O jornalista Fábio Zanini, que entrevistou a mim e aos meus confrades Uriel Araujo e Lucas Leiroz para a Folha de São Paulo, resultando em excelente matéria sobre o que chamou de ''seguidores de Dugin'' no Brasil, marcou presença no canal My News, no Youtube, no dia 07 de março.
No geral, a participação de Zanini foi boa, já que o tema é complexo e cheio de nuances, que mesmo um público qualificado teria dificuldade de digerir de imediato. Mas devo pontuar algumas questões que foram ditas e que não refletem por inteiro nem o pensamento de Dugin nem a realidade dos movimentos que dialogam, em maior ou menor grau, com o pensador russo.
1) Fábio Zanini afirmou que, segundo Dugin, a Rússia deveria se expandir territorialmente para englobar regiões em que houvesse populações russófonas, que ele chamou na entrevista de 'povo russo'. Mas há um erro fundamental nessa consideração: a noção de Povo [Narod] para Dugin não tem conotação étnica. A própria Rússia é um Estado multinacional, com diversas etnias, repúblicas com diversos graus de autonomia, e línguas diferentes em seu território. Os ''russos étnicos'' são no máximo 60% da população russa. A noção de Narod é herdeira dos tempos soviéticos, e implica antes de tudo uma população que se constitui como Povo por conta do processo histórico, com tudo que o conforma;
2) O jornalista informou, de maneira correta, que houve um 'racha' na Nova Resistência que gerou uma nova corrente dissidente. A separação não foi motivada pela Guerra da Ucrânia ou qualquer inimizade. Esta nova corrente é a Frente Sol da Pátria que, atenção, NÃO FOI AINDA LANÇADA OFICIALMENTE, mas cuja existência já é pública. Ela se constitui de antigos militantes da NR, inclusive algumas lideranças formais e estratégicas, e também de pessoas que nunca tiveram militância neste campo. A Frente Sol da Pátria está se preparando para raiar muito em breve no interior do nacionalismo-popular brasileiro, com uma proposta que coloca o Brasil no centro da dissidência.
3) O jornalista também disse que as organizações que dialogam com Dugin ''não se alinham totalmente com Bolsonaro". No caso da Frente Sol da Pátria isto é falso. Não nos alinhamos de forma alguma com Bolsonaro. Em minha entrevista à Folha de São Paulo, deixei claro que ''militamos contra Bolsonaro em todas as frentes". Sim, somos conservadores, mas não somos moralistas. Bolsonaro é um moralista que posa falsamente de conservador. Além disso, discordamos de todas as pautas anti-trabalhistas e neoliberais de Bolsonaro. Repudiamos também sua política externa adesionista aos EUA e ao Partido Republicano norte-americano -- bem como o abraço acrítico à política israelense, que afronta os interesses nacionais, a história do Itamaraty, e o imenso contingente de descendentes de árabes que são parte indissociável da nossa formação social e cultural --, o desprezo que ele demonstra pela necessidade de integração latino-americana e de aprofundamento do Mercosul e outros instrumentos de estreitamento de nossas relações com os vizinhos da América do Sul. E sequer preciso entrar nas terríveis associações que a família presidencial tem com figuras milicianas ligadas à Máfia do Jogo e a organizações de narcotraficantes;
4) Zanini qualificou as organizações que dialogam com o pensamento de Dugin de "anti-esquerdistas''. Isto só se aplica à Frente Sol da Pátria em nossa crítica à esquerda pós-moderna, também chamada de esquerda identitária, associada a ONGs e diretrizes emanadas dos principais centros do capitalismo mundial. A Frente Sol da Pátria se abraça aos pensadores, políticos e militantes de raiz nacionalista-popular, trabalhista e socialista que defenderam uma superação do liberalismo e do capitalismo, muitos deles identificados com a magnífica história e corrente da esquerda sul-americana. Também nos inspiramos em diversos movimentos de inspiração socialista que ao redor do mundo batalharam pela libertação de seus povos e pelo fim da opressão capitalista. Nós repudiamos o individualismo da ''nova esquerda'', mas não a esquerda per si, nem muito menos o socialismo, ainda que não sejamos marxistas;
5) Por fim, embora sejamos apresentados como ''duguinistas'' ou ''seguidores de Dugin'', esclarecemos que a Frente Sol da Pátria não tem gurus. Não somos nenhum tipo de olavetismo russófilo. Dugin é um amigo [político] e importante intelectual, mas não é nem poderia ser a única referência teórica e política de um movimento que abraça, antes de todas as coisas, a brasilidade e o destino sul-americano. Dugin não é, para a Frente Sol da Pátria, uma inspiração maior do que Darcy Ribeiro, Getúlio Vargas, Perón, José Carlos Mariátegui, Ariano Suassuna, Caio Prado Júnior, José Martí, Gilberto Freyre, Manuel Bonfim e tantas outras figuras que pensaram a grandeza do nosso país e da América Latina. Dialogamos abertamente e de forma madura com o pensamento e as posições de Dugin, mas não somos correias de transmissão de suas agendas políticas. É verdade também que somos Tradicionalistas, mas este é um paradigma de pensamento muito mais amplo do que se convenciona reproduzir na imprensa, e que não se reduz também aos autores do século XX que são rotulados como tradicionalistas.
O SOL HÁ DE BRILHAR MAIS UMA VEZ!
André Luiz V.B.T. dos Reis
08 de Março de 2022
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