terça-feira, 4 de março de 2014

Estanislau, o cara; ou: Aqui se faz, aqui se paga




A vida parece repleta de caprichos, às vezes angustiantes, outras vezes deliciosos, mas sempre surpreendentes. Em janeiro de 2009 Federer estava próximo de conquistar seu décimo quarto Grand Slam, empatando a histórica marca alcançada por Pete Sampras. Ele enfrentaria Rafael Nadal na final do Australian Open, e tinha na plateia alguns mitos do tênis e sua mulher, Mirka, que já se encontrava grávida. 

Nadal era um tenista um pouco diferente do atual. Seu saque era bem pior, sua esquerda ainda mais frágil, seu jogo muito menos variado e ainda mais baseado em altos balões [que lhe valeram o apelido de ''baloeiro'']. No entanto, para aqueles que não o viram na época, seu preparo físico, velocidade e resistência orgânica e mental eram ainda superiores, na verdade os melhores que já vi. O touro do tênis em seu período mais animal, uma besta maníaca que corria como um ''siri'' para todos os lados de modo a pegar até pensamento. Ele conseguiu levar o jogo para o quinto set, em que faltaram pernas a Federer, e impedir a consagração do suíço naquele momento. Durante a premiação, Roger foi às lágrimas. Depous de mais de quatro anos de incontestável domínio do circuito, a ficha caiu: ele percebeu que já não mais dominava, soberano, os destinos do esporte dos reis. 

Cinco anos depois, o mesmo palco e circunstâncias um pouco parecidas. Agora era a vez de Rafael Nadal entrar na quadra em uma final de Australian Open buscando o décimo quarto major, o empate com aquela mítica marca alcançada pelo ''Pistol''. E Sampras compareceu. Foi convidado pela organização do evento para a entrega do troféu. Os diretores do torneio, provavelmente, não imaginavam que houvesse qualquer chance de Rafa perder o torneio. Ele é o atual número 1 do mundo, e vem da temporada mais vitoriosa de sua carreira, na qual conquistou nada mais, nada menos que doze títulos. Poderia alcançar também um feito só realizado por outros dois grandes jogadores, ambos australianos, Roy Emerson e Rod Laver, grandes heróis da década de 1960, o segundo deles um respeitável senhor que dá nome à principal quadra do complexo tenístico de Melbourne. Eles haviam conquistado cada um dos Grand Slams ao menos duas vezes. Nadal, que já possui 2 US Open, 2 Wimbledon e impressionantes 8 Roland Garros, lutava pelo segundo título do Australian Open.

Dizia eu, ninguém poderia imaginar um resultado diferente. Casas de apostas davam um favoritismo de cinco pra um para Nadal. Pra quem apostasse em vitória suíça em 3 sets, pagavam até dezessete vezes mais. Dava até pra trocar de imóvel numa dessas. É que seu adversário, da mesma pátria de Roger Federer, já havia jogado doze vezes contra o espanhol e perdido todas. Pior ainda, nunca havia vencido um set sequer contra o ''Touro Miúra''. Como é que ia vencer três num dia só? Wawrinka nunca havia vencido um torneio Master sequer na vida, como é que tiraria o major de Nadal, o grande momento de glória do décimo quarto slam daquele espanhol tão difícil de ser batido? Logo ele, Wawrinka, mais um tenista de backhand simples, aquele golpe que sofre tanto com o topspin descomunal que Nadal possui. 

Mas aconteceu. Acontece. ''Stan the man'', ''Iron Stan''. Estanislau varreu Rafa da quadra no primeiro set e abriu uma quebra de vantagem no segundo. Foi quando o favorito sentiu uma contusão nas costas. O físico privilegiado, ao qual Nadal deve a maior parte de seu sucesso no tênis [e que tantas suspeitas levantam quanto ao uso de substâncias proibidas], incluindo aí aquela vitória de 2009 contra Federer, falhou diante do mundo, e impediu qualquer possível reação. 

No momento em que sentiu a contusão nas costas, a Rod Laver arena inteira duvidou. Rafa pediu atendimento médico no vestiário e, quando voltou, foi vaiado pela multidão. Ele merece a desconfiança da qual é alvo. Aqueles que acompanham sua carreira sabem que ele é capaz de pedir para ir ao banheiro no saque em que o adversário possui o match point, que ele encara os oponentes a fim de intimidá-los, que, seguindo a escola de Jimmy Connors, grita, fingindo garra e vibração, dando socos no ar enquanto pula, apenas para trazer o público juvenil para o seu lado e desconcentrar os rivais. Nadal simula contusões, tem dificuldades de dar crédito aos adversários quando perde, sempre está reclamando de algum problema que tornariam injustas suas derrotas. É o rei do ''migué'', da catimba e da auto-promoção. Não é à toa que recebeu o curioso apelido de ''drama queen''. 

No entanto, quando retornou à quadra ficou nítido que, dessa vez, o espanhol falava a verdade. Sua movimentação lateral e saque estavam comprometidos pela lesão na lombar. Nadal foi batido. Estanislau ainda titubeou na hora de sacramentar o título, duvidou, achou que estava sonhando, viajou na maionese, e entregou um set. [Eu o xinguei mais ali do que xinguei Nadal no momento do pedido de parada médica, exagerando nos dois casos.] Mas nada que impedisse o inevitável. A Suíça teve sua ''vingança'', embora da maneira mais improvável. Rafa também se emocionou na hora da premiação ao ver Sampras entregar o troféu do torneio não para ele, mas para Estanislau. 


E Estanislau é agora o tenista número um da Suíça. O número três do mundo. Um dos três únicos homens a bater Rafael Nadal numa final de major, ao lado de Federer e Djokovic. O primeiro sujeito, desde o distante ano de 1993, a vencer um Grand Slam batendo os números um e dois do ranking. Tudo isso aos vinte e oito anos e com um tênis clássico, de uma esquerda linda de levar lágrimas aos olhos de um Laver, de um Federer. De uma consistência e regularidade que nunca dantes havia apresentado. Com uma evolução em seu forehand, com uma maior diversidade de golpes [ele até usou slices, embora não tão bons, na semifinal contra o Berdych]. Iron Stan tem nervos de aço. Ninguém mais duvida, o resultado o prova, as fotos que correm o mundo revelam incontestavelmente: Estanislau é o cara.



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