domingo, 5 de fevereiro de 2017

Maneco, o prodígio

A história do tênis brasileiro é recheada de personagens talentosos e singulares, cuja memória foi negligenciada pelo grande público. E assim estamos sempre recomeçando nas quadras, cada tenista que explode para o sucesso é sempre o primeiro tenista a fazê-lo, o primeiro ídolo, e não um elo de uma longa corrente capaz de criar orgulho nas novas gerações ou de se tornar fundamento para o desenvolvimento de uma escola pátria do ''esporte dos reis''. Entre aqueles que o apreciam poucos sabem quem foi, por exemplo, Manuel Fernandes, vulgo ''Maneco''. 



Verdadeiro mito das quadras brasileiras durante os anos 1940 e 1950, Maneco  nasceu em São Paulo no ano de 1921, um dos filhos do 'Seu' Jaime, porteiro do glamouroso Clube Athletico Paulistano. Trabalhava como pegador de bola até que seu talento com as raquetes, visível desde a infância, chamasse a atenção dos sócios, que decidiram torná-lo jogador do clube em troca de uma pequena remuneração mensal.


Seu cartão de visitas no cenário nacional se deu em 1939, quando derrotou aquele que era considerado o grande nome do tênis brasileiro em um torneio organizado para arrecadar fundos para as vítimas de um terremoto no Chile. Alcides Procópio não viu a cor da bola e caiu em 3 sets, inaugurando uma das mais famosas freguesias das quadras pátrias. Os números da rivalidade sempre foram objeto de discordância jocosa entre os dois amigos. Segundo Maneco, os dois haviam se enfrentado 114 vezes, e Procópio só havia vencido uma vez [justamente a final do primeiro campeonato brasileiro, em 1943, por 12 a 10 no quinto set, derrota que Maneco considera a mais dolorida de sua carreira]. Já Alcides diz que foram 17 jogos e que ele chegou a vencer duas vezes. De todo modo, admitia de bom grado a superioridade do novo prodígio.


As possibilidades de que Maneco se tornasse mais conhecido no cenário internacional foram frustradas com a Segunda Guerra Mundial. Só foi sair do país em 1948, para disputar as oitavas de final da Copa Davis, na Tchecoslováquia, que possuía o time campeão do ano anterior e que acabaria bicampeão naquela temporada. Em Praga, conquistou uma sólida vitória em três sets contra Ferdinand Urba, revelação tcheca. Depois da Davis, todos esperavam que Maneco realizasse um pequeno giro por torneios europeus. Mas ele voltou três meses depois ao país sem ter disputado jogo algum. Havia conhecido um português rico com quem viajou o Velho Mundo conhecendo restaurantes e bares.


Maneco era representante de um tempo romântico do ''esporte branco'', em que o único treino eram os próprios jogos. Além disso, era um grande boêmio, que se preparava para as partidas com visitas às ''suas meninas'', ingeria largas quantidades de uísque e vinho, e passava as madrugadas no carteado. Foi mais ou menos assim que venceu Enrique Moréa, o melhor tenista argentino da década de 1940 e 1950, numa espetacular jornada no Pacaembu, um feito ainda mais impressionante quando se sabe que o portenho conquistaria o Pan-Americano, e em 1953 e 1954 seria considerado por revistas especializadas com um dos dez melhores jogadores do mundo. Tamanha sua reputação, que Moréa foi nomeado Presidente Honorário da Associação Argentina de Tênis em 2014. 


Durante aquela visita ao Brasil, o argentino demoliu Armando Vieira, jogador que dominava o campeonato nacional, por avassaladores 6/0, 6/0 e 6/1. Na manhã do dia anterior ao confronto contra o argentino, Maneco foi tomar uns drinques com conhecidos. Almoçaram em belo restaurante e depois partiram para o Parque Balneário, onde jogaram pôquer até a tarde do dia seguinte, impulsionados por garrafas de uísque. Depois de um dia e meia na esbórnia, Manuel tomou uma chuveirada de quarenta minutos e entrou em quadra para vencer seu adversário em cinco sets, depois de quatro horas e meia de peleja.


O tenista paulista conquistou outras vitórias memoráveis. Uma delas sobre Pancho 'Segura', equatoriano que foi quatro vezes semifinalista em Forest Hills [como era chamado o major dos EUA, hoje conhecido como US Open] durante a década de 1940 e número um do mundo no início dos anos 1950. Em jogo realizado no Paulistano, em 1942, Segura venceu os dois primeiros sets por 7/5 e 6/0, e teve duplo match point no terceiro, sacando em 5/1, mas o brasileiro conseguiu uma virada épica, fechando seus sets em 7/5, 6/2 e 6/3.


Outra tarde memorável se deu contra o americano Bob Falkenburg, em Santos. O ano era 1948, e Bob acabara de vencer nada mais, nada menos do que o Torneio de Wimbledon. Mas naquele dia foi demolido pelo brasileiro em 3 sets tão humilhantes que o fizeram deixar o Tennis Club pelas portas de fundo, de tão envergonhado. A propósito, Falkenburg mais tarde se naturalizou brasileiro e fundou a rede de lanchonetes Bob's, cuja primeira loja foi aberta em Copacabana, Rio de Janeiro.


Maneco foi campeão sul-americano em 1947, e bicampeão brasileiro em 1947 e 1954. Se tornou vice campeão brasileiro seis vezes, a maioria delas em derrotas para Armando Vieira, tenista menos talentoso mas verdadeiro atleta, e que construiu sua sólida carreira nas quadras americanas. Em entrevista a Mino Carta, em 1976, Maneco declarou que os melhores tenistas brasileiros que viu jogar haviam sido Maria Esther Bueno e Ronald Barnes.


Maneco faleceu em 2003.

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