A Revista Casseta Popular lançou a candidatura do Macaco Tião. Ele chegou em terceiro lugar nas eleições para Prefeito do Rio de Janeiro, em 1988, com mais de 400 mil votos. |
Nenhuma liderança tem os fios da História nas mãos, mas ainda assim lideranças fazem diferença. Elas podem se aproveitar de circunstâncias e contextos para difundir suas ideias e pautas, acumulando poder político para o seu grupo; ou podem desmoralizar seus movimentos por completo, estigmatizando-os a ponto de condená-los à marginalidade social.
Meu objetivo não é criticar quem acreditou em Bolsonaro nem dizer "eu avisei" [é verdade que sempre fiz oposição a Bolsonaro]. E sim apontar o equívoco de imaginar que ele tem uma conexão mais forte com a população do que a esquerda identitária. Já é hora de dizer em alto e bom som que nenhum dos dois grupos sabe muito bem o que está fazendo.
Até a semana da Pátria, a diferença entre os dois líderes nas pesquisas estava caindo. Havia a nítida percepção de que o PT estava na defensiva. Quando vi o pandemônio em que Bolsonaro transformou o 7 de setembro, apostei que a tendência se inverteria. Fui imediatamente criticado por alguns bolsonaristas que, pasmem, chegaram a dizer que o comício provava que "os militares sairiam do poder quando quisessem". Que esta alienação exista entre os seguidores do movimento não é novidade, chamo a atenção para o delírio que existe na cúpula que compõe a estratégia bolsonarista. Alguns deles disseram a jornalistas que cobriam o Bicentenário que "a mídia não sabia como a extrema-direita [sic] funcionava".
Pois eu vou explicar como o bolsonarismo funciona: construindo um espírito de seita em 15% do eleitorado, manipulando memes direitistas que distribui via redes sociais, usando a "lacração à direita" para chocar os "de fora" e se manterem na mídia, e investindo no blefe até o ridículo.
Quais são os resultados dessa estratégia de "ostentação da infâmia"? Primeiro, ela se presta à construção de uma seita em torno do líder. Há quem acredite de fato que Bolsonaro foi enviado por Deus, que está combatendo o comunismo e a Rede Globo, que é capaz de fechar o STF e o Congresso etc. Os cultistas se alienam tanto da realidade que chegam a imaginar que as tiradas mais toscas, contraproducentes e constrangedoras de Bolsonaro são um ganho político só porque ele pode fazê-las em público.
De fato, ele pode puxar corinhos de "imbrochável" naquilo que deveria ser a comemoração do Bicentenário, levando à loucura seguidores que imaginam que este tipo de comportamento é uma forma de "combater o sistema". Fora da bolha que o ama cada vez mais, ele só provoca repulsa. Não apenas entre progressistas, mas também entre conservadores.
A maior demonstração disto é sua impopularidade no eleitorado feminino. A grande mídia, hegemonizada por um discurso de esquerda identitária, está equivocada ao imaginar que as mulheres brasileiras são "feministas". Elas são fortes, líderes de comunidades, trabalham, são chefes de família, e enfrentam diversos problemas com violência doméstica, discriminação e misoginia. No entanto, tendem mais ao conservadorismo de costumes e de ideias do que os homens. São mais religiosas. Não se veem em guerra contra o patriarcado. O discurso feminista misândrico não as atrai. E ainda assim elas repudiam o bolsonarismo com vigor, mesmo sendo maioria entre os evangélicos. A mulher brasileira, que é trabalhadora mas também conservadora e religiosa, repudia o feminismo anti-essencialista mas detesta o discurso bolsonarista. Não porque o "imbrochável" seja "machista" ou "tóxico", mas porque é indecoroso, inoportuno, e sem noção.
Bolsonaro não sabe se comunicar com as mulheres. Não sabe se comunicar com os pobres. Não sabe se comunicar então com o povo. Ele só sabe lacrar à direita. Só sabe dizer bobagens que reforçam o sectarismo de seu movimento, mas que ao mesmo tempo o transforma em chacota e queimação de filme em qualquer âmbito da sociedade organizada. Nenhum partido político sério vai nascer do bolsonarismo. Ele não vai adentrar seriamente as ideologias, a grande mídia, os intelectuais, a cúpula das FAs. Nem Arthur Lira acredita nele. Mas ele está lá, crente que está abafando ao puxar corinhos de "imbrochável".
Bolsonaro deve ter algum ganho pessoal com esta estratégia. Mas para todos os demais fora da seita ela é percebida como queimação de filme. Bolsonaro arrisca inviabilizar politicamente todos os que se aproximam e se associam com ele. Seus aliados serão engolidos pelo buraco negro que é o bolsonarismo, e pagarão o preço, que será maior ou menor de acordo com seu grau de envolvimento, por este tipo de vínculo. Bolsonaro arranha a imagem da direita, do conservadorismo, do liberalismo, do nacionalismo, dos militares, dos evangélicos, do cristianismo e de tudo o mais com que tiver proximidade. É um Rei Midas às avessas, enfim, puxando corinhos lacradores e distribuindo memes entre o seu séquito, que incapacitados politicamente e cada vez mais marginais e isolados dentro da sociedade em que vivem, acabam por depender cada vez mais da própria seita. Afinal, a bolha bolsonarista é a única que os aceita como "normais" e sãos.
Nunca me considerei de direita. Na verdade, sou getulista, trabalhista e brizolista. Mas sou também conservador, antipetista, antiprogressista, religioso. Pois bem: não há o mínimo futuro para estas ideias antiprogressistas, que são sim populares, sob o guarda-chuva do bolsonarismo. São milicianos reacionários afundados no filistinismo mais odioso, saudosos de porões de tortura, e cuja ideologia mais profunda é o oportunismo. Seu horizonte mental é o da subcelebridade direitista, usada como espantalho pelos identitários para denunciar como execrável toda e qualquer alternativa ao establishment.
A liderança de Bolsonaro é similar ao Macaco Tião. Todo mundo gostava de parar pra ver o circo e gargalhar, mas ao mesmo tempo sabiam que não passa de um animal que, em acessos de fúria, joga fezes e urina naqueles que, desavisados, acabam se aproximando demais da jaula.