O governo PT se aproveitou do estado quase hipnótico em que a sociedade entrou por causa da divulgação do relatório da Polícia Federal com fartos indícios da conspiração golpista liderada por Bolsonaro para propor ao país um pacote de cortes de gastos vendido como solução para suposta situação fiscal periclitante do Estado. As propostas afetam diretamente os mais pobres ao mudarem o cálculo de valorização do salário mínimo e a concessão de abono salarial. Mas também ao empurrar para o Fundeb as contas da expansão do ensino integral e do Programa Pé de Meia, o que significa, no fim das contas, uma asfixia gradual do Orçamento da Educação.
Boa parte da esquerda lulopetista aplaudiu efusivamente o pacotão, preferindo olhar para as novas regras da Previdência Militar e as promessas de taxação de super-salários e de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil reais mensais. E nisto estão de acordo com as principais vozes do ''mercado'' que, embora pontuem que o ajuste do Ministro Haddad é ''tímido'' diante das ''necessidades'' do país, o consideram um movimento na direção correta e suficiente para indicar medidas ainda mais radicais no futuro próximo.
''A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou nota nesta quinta-feira 28 em que destaca que as iniciativas do pacote fiscal, anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estão “na direção certa”, apesar de destacar a “criticidade do quadro fiscal” e acenar para um ajuste “mais forte” no futuro. Entre as medidas citadas pela federação estão limitação no reajuste do salário mínimo, mudanças do abono salarial e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e as novas regras de concessão e acompanhamento do Bolsa Família. “Importantes medidas na busca da contenção de gastos”, afirmou a federação.'' [Fonte: 'Está na direção certa', diz Febraban]
Desde a campanha de 2018 que me refiro a Haddad como o ''novo Fernandinho'' para apontar suas similaridades fundamentais com Fernando Collor de Mello e, principalmente, Fernando Henrique Cardoso, que consolidaram a submissão macroeconômica da Nova República ao neoliberalismo. No caso de Cardoso, os vínculos são ainda mais poderosos, já que ambos tem uma mentalidade e ideologia moldadas pelo uspianismo e pelo nexo de poder que se desenvolve em torno da metrópole paulista, características que denomino há anos de ''paulistocentrismo'' e que revela a filiação do regime atual com movimentos oriundos da Velha República derrotada por Getúlio anos anos 1930.
A avaliação de que faço de Haddad não se dá à toa. Em 2019, o ex-Prefeito de São Paulo se referiu à Era Vargas como um "crescimentismo" que não poderia ser comparado ao real desenvolvimento que os dois primeiros mandatos de Lula trouxeram ao Brasil, uma declaração risível e que comentei com maiores detalhes no texto O inimigo de Fernando Haddad é Getúlio Vargas.
Em 2018, publiquei um texto nas minhas redes sociais com 12 pontos pelos quais um trabalhista não deveria de forma alguma votar no novo Fernando, então candidato do PT à Presidência da República. Dizia eu que "Haddad é um liberal progressista que vai colocar Marcos Lisboa, que é como se fosse um Meirelles ou Armínio Fraga da vida, no comando da economia brasileira. Nesse momento mesmo ele já começou a conversar com as forças do mercado. Vai praticar um novo ''estelionato eleitoral'', como aquele cometido por Dilma", e acrescentei que ele era "a síntese acabada do globalismo: neoliberalismo, sensibilidades liberal-burguesas e cosmopolitismo pós-moderno" e "a cara da continuidade do sistema político-partidário paulistocêntrico que oprime o país há vinte e cinco anos. Ele vem realizando alianças com grande parte das forças que anteontem o PT denunciava como golpistas." [Fonte: Porque não votar em Haddad]
A atuação do novo Fernando no Ministério da Economia é a confirmação exata destes diagnósticos. A aliança de Haddad com a Febraban e as vozes do rentismo não foi expressa no pacotão deste mês, que existe apenas em função do Arcabouço Fiscal que o governo Lula costurou logo após sua vitória eleitoral para substituir o desmoralizado Teto de Gastos de Temer, que não foi cumprido por Bolsonaro em nenhum ano de seu governo. O Governo Lula chamou para si a responsabilidade de estabelecer uma âncora fiscal eficiente o suficiente para realizar o sonho explícito dos neoliberais, dos rentistas, da Faria Lima e de todos os anti-getulistas: destruir gradualmente o Estado.
Lula foi eleito prometendo colocar abaixo o Teto de Gastos, e estava em condições políticas de realizar o feito, principalmente depois da união da mídia e do sistema partidário gerada pela tentativa mambembe de golpe em janeiro de 2023. Mas preferiu amarrar o país em uma regra fiscal tão ou mais rígida, provando mais uma vez o acerto de Leonel Brizola ao dizer que os petistas "cacarejam para a esquerda e colocam ovos para a direita." Em março daquele mesmo ano, o novo Fernando dizia cinicamente que seu novo Teto de Gastos era passível de ser defendida tanto por liberais quanto pela centro-esquerda, como se houvesse qualquer diferença macro-econômica entre os dois campos.
A vocação perene do PT sempre foi se fingir contrário ao "neoliberalismo" só para decapitar de vez todas as esperanças do nacionalismo popular. O Arcabouço Fiscal de Haddad foi a pá de cal na expectativa de um modelo de crescimento pautado e planejado pelo investimento público e de uma readequação das estatais a um novo projeto de desenvolvimento. Lula tinha tudo nas mãos para atacar o rentismo instuticionalizado alegando 'combate ao bolsonarismo'. Mas reforçou ainda mais o poder da Faria Lima, para surpresa de quase ninguém livre das técnicas hipnóticas do lulopetismo.
Quanto mais tempo permanecer no poder, mais espaço o PT vai ter para governar para a Faria Lima do modo mais seguro possível: fingindo que faz tudo isso em nome dos trabalhadores. Paulo Guedes sonhava em destruir qualquer sinal de Estado de Bem Estar Social e de direitos sociais no país. Delirava feliz ao falar do fim da Previdência, da doação das estatais, da entrega dos recursos naturais para multinacionais, da extinção de direitos trabalhistas, e da destruição dos Pisos Constitucionais da Saúde e da Educação. Mal sabia ele que estaria mais próximo de concretizar isso se votasse em Haddad já em 2018.
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