segunda-feira, 23 de março de 2015

A hora da onça beber água, ou: O momento de Novak Djokovic

A rivalidade entre Roger Federer e Novak Djokovic se tornou a segunda maior da História em números de jogos disputados na Open Era do tênis. Domingo passado os dois se enfrentaram pela 38° vez na final do Master de Indian Wells. O confronto só perde em frequência para o embate entre o sérvio e Rafael Nadal, que, até aqui, colidiram em 42 oportunidades. Mas não é sobre a história dessas rivalidades que pretendo comentar nessa postagem, e sim sobre o futuro dourado de Djokovic.



Djokovic levanta o seu quarto troféu em Indian Wells, o maior e mais tradicional torneio da Master Series

Nole se encontra no auge de sua forma física, técnica e mental, naquele ponto mágico em que a destreza se encontra com a experiência. Seus principais adversários, por sua vez, declinam a olhos vistos e caminham para a aposentadoria [1]. Ao conquistar o Australian Open no início dessa temporada, Novak chegou ao seu oitavo major, o que o coloca no patamar de lendas do esporte, como Ivan Lendl, André Agassi e Jimmy Connors. Relativamente jovem, seus números podem crescer bastante nos próximos dois anos, que serão cruciais para a definição de seu peso definitivo nos arquivos do esporte dos reis. 


O sérvio já possui algumas marcas notáveis. Possui quatro Master Cup, três delas seguidas [2]. Já terminou três temporadas como número um do mundo [3]. É o sexto tenista com maior número de semanas na liderança do ranking da ATP [4]. Em Indian Wells conquistou seu vigésimo primeiro master, empatando com Lendl no número desses torneios e ficando a apenas seis do recorde atual de Nadal [5]. Levantou seu 50° torneio de nível ATP. Fora alguma contusão, o atual número 1 do mundo tem tudo para continuar galgando novos patamares na íngreme montanha da glória.


A partida contra Federer domingo também diz muito sobre o jogo de Djokovic. Em primeiro lugar, ele é capaz de um nível de defesa tão mítico quanto o de Rafa Nadal. Ainda que não seja forte emocionalmente como o espanhol, encara o jogo com o mesmo olhar olhar estratégico e disciplina tática. Percebeu claramente que o nó górdio de suas derrotas recentes para Roger em Shanghai e Dubai foi a tática de constantes subidas à rede adotada pelo suíço. Ele sabe que a nova versão do Federer tem pressa, que parte para o abafa. Novak se concentrou então no que tem de melhor e, sabendo que a superfície lenta das quadras da Califórnia agora o favoreciam, deu um show de devoluções que manteve Roger sempre sob pressão e preso à linha de base. Obrigando seu rival a trocar bolas do fundo da quadra, mostrou sua já mítica consistência e capacidade de mudar a direção da bola, alternando golpes magistrais tanto de forehand quanto de backhand


Novak possui pontos vulneráveis em seu jogo. Ele não é completo, diferente do que gosta de alardear um famoso comentarista de tênis do Sportv. Seu slice é medíocre. Quando exigido em alto nível, falha constantemente na rede. E seu smash é bastante inseguro [6]. A ausência desses golpes dificulta sua performance em quadras mais rápidas, principalmente na grama, quando a máquina sérvia perde a aura de invencibilidade [7]. Ele tem também outras dificuldades, que Roger explorou -- embora menos do que deveria -- no segundo set: o suíço abaixava a bola no meio da quadra, com slices no revés de Nole, conquistando assim muitos pontos preciosos. 

As comparações com Rafa Nadal estão apenas no começo

Mas, na velocidade média das quadras do atual circuito, não se pode dizer que tais detalhes sejam suficientes para ameaçar sua posição no ranking ou suas vitórias sucessivas, pelo menos não em um futuro próximo. Se aproveitar bem o momento que tem à sua disposição, Djokovic pode surpreender a muitos que chegaram a acreditar que Nadal seria o centro em torno do qual giraria a peludinha nessa década. Nole, se mantiver o foco, pode vir a ter um nome maior na história do tênis do que o espanhol [8], e pode dar, no fim das contas, razão aos seus pais, que o proclamaram, bem antes do tempo adequado, o ''sucessor de Federer''. Essa história ainda a ser escrita nunca esteve tanto nas mãos do próprio Djokovic.


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[1] Andy Murray vem enfrentando dificuldades depois da operação nas costas no fim de 2013 e do fim de sua parceria com Ivan Lendl. Seu jogo regrediu em muitos aspectos nesse período e ele claramente não tem o fôlego necessário para enfrentar o desafio fisico colocado por Djokovic por mais do que três sets. Rafa Nadal enfrenta o ocaso de sua fortaleza física, em torno da qual construiu sua gloriosa carreira. Sem esse diferencial, ele perdeu inclusive a clara superioridade que possuía diante de Novak no saibro. O último castelo a ser conquistado é a Phillip Chartrier, no qual a mística espanhola vem resistindo tenazmente, embora não se saiba até quando. Tecnica e estrategicamente, o espanhol não oferece muita resistência para o sérvio em outras superfícies. Roger Federer é o tenista cujo jogo mais incomoda Novak atualmente, e o único que se torna favorito contra ele em superfícies mais rápidas. Mas, na média do atual circuito, tem muita dificuldade de enfrentar a consistência de fundo de quadra e o ritmo de jogo imposto por Nole. Sua idade também o compromete em Grand Slams, torneios em que as partidas são em melhor de cinco sets, o que exige uma capacidade e recuperação física muito mais acentuada.

[2] O recordista nessa competição -- que é a mais importante da ATP e a de maior prestígio no tênis depois dos Grand Slams -- é Roger Federer, que possui seis conquistas, uma a mais do que Lendl e Sampras, ambos cinco vezes campeões do torneio.

[3] O americano Pete Sampras terminou seis temporadas como o número um do mundo, uma a mais do que Roger Federer, que conseguiu o feito por cinco vezes.

[4] O recordista absoluto, com mais de trezentas semanas na liderança, é Roger Federer. Com mais de duzentas e cinquenta semanas estão Pete Sampras, Ivan Lendl e Jimmy Connors. John McEnroe possui pouco mais de cento e setenta semanas, e pode ser ultrapassado ainda esse ano por Novak Djokovic.

[5] Nadal possui 27 masters, seguido dos 23 de Federer.

[6] Tanto o slice e o voleio de Djokovic melhoraram muito nos últimos anos. O sérvio sentiu necessidade de acrescentar esses golpes em seu repertório após ter perdido a liderança do ranking para Rafa Nadal em 2013. No entanto, ele continua bem abaixo do nível top nesses quesitos. Recentemente tenho reparado que Nole tem preferido retirar a força do seu smash, executando-o em velocidade mais baixa para diminuir a probabilidade de erro, apostando no quique alto da bola para ganhar o ponto.

[7] Seria, no entanto, uma inverdade dizer que Djokovic é um jogador de quadras lentas e média-lentas. O sérvio possui bom saque e um grande forehand, sabe ser bem agressivo também, e possui excelente desempenho em superfícies mais velozes. 

[8] A técnica de Djokovic é seguramente superior do que a de Rafa Nadal, que, em sua própria biografia, já confessou que o sérvio é um jogador mais completo. Ele também ultrapassou Rafa em alguns números muito importantes, como o de semanas como número um da ATP. Caminha também para igualar ou, quem sabe, inverter a vantagem que o espanhol possui no head to head. Permanecendo na liderança do ranking até o fim do ano, cenário mais provável, vai superar Nadal também em temporadas como número 1. Se diminuir de modo significativo a dianteira que Nadal possui no número de masters e majors, Nole terá composto um quadro muito favorável em uma comparação com aquele que já proclamou ser ''seu maior rival''. 


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