sábado, 11 de abril de 2020

O vírus ocidental, ou: da tola tentativa de jogar a epidemia na conta da China


Os liberais batem frequentemente na ideia estapafúrdia da ''culpa chinesa'' pela epidemia. A narrativa tem objetivos geopolíticos, numa tentativa desesperada de criar um anteparo artificial contra o crescimento chinês diante de um Ocidente cujas pernas bambeiam; e também uma sinalização para o público interno de alguns países, com a transferência de responsabilidade pelo impacto da doença a partir da criação de um espantalho na forma de um inimigo externo.

É bobagem usar a origem geográfica do vírus como um modo de atingir os chineses. Não se sabe ao certo como a transmissão se iniciou, mas tudo indica que não tem nada a ver com os mercados de ''animais exóticos'' [os mercados molhados]. Mutações de vírus acontecem todos os dias. Essa se disseminou com velocidade extrema por causa da globalização, um processo impulsionado principalmente a partir do Ocidente -- se a China se aproveitou da agenda ocidental para se tornar a principal fábrica do mundo, é porque soube jogar melhor do que seus adversários, apenas isso.

Não é preciso nem se prender ao problema, cada vez mais importante, de saber se o Sars-coV-2 de fato se originou na China, ou se foi detectado pela primeira vez lá -- já que o país possui o sistema de detecção de novos vírus mais eficiente do planeta. Há indícios de que havia casos de covid-19 na Itália e nos Estados Unidos já em início de janeiro, e em até mesmo em novembro. Não se sabe ao certo onde tudo começou, nem muito menos como foi a transmissão original.

O novo coronavírus golpeou forte a economia chinesa, levando-a à primeira crise nos últimos quarenta anos. É nonsense imaginar que os dirigentes chineses estão felizes e satisfeitos com a redução do crescimento do PIB para taxas próximas de 1% ou 2%.

Uma outra linha de acusação à China visa manter a ilusão de superioridade dos regimes políticos ocidentais. O autoritarismo chinês teria ''escondido'' a epidemia, atrapalhando assim seu combate ao redor do globo.

Nada poderia ser mais falso. O oftalmologista Li, cujas mensagens em um chat de médicos vazaram no finzinho de dezembro, foi elevado ao status de herói por certa mídia ianque e europeia, que denuncia a suposta censura sofrida por um destemido cientista. Mas Li, cuja especialidade não tem nada a ver diretamente com controle de epidemias, divulgou uma informação errônea, de que havia em Hubei um novo tipo de SARS.

Antes fosse, já que o SARS é uma epidemia que tende a morrer sozinha por causa de sua baixa capacidade de disseminação. Naquele momento, os testes sobre o vírus não haviam sido ainda concluídos pelas autoridades sanitárias. Li tomou uma reprimenda do governo local, mas na semana seguinte já estava justificado e recebendo homenagens na própria China. No dia 03 de janeiro, a OMS já havia sido avisada pelos chineses da existência de um novo vírus. Em 07 de janeiro, já se sabia que era uma mutação do coronavírus.

O que aconteceu a partir daí? Alguns países tomaram providências imediatas, como Rússia, Alemanha, Coreia do Sul, Japão. Outros esnobaram o perigo representado pelo Sars-coV-2, como admitiu em entrevista recente Urusula von Deyer, presidente da Comissão Europeia.

Jornais norte-americanos, como o Washington Post, criticavam as medidas de quarentena impostas pela China, chamando-as de ''totalitárias''. Trump declarava ainda em março que tudo não passava de uma ''gripe'' amplificada pelo desejo democrata de parar a economia. Jair Bozó prega contra o isolamento social ainda hoje. No início de março, o Prefeito de Milão fazia propaganda oficial contra a quarentena e a favor do retorno do turismo. O Presidente López Obrador, do México, negou a existência de qualquer problema até semana passada.

Convém lembrar que a própria OMS pedia, no início de fevereiro, para que os países não tivessem nenhuma ''reação exagerada'' à epidemia, que talvez ela não chegasse ao mundo todo, e que os vôos internacionais deviam ser mantidos. Hoje se sabe que havia transmissão comunitária na Europa pelo menos desde janeiro.

Foi a China que avisou ao mundo sobre a existência do novo coronavírus, que proporcionou o modelo de contenção que muitos países -- com hesitações termendas ligadas à fragilidade do Estado e do regime político ocidental -- estão imitando, e que exporta máscaras, respiradores, equipamentos e pessoas para ajudarem no combate à epidemia no mundo.

Quanto ao Ocidente, pelo que sabemos, os EUA estão roubando respiradores e máscaras compradas por outros países, e o Boris Johnson desejava aproveitar a epidemia para promover uma ''imunização de rebanho'' na população britânica.

Já passou da hora do ''Ocidente maravilha'' encarar as reais dificuldades em seu modelo econômico, político, social e em seus governantes psicopatas. Olhar pro próprio rabo pontiagudo, em vez de projetá-lo no outro.

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