membro da Paróquia de Santa Zenaide, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Lucas Leiroz e Isaque Santos, dois dos quatros fundadores da posterior Nova Resistência, fazem parte desta mesma paróquia da jurisdição russa. Mas ainda não se encontravam nela no período [eram adolescentes em 2012]. Rodolfo lembra de Isaque na paróquia em 2013/14, mas as visitas eram motivadas mais por curiosidade com a Ortodoxia, causada talvez por conta do que o próprio Isaque lia nas redes. Cheguei a visitar a Santa Zenaide algumas vezes, e em 2012 o Diácono da paróquia era Marcelo Paiva, um antigo conhecido meu [mais tarde desafeto] do Orkut [e também integrante da Dubê]. Foi também a primeira paróquia ortodoxa em que Lívia, minha mulher, entrou, ocasião em que participei do Batismo de um conhecido meu do Facebook que morava em São Paulo. De fato, nem Lucas Leiroz nem Isaque Santos participavam da comunidade nesta época.
[5] Adiantando um pouco a narrativa para explicar este ponto, fiz parte do núcleo estratégico interno da Nova Resistência entre 2018 e 2022, e fui partícipe, em maior ou menor grau, dos debates que levaram a saídas e rachas na organização. Será tema em textos futuros.
[6] Há tópico famoso sobre o papel do Wahabbismo na luta contra o Ocidente, que colocou em lado contrário Caio Rossi e Alfredo Sousa. Vale lembrar que o próprio Rafael Daher teve ligações com mesquitas wahabbis em 2010 e 2011. Segundo Rodolfo, "No primeiro evento de Curitiba, houve discussão entre o Azevedo e o Ghio em torno do wahabbismo. Ghio defendeu lá que o Osama bin Laden era um herói de matiz tradicional. Azevedo disse que não, que os ideais do Osama eram contrários ao verdadeiro Islam. A discussão terminou num impasse. Mas isso me fez recordar que no segundo Evoliano em Curitiba, Ghio criticou bastante a posição de alguns ouvintes que defenderam o comunismo russo, elogiando os valores do trabalho. Ghio disse que em nada a Rússia comunista poderia ser considerada tradicional porque os antigos valorizavam a vida contemplativa em relação à vida prática. Isso fez eu me lembrar que o Ghio começou a se afastar da dissidência brasileira, e vice-versa, quando ela começou a se aproximar do Dugin."
[7] Rodolfo se refere ao professor Marco Antonio Casanova.
[8] Rudra, ou Jorge Faria, fazia parte de círculos e fóruns Tradicionalistas no Facebook no período entre 2011 e 2015. Como pretendo detalhar em capítulos posteriores, as redes sociais não foram abandonadas na época. Pelo contrário, continuaram vitais para a difusão das ideias da Dissidência e para a interação e projetos de seus membros.
[9] Falarei sobre essas duas iniciativas em textos futuros.