Já passou da hora dos opositores do Reino dos Bozós que reclamam recorrentemente que parte dos que elegeram o atual Presidente não acreditam nos erros, equívocos e bobagens que ele fala, ou nas medidas políticas que ele toma e que acabam sendo deletérias para as classes populares e para a soberania brasileira, saltarem do muxoxo para a reflexão.
No dia seguinte à final da Copa América, fui a uma farmácia perto de onde moro. Enquanto pagava minhas compras, vi dois jovens conversando. Um deles dizia ter lido um sujeito que compareceu ao jogo e disse que era mentira que Bozó tivesse sido vaiado, que era ''invenção da Globo''.
Como chegamos a esse ponto?
Desde 2013 estamos passando pelo colapso da Nova República, pactuada entre 1984 e 1994. Os principais pilares desse arranjo foram sacudidos por crises, as intermediações das autoridades e o povo estão em frangalhos por diversos motivos.
Um desses pilares é a credibilidade da grande mídia. Durante décadas, vários setores do campo político brasileiro denunciaram, de maneira precisa, a venalidade da imprensa e seu papel de caixa de ressonância do liberalismo e do entreguismo.
Todos sabíamos do papel que grupos como o Abril, a Globo, e as cadeias de jornais e rádios possuíam no nosso país. O povo percebia a função de ''partido da elite'' dessa mídia, embora tivesse suas próprias queixas, como a de que ''as novelas da Globo só tem porcaria'' -- queixas que o beatiful people esquerdeiro e cosmopolita das classes médias de culpa burguesa não podiam fazer.
Quando chegou ao poder, os petistas tiveram a oportunidade de combater o grande monstro do ''partido da elite'', aprovando medidas de regulação da mídia. Em vez disso, preferiram pactuar com ele, achando que podiam controlá-lo por meio de uma suposta dependência de jornais e redes de TV de verbas de publicidade governamentais e de renegociações de dívidas antigas.
A miopia é evidente, já que o poder da grande imprensa se exerce por meios sutis muitas vezes, atuando no imaginário, em sensibilidades que não se esgotam com a literalidade da notícia veiculada. Além disso, a descrença no aparato midiático já estava consolidada na visão da população, e a pactuação com esse quarto poder da democracia liberal-burguesa só poderia ser lida por ela como sendo um acordo com o diabo.
O PT pensou que podia aproveitar o avanço da tecnologia das informações e o advento da Internet para criar seu próprio espaço de propaganda: uma profusão de sites e páginas na web e nas principais redes sociais que divulgassem e defendessem as figuras e políticas do governo.
A seita lulista não percebia que estava tão somente lidando com bolhas de classe média, falando para os seus, sem conseguir se enraizar no povão ou atingi-lo com suas narrativas. A popularização de aplicativos de mensagens criou o terreno favorável para que contra-discursos hegemônicos percorressem nichos cada vez maiores das classes populares com uma velocidade que não mais pode ser acompanhada pelos veículos de mídia tradicionais.
Claro que todo esse contexto tem similaridades com o que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, que está vinculado à radicalização da sociedade do espetáculo e da pós-verdade. Mas no Brasil trouxe características próprias, na medida que os grandes grupos da imprensa venal nunca foram considerados como balizas de verdade jornalística.
O lixo político da sociedade brasileira saiu na frente nesse novo jogo, colocando em campo instrumentos de disparos de mensagens financiados por empresários pilantras e aplicando tecnologias de contra-informação vanguardistas desenvolvidas em ambientes militares.
Mais importante ainda, isso deu a Jair Bozó a oportunidade de sustentar narrativas em suas redes de informação ao mesmo tempo em que posava de campeão numa guerra contra a Grande Mídia, o partido do establishment. Seu conflito contra a imprensa venal é um meio de manutenção de sua credibilidade em sua base política mais fanatizada. Dá a essa massa um sinal de que seu candidato e líder não saiu do prumo, não contemporizou com os poderes estabelecidos.
Brizola faria o mesmo.
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