Getúlio inaugura a política de massas no país |
Mais do que nacional desenvolvimentismo, o que define a Era Vargas é a integração popular nas diversas esferas da vida da Pátria.
De todas as observações que já foram feitas a respeito de Getúlio, essa é a que consiste em verdadeiro eixo explicativo da formação política, da trajetória e do projeto do ''Pai dos pobres''.
Antes de 1930, o Brasil era uma República construída para as Oligarquias rurais, que visavam criar uma caricatura dos ''Estados Unidos do Brasil'' conformada com a divisão internacional do trabalho, e manter uma hierarquia social excludente, herdeira do escravismo.
Vargas rompeu com essa visão sem ter dó dos fetiches liberais das elites parasitárias: derrubou as oligarquias, derrotou os paulistas numa guerra civil, impôs uma Constituição, fechou os parlamentos, e, em vez de ''democracia burguesa'', prometeu gradual e cada vez maior participação popular no mundo da política, na sociedade, na identidade que o país construía, e nos dividendos econômicos.
As Forças Armadas, grandes parceiras de Vargas na maior parte de seu governo, eram as verdadeiras impulsionadoras do Nacional Desenvolvimentismo, do plano de um Brasil Industrial. Tanto é assim que essa linha teve continuidade sob o regime dos generais durante o fim dos anos 1960 e toda a década de 1970.
O que as FFAA não possuíam, antes temiam, como o restante das elites brasileiras, era essa força integradora, esse ''monstro da lagoa negra'' que Getúlio trazia à tona. Era a política de massas, a política de valorização do salário mínimo, a ampliação dos direitos sociais, a extensão da legislação trabalhista ao campo, a reforma agrária.
Foi contra esse aspecto da política varguista que o golpe de 1954 foi desferido. O manifesto dos coronéis tem esse contexto, o de escândalo em torno do aumento do salário mínimo. O golpe de 1964 idem, a histeria militar contra a ''insubordinação'' dentro da hierarquia do Exército, e, claro, da estrutura social nacional.
Inclusive no âmbito identitário, em que Getúlio merece mais críticas, havia esse horizonte, essa estrela guia: o Brasil não devia ser uma imitação da civilização europeia, o Rio de Janeiro não era uma Paris dos trópicos, como desejavam as oligarquias da ''República Velha". A nação possuía uma identidade própria a ser construída a partir dos costumes e hábitos de suas camadas populares: boteco, mulatas, samba, ''jeitinho'', praia [no caso, o Rio foi o esteio dessa construção]. O erro homogeneizante desse projeto esconde seu acerto fundamental: o Brasil é seu povo.
O regime militar, nacional desenvolvimentista, e que em determinado momento incluiu até mesmo uma política externa independente, nunca conseguiu esse passo. O ''milagre'' foi construído em cima de brutal expropriação dos mais pobres, e o país se tornou um conjunto caótico de metrópoles favelizadas marcadas pela mais vergonhosa desigualdade de renda do planeta: do Império escravista ao Brasil das ''cidades partidas''.
O trabalhismo, que se apropriou legitimamente da imagem de Vargas, consolidado primeiro no PTB de Jango, e mais tarde no PDT de Brizola, deu continuidade a esse legado, e pariu ideias [''socialismo moreno'', ''o povo brasileiro''] e perigo para as elites parasitárias. Lula e o PT jamais, em momento nenhum, causaram nessas classes privilegiadas o temor e tremor que Leonel Brizola era capaz de levantar.
Infelizmente, Lula não aproveitou a oportunidade aberta por Brizola quando o velho gaúcho o levou ao túmulo de Vargas em São Borja. Ao contar a experiência, após a morte do líder do PDT, Lula mostrou que considerou a visita curiosa, pitoresca, extravagante, uma concessão a um movimento de lutas ultrapassado. Brizola não conseguiu alinhavar Lula na linhagem de luta pela soberania popular: apresentou o operário a Getúlio, mas o operário não o reconheceu. Quando percebi esse ar de zombaria de Lula, soube ali que seu movimento fracassaria no fim das contas.
É sumamente necessário que as lideranças do PDT levem Ciro Gomes a São Borja, que façam-no jurar diante do túmulo de Getúlio dar seguimento à sua obra de emancipação do povo brasileiro dos parasitas que o exploram e o mantém em estado servil. Os rumos da próxima geração de brasileiros dependem desse ato singelo, desse ritual de culto ancestral.
Nada, absolutamente nada, nem mesmo uma política nacional desenvolvimentista, vai conduzir o Brasil de novo ao seu rumo sem que esse ato seja realizado. E se o rito for devidamente cumprido, nem uma possível derrota eleitoral será capaz de apagar a sensação crescente de que um novo terremoto se abaterá sobre o mundo cinza dos traidores do país.
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