domingo, 30 de junho de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-Atacantes: Arrascaeta e Outros

 Arrascaeta é o maior estrangeiro da história do Flamengo? Conheça parte dos números e feitos que justificam a polêmica, e também o nome de outros atletas que poderiam estar na prateleira principal desta sequência sobre os maiores Pontas-de-Lança do Flamengo. A série apresenta os jogadores por posição e em ordem cronológica. Na próxima postagem, começo a tratar dos Ponteiros/Atacantes.


7) DE ARRASCAETA [2019/ATÉ O PRESENTE]




Arrascaeta chegou ao Flamengo em janeiro de 2019 como a maior contratação da história do futebol brasileiro. O clube pagava 15 milhões de euros pelos direitos federativos do atleta. Houve quem torcesse o nariz, e jornalistas contestaram o negócio em alto e bom som. Um comentarista chegou a compará-lo com “carne de segunda”. Poucos meses depois, ele seria ainda um dos pivôs das críticas feitas ao técnico Abel Braga, que não o escalava na equipe alegando que não tinha pedido sua contratação.

Hoje, todas essas histórias parecem engraçadas. O uruguaio se transformou em um dos maiores ídolos dessa geração e a natureza da polêmica também mudou. A pergunta é se Arrascaeta é o maior estrangeiro que já vestiu o Manto Santo Sagrado.





Com a vinda de Jorge Jesus, Arrasca ganhou lugar cativo na meia esquerda rubro-negra, e em muitos jogos atuou centralizado, como legítimo Ponta-de-Lança. Se fixou nessa posição com Domenec e Renato Gaúcho, e seu futebol cresceu a ponto de ser considerado por muitos o principal jogador da equipe.



Arrasca é quarto estrangeiro que mais defendeu o Flamengo em campo, com 256 partidas até junho de 2024. E provável que passe Doval [263] e Garcia [273] ainda nesta temporada. O recordista é o paraguaio Modesto Bría [369]. O uruguaio é também o terceiro maior goleador estrangeiro do clube, com 65 gols. Nesse momento, está atrás apenas de Jorge Benítez [74] e do recordista Narciso Doval [95].

Arrasca foi líder de assistências entre 2020 e 2023. Em toda a carreira no clube, já são 84 passes para um companheiro marcar. A decisão da Libertadores de 2019 não foi um acaso, e não se trata somente da beleza de jogadas como a bicicleta contra o Ceará, mas de consistência, regularidade e poder de decisão.




Ele também é o estrangeiro mais vitorioso de toda a história do futebol brasileiro, superando Arce, lateral direito paraguaio que marcou época no Grêmio e no Palmeiras.
Tamanha qualidade o tornou imprescindível também na seleção uruguaia. Peça importante no elenco da Celeste, jogou a Copa do Mundo de 2022, conquistando espaço no time e marcando gols importantes. Atualmente, disputa a posição de meia-atacante no Uruguai com outro jogador rubro-negro, Nico De La Cruz.



Suas principais conquistas pelo Flamengo por enquanto são os Cariocas de 2019/20/21 e 24; as Supercopas do Brasil de 2020/21; a Recopa Sul-Americana de 2020; a Copa do Brasil de 2022; os Campeonatos Brasileiros de 2019/20; as Libertadores da América de 2019 e 2022.



É o suficiente para ser considerado o maior estrangeiro da Gávea? O Mais Querido do Brasil tem ídolos imortais vindos de outros países, como Sidney Pullen, Volante, Modesto Bría, Valido, García, Benítez, Reyes, Doval, Petkovic. Para não falar de treinadores como Kurschner, Fleitas Solich e Jorge Jesus. O tempo dirá, já que o céu é o limite para Arrascaeta no Flamengo, que completou 30 anos de idade nesta temporada.


Ninguém mais na mídia tem coragem hoje de contestar a excelência da negociação feita em 2019.




OUTROS

Para terminar os pontas de lança e seguir adiante, coloco alguns atletas que não estão na prateleira principal. Lembrando que se os critérios fossem outros, é possível que a lista mudasse.

I) ANÍBAL “CANDIOTA”, O “PRÍNCIPE DOS PASSES” [1920/27]



Ponta de Lança antes da invenção do Ponta de Lança, o gaúcho Candiota consta na posição pela precisão dos passes e faro de gols. Foram 50 em 118 partidas com o Manto Sagrado, e participação fundamental nas campanhas dos títulos cariocas de 1920/21, 25 e 27. Fez parte também da seleção carioca e brasileira.


II) JAIR DA ROSA PINTO [1947/49]



Nascido no interior do Rio e parte do famoso ataque dos “Três Patetas” no Madureira, “Jajá” virou ídolo do Expresso da Vitória vascaíno entre 1943 e 46. Foi comprado para o Flamengo, jogando ao lado de Zizinho, Biguá, Durval e outros. Não foi campeão, mas marcou 62 gols com o Manto Sagrado, o que o garante como 48º maior artilheiro rubro-negro. Poderia ser muito mais no clube não tivesse sido alvo de uma campanha de Ary Barroso, que depois de derrota d’O Mais Querido para o Vasco, o acusou sem provas de aceitar suborno da equipe cruz-maltina. Saiu da Gávea e foi fazer história no Palmeiras. Na foto de 1949, de jogo em que o Flamengo derrota o Arsenal, base da seleção inglesa, Jajá é o quarto agachado da esquerda para a direita.


III) BENÍTEZ [1952/56]



O paraguaio, que surpreendeu os brasileiros com a campanha de sua seleção no Sul-Americano [Copa América] de 1949, se tornou o maior goleador estrangeiro do Flamengo. Só foi superado até agora por Doval, ídolo dos anos 1960/70 e de quem falarei em breve. Foram 74 gols com o Manto Sagrado e participação decisiva na conquista do Carioca de 1953, em que foi artilheiro em disputa com a revelação do campeonato, um ponta do Botafogo chamado Garrincha. Dizem que o Flamengo teria vencido o Carioca de 1952 também caso ele não tivesse se machucado. A partir de 1954 sofreu a concorrência de Evaristo, e as contusões acabaram abreviando sua carreira. Tricampeão Carioca 1953/54/55.


IV) ALMIR “PERNAMBUQUINHO” [1965/67]



Ídolo do Sport, do Vasco, do Corinthians e do Santos, chegou ao Flamengo ostentando também carreira internacional na Argentina e na Itália. Foi um dos jogadores mais técnicos e mais esquentados daqueles anos. Conduziu o Flamengo ao título carioca de 1965, mas é ainda mais lembrado por uma das maiores pancadarias da história do futebol pátrio, ocorrida no Maracanã após a perda do estadual para o Bangu. Acabou assassinado no Rio em 1973, 5 anos depois de pendurar as chuteiras no América-RJ.


V) IRANILDO, O “CHUCHU” [1996/2000; 2002/03]


Revelação do Madureira no Carioca de 1995, emprestado ao Botafogo e campeão brasileiro pelo alvinegro na mesma temporada, “Chuchu” veio para o Flamengo depois de Kleber Leite, presidente d’O Mais Querido que era grande fã do meia-atacante, vencer a disputa por sua contratação em cima de Carlos Augusto Montenegro, manda-chuva do Glorioso e do IBOPE. Iranildo nunca chegou ao estrelato que seu início de carreira prometia, mas foi fundamental na conquista de 3 cariocas [1996 invicto – campeonato em que era a grande arma secreta de Joel Santana --, 1999/2000], chegando a colocar Petkovic no banco, e também da Mercosul de 1999. Tem mais de 280 partidas defendendo o Manto Sagrado e 34 gols.

Clique nos links para ler os textos anteriores da série:
Meia-Atacantes:






Meia-Armadores:









Volantes:





terça-feira, 25 de junho de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-atacantes: Tita e Petkovic

 Continuação da série sobre os maiores da História do Flamengo, apresentados por posição e ordem cronológica. O primeiro, um imortal da Era de Ouro que, apesar da profusão de títulos, se tornou ''maldito'' para boa parte da torcida, e que desperdiçou convocação para a Copa do Mundo porque não aceitava jogar de meia-ponta. O segundo, um eslavo que provou para os brasileiros, tanto religiosos quanto ateus, que São Judas Tadeu realmente vela pelo clube. Quem é Flamengo e tem mais de 30 anos, sabe muito bem onde estava naquele perene 43 minutos do 2º tempo.



5) TITA [1977/82; 83/85; 1990]




O carioca Milton tinha tudo para ser o sucessor do Galinho de Quintino e um ídolo incontestável da Magnética. Mas sua trajetória foi de altos e baixos, tão vitoriosa quanto repleta de constrangimentos, e, no fim da carreira, acabou “acusado” de ser vascaíno. Olhando com isenção, no entanto, Tita foi um dos grandes pontas-de-lança rubro-negros e um legítimo representante da Era de Ouro.

Profissionalizado na Gávea em 1977, com apenas 19 anos, Tita tinha uma obsessão: envergar a camisa 10. Só existia um probleminha. Zico, em pleno auge, era seu dono incontestável.


Mas o garoto demonstrava muita qualidade. Não tinha a genialidade e plenitude técnica do Galinho, mas certamente seria titular da posição em qualquer outro clube brasileiro, tamanha a qualidade no passe, a cobertura de campo e a excelência no jogo aéreo.

Entrava como podia na equipe, e na campanha do tricampeonato de 1979 teve sua grande chance. Zico sofreu um estiramento muscular e Tita assumiu a função, sendo um dos responsáveis por manter o Flamengo nos trilhos das glórias. Depois que Zico voltou, a discussão passou a ser como arrumar lugar para o rapaz.


Com o tempo, ele foi escalado na “ponta direita” -- um meia-ponta, na verdade. já que o Flamengo da Era de Ouro foi, segundo Carpegiani, o primeiro protótipo do 4-2-3-1.

O volante era Andrade, acompanhado de Adílio como meia armador. Zico era o ponta de lança, mas era acompanhado dos lados por dois “falsos pontas”, os também meia-atacantes Lico na esquerda e Tita na direita. Nunes atuava mais à frente, como homem de área “rompedor”. Eis aí a escalação do meio pra frente daquela máquina, em que o jovem Tita era peça fundamental.



Só que ele não gostava de jogar por ali. Dizia que não era sua posição original. Chegou à seleção de Telê jogando dessa forma, e tinha tudo para ser convocado para a Copa de 1982. O técnico sonhava em escalá-lo como no Flamengo. Mas Tita pediu para não jogar mais “na ponta”, teimosia que hoje em dia admite ter sido uma grande burrada. “Coisas da juventude”, diz. De fato, jogadores polivalentes ou “curingas” eram muito mal vistos então, uma herança que ainda permanece em parte da torcida brasileira.

E assim Tita não foi à Copa do Mundo, e a seleção de 1982 sofreu por causa do buraco que existia no lado direito do ataque, uma falta de simetria imperdoável em futebol de alto nível. Pior ainda, ele também perdeu a titularidade no Flamengo, que teve de comprar um ponta especialista. Tamanha a ansiedade por ser titular, que Tita teve de ser emprestado ao Grêmio na temporada de 1983.


E mais uma vez provou seu valor, sendo fundamental na conquista da Libertadores da América pelo tricolor gaúcho.

Depois da venda de Zico para a Udinese, e com o fracasso de alguns postulantes a substituto, o Flamengo negociou seu retorno à Gávea antes do fim do empréstimo, com consentimento do próprio Tita, que abdicou assim da disputa do Mundial Interclubes. Desse modo, conquistou finalmente a tão sonhada camisa 10.

Mas os grandes títulos não voltaram, embora ele tenha sempre ficado perto deles. O Flamengo perdeu a vaga nas semifinais da Libertadores de 1984 porque o Grêmio teve a vantagem em um ‘jogo desempate’ disputado no Pacaembu. E o Fluminense enfileirou um tricampeonato carioca e levou título brasileiro em 1984.

A torcida sonhava com a volta do Galinho. Quando ela se concretizou, em 1985, Tita pediu para sair do clube.


Foi brilhar no Internacional em uma época em que o Grêmio mandava no sul, e assim saiu um pouco do radar e também perdeu a chance de disputar a Copa de 1986. Seu futebol só seria mais uma vez notado nacionalmente no Vasco, em duas passagens marcantes. Na primeira, em 1987, marcou o gol do título carioca em cima do Flamengo. Na segunda, em 1989/90, fez parte de ‘SeleVasco’ que levantou o Brasileiro em 1989 [Junto com dois outros ex-atletas rubro-negros, Andrade e Bebeto] e finalmente se consolidou no elenco da seleção brasileira.
Com Sebastião Lazaroni, Tita disputou a Copa América de 1989, as Eliminatórias para o Mundial da Itália, e a Copa de 1990, embora nunca tenha se firmado no time principal.


Retornou ao Flamengo em rápida passagem em 1990, já aos 32 anos, mas depois brilhou no futebol mexicano. Se aposentou em 1997 com um dos currículos mais vitoriosos da pátria de chuteiras e imortalizado no rol de heróis de pelo menos três grandes clubes brasileiros.
Tita é o 13º maior artilheiro da história do Flamengo, com 135 gols, e defendeu o Manto Sagrado em mais de 390 jogos. Suas principais conquistas na Gávea são as Taças Guanabara de 1978/79/80/81/82 e 84; os Cariocas de 1978/79/79 especial e 1981; os Brasileiros de 1980, 82/83; a Libertadores e o Mundial Interclubes em 1981.





6) DEJAN PETKOVIC, O “PET” [2000/02; 2009/11]




Recentemente, Marcos Braz, Vice-Presidente de Futebol do Flamengo, declarou em entrevista coletiva que Arrascaeta era o maior jogador estrangeiro da história rubro-negra. Foi um afago no ego do uruguaio, que está discutindo a renovação do contrato, mas o debate é justo.

O tempo dirá se ele merece mesmo o posto em um clube que tem ídolos como os argentinos Carlos Volante, Valido e Doval; os paraguaios Modesto Bría, Benítez, García e Reyes; o inglês Sidney Pullen; e um certo sérvio de nome Deján.



Petkovic já era dono de respeitável carreira internacional, e também nacional, quando chegou ao Flamengo em 2000 como a maior jogada de marketing do aventureiro Presidente Edmundo Santos Coelho, que acabava de mandar Romário embora do Flamengo e fechado uma parceria que vendeu como “imperdível” com a suíça ISL.

Em troca dos direitos de comercialização da marca Flamengo, a empresa jogou algumas dezenas de milhões de dólares nas mãos do dirigente, e se comprometeu a construir um shopping e um estádio. Mal sabiam todos que os suíços já estavam falidos.


Com ares de estrela em um mirabolante negócio que prometia inaugurar uma era de vitórias e realizar todos os sonhos da torcida, Petkovic teve problemas pra se adaptar ao ritmo de treinos e à pressão que envolvia O Mais Querido do Brasil. Fez uma boa Taça Guanabara, mas depois da desastrosa derrota de 1 a 5 para o Vasco, e diante da imensa saudade que a Magnética tinha de Romário, perdeu a posição de titular para Iranildo. Viu do banco de reservas a vingança contra o grande rival e a conquista do bicampeonato carioca daquela temporada.

A chegada de novos atletas consagrados parece ter incendiado o sérvio, que teve um segundo semestre de gala. O Flamengo naufragou, mas ele se destacou individualmente de tal maneira que só não foi considerado o melhor ponta de lança da Copa João Havelange porque o time não se classificou para as fases finais do torneio.


No ano seguinte, apesar dos constantes atrasos de salário, pendengas com cartolas e brigas dentro do elenco [Petkovic não se dava com Edílson “Capetinha”], o sérvio conduziu o Flamengo a um dos momentos mais especiais do Clássico dos Milhões. O Mais Querido precisava vencer o Vasco por dois gols de diferença na decisão para se sagrar tricampeão.

Aquele foi um jogo de muitos heróis, e decidido sem dúvida pela presença de São Judas Tadeu. A falta cobrada aos 43 minutos do segundo tempo se juntou ao gol de Rondinelli, em 1978, e ao de Valido, em 1944, como um dos eventos mais miraculosos da nossa saga. Não há rubro-negro com mais de trinta anos que não saiba o que estava fazendo quando o sérvio, segundo os dizeres de Luiz Peñido, que narrava a final pela Rádio Tupi, “entrou para a História Eterna do Flamengo”.


A falta miraculosa se repetiu na Copa dos Campeões, conquistada em cima do São Paulo de Kaká e Rogério Ceni, um título nacional que garantiu a presença do Flamengo na Libertadores de 2002.

Tudo degringolou a partir daí. O escândalo da ISL explodiu e colocou em risco o próprio futuro do clube. A derrocada da economia brasileira destruiu as finanças dos ‘grandes’ do futebol carioca, dando início a uma era negra e caótica que nunca tinha sido vista por essas praias.

Petkovic deixou o Flamengo e se tornou um cigano da bola. Foi pra outros países, outros times, e também virou ídolo dos rivais da Colina e das Laranjeiras. Mas a Magnética nunca esqueceu aquele fatídico minuto.


O sérvio forçou a sua volta à Gávea em 2009, já com 37 anos de idade. Kleber Leite, diretor de futebol, não o queria. Mas a dívida milionária que o clube tinha com ele garantiu sua presença no elenco.

Era São Judas Tadeu agindo por debaixo dos panos, sem dúvida. O gringo encaixou como uma luva na equipe e a liderou rumo à redenção de toda uma geração, o Campeonato Brasileiro de 2009. Pelo caminho, dentre outros lances magistrais, gols olímpicos contra Palmeiras e Atlético Mineiro, e o escanteio perfeito na cabeça de Ronaldo Angelim para o gol do título.

As confusões, decepções e brigas da temporada seguinte não passaram nem perto de arranhar o amor e identificação criada entre Pet e a torcida do urubu. Ele se aposentou no Flamengo em 2011, dando uma volta olímpica no Engenhão e deixando como legado uma ponte imortal entre a Gávea e a Sérvia.


Suas principais conquistas com a camisa preta e encarnada são os Cariocas de 2000/01; a Copa dos Campeões de 2001; e o Brasileiro de 2009.

Para os que gostam de comparações, Pet é o quarto estrangeiro que mais defendeu o Manto Sagrado [196 jogos], atrás apenas de Modesto Bría, García e Arrascaeta; e é o quarto estrangeiro com mais gols pelo Flamengo [57 tentos], atrás apenas de Doval, Benítez e, mais uma vez, de Arrascaeta.

Mas, acima desses números, existem aquele momento mágico, aquela verdadeira experiência espiritual: aqueles 43 minutos do segundo tempo......

quinta-feira, 20 de junho de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-atacantes: Zico, o Galinho de Quintino

 Pelé o considerava o jogador brasileiro cujo futebol mais se aproximava dele. Telê Santana dizia ser o maior camisa 10 depois de Pelé. A torcida do Flamengo inteira o chama de Rei. Zico é a alma personificada do Flamengo. O garoto suburbano, saído de família de rubro-negros, que conquistou os bairros do Rio em peladas e partidas de futebol de salão, se tornou a maior estrela do estádio mais lendário do planeta, o maior goleador já visto na Gávea, e que levou O Mais Querido do Brasil a um patamar mítico de dimensões globais. 


4) ZICO, O “GALINHO DE QUINTINO” [1972/83; 1985/89]




Em uma publicação feita no Facebook há seis anos expliquei porque considero Zico um dos dez maiores jogadores que já existiram. [leia no fim dessa postagem.]

Mas o texto não diz exatamente a razão dele ser também o mais importante atleta da história do Clube de Regatas do Flamengo. Uma coisa poderia implicar na outra, mas não necessariamente. É preciso olhar de outra perspectiva pra entender por inteiro do que se trata.



O Flamengo teve outros gênios, que por diversos motivos exerceram um papel estratégico na vida do clube, tais como Leônidas da Silva, Zizinho, Evaristo e Romário. Mas a posição do garoto Arthur é muito mais central.

Por si só, os troféus não permitem apreender todo o panorama. Os títulos são função de uma época. Em um momento em que o campeonato de maior visibilidade do país era o carioca, os tricampeonatos da década de 1940 e 1950 foram feitos gigantescos, assim como é gigantesca a profusão de taças atuais.



[E, cá entre nós, o pentacampeonato da Taça Guanabara de 1978 a 1982, por sua dificuldade e pela relevância do torneio então, foi bem mais impactante do que vencer Supercopas do Brasil ou Recopas Sul-Americanas; assim como o tricampeonato do fim dos anos 1970 não valia tão menos assim que um Campeonato Brasileiro.]

Claro, Zico ganhou tudo o que havia para ser conquistado em seu tempo. Tudo!

Mas ele não é o que é tão somente por uma lista de títulos, por mais completa que ela seja. Ele não fez do Flamengo apenas o time mais vitorioso. Mas o melhor time do mundo, coisa rara na vida de um clube em qualquer época, e ainda mais raro depois da concentração econômica em uma dúzia de mega-equipes europeias.




Mas não era só o melhor time do mundo, e sim um dos mais impressionantes já vistos em todos os tempos, comparado ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Garrincha, e eleito pela FIFA um dos dez maiores do século passado. Zico era a liderança técnica e moral daquela Era de Ouro que dificilmente será repetida.

Será que isso é suficiente para explicar sua importância? Talvez, mas ainda faltam alguns ângulos fundamentais.



Filho de imigrantes portugueses, criado no subúrbio do Rio em uma família fanática pelo Mais Querido, o menino vinha de uma família de boleiros. Seu irmão Antunes brilhou no Fluminense, e seu irmão Edu foi craque de bola, talvez o maior ídolo da história do América RJ, e um dos injustiçados na convocação da seleção de 1970.

E, ainda assim, o menino Arthur era o verdadeiro astro da prole de Seu Antunes, arrepiando e angariando fama nos torneios de futebol de salão que sacudiam os bairros populares dos anos 1960.



Sim, ele era Prata da Casa, o exemplo perfeito da orgulhosa máxima de que “Craque o Flamengo faz em casa”. Profissional exemplar, tinha consciência aguda da responsabilidade que carregava, e ficava horas depois do treino aprimorando as faltas, os pênaltis e outros quesitos de seu jogo já magistral, um exemplo gritante para uma geração de atletas que, como ele, saíram das bases da Gávea. Em toda a carreira, dos juvenis à aposentadoria, só não atuou no Flamengo em duas temporadas. [Depois da aposentadoria, como um demiurgo, criou o futebol profissional no Japão.] É o segundo jogador que mais vestiu o Manto Sagrado, mais de 730 partidas.

Se unirmos todos esses fios, teremos o desenho da identificação que se criou entre aquele rapaz, o clube e a Magnética.

Bom, além de vir de família fanática pelo rubro-negro, dos subúrbios do Rio, de ser formado na Gávea, de ter defendido o Flamengo em centenas de partidas, ter vencido tudo o que existia, e liderado uma equipe lendária que levou O Mais Querido ao Olimpo da História do Futebol, ele também se tornou o maior artilheiro da vida do Maracanã, maior templo do futebol mundial, e o maior goleador da história rubro-negra, com incríveis 509 tentos.



Gols de todos os tipos. Olímpicos, de esquerda, de direita, dentro e fora da área, de cabeça, chaleira, driblando a defesa toda, de oportunismo e todos os mais que se puder imaginar. Inclusive, aquele que é, sem dúvida, o mais importante da história rubro-negra, que garantiu a conquista de uma Libertadores em uma era em que transmissões de TV eram raras, que os jogadores sul-americanos jogavam aqui, a violência comia solta sob complacência dos árbitros, os brasileiros eram roubados escandalosamente: [https://www.youtube.com/watch?v=tHzzS1q6gN8]

Se essas linhas já transmitiram algum vislumbre do peso desse Monstro Sagrado, temos de voltar a coisas mais singelas, pra aí sim conhecer o significado de Arthur Antunes Coimbra.


Ele podia se sentir tudo no Flamengo, e encher a boca, como tantos depois dele, pra falar de “tudo o que fez pela instituição”. Mas preferia dizer, “tive vinte anos de felicidade ao cruzar o portão da Gávea todos os dias pra treinar”. Ou então, “não trocaria uma só Taça Guanabara que conquistei no Flamengo por uma Copa do Mundo.” Apesar dos cumes inatingíveis que atingiu, Zico é um de nós. Podia estar presente do nosso lado em qualquer arquibancada.

Por isso chego até a achar bom que ele não tenha vencido uma Copa pela Seleção. Sim, é injusto dizer que ele não arrebentou na equipe canarinho. Foi o maior Ponta de Lança da era pós Pelé. O segundo maior artilheiro [depois superado por Romário, Ronaldo e Neymar em outro contexto]. Perdeu só um jogo em 3 Mundiais disputados. E é a maior referência daquela que, mesmo não tendo levado a Taça, é considerada dentro e fora do país como um dos grandes exemplos da mágica do futebol brasileiro, o time de 1982.




Mas percebam. Talvez a primeira imagem que nos venha a cabeça quando falamos de Pelé seja a camisa amarelo ouro da CBF, com o 10 nas costas, socando o ar. Impossível explicar Mané Garrincha sem a Copa de 1962. Ou falar de Maradona sem os gols contra a Inglaterra no México.

Já Zico é inteiramente identificado com o Manto Sagrado. É a alma do Flamengo manifesta em malabarismos, dribles, passes e gols no Maracanã, conduzindo O Mais Querido a voltas olímpicas e a um patamar mítico.



É por isso que todo rubro-negro imita Nelson Rodrigues e diz “que sai de porta em porta proclamando a minha verdade, a de que Zico é o maior jogador do mundo”. Que concordamos quando Pelé diz que, no Brasil, foi ele o jogador que mais chegou perto de seu futebol. E ainda vamos além, porque ao montar o time pra jogar uma 'pelada', o escolheríamos na frente do Negão, com confiança absoluta, fosse pra ganhar ou pra perder.

Certa feita, o ex-presidente Kleber Leite declarou que, para um rubro-negro, Zico era “princípio, meio e fim”. Mas não em um sentido cronológico. Ele é princípio porque emerge das classes populares flamenguistas pra se tornar atleta criado no clube; é meio porque une a paixão à plenitude técnica; e é fim porque é a dominância concretizada e reconhecida como tal até pelos principais rivais.



Um enredo tão exuberante, que até os pequenos deslizes [pênalti perdido na final da Taça Guanabara de 1976, contra o Vasco? E daí? Quem lembra disso hoje em dia?] contribuem para a perfeição final da história.




Quem é Zico?

Ele foi, é, e sempre será o CAMISA 10 DA GÁVEA.





________


O imortal Nelson Rodrigues chegou a declarar no início dos anos 1970 que estava dedicado a ir de bar em bar, de rua em rua, de portão em portão para transmitir sua verdade, a de que Zico era o melhor jogador do mundo. Desde os tempos dos irmãos Antunes no Fluminense e Edu no América se profetizava que o craque daquela família de boleiros do subúrbio carioca era o franzino Arthur, que comia a bola em campeonatos de bairros e no futebol de salão.


Criado em uma família na qual o Flamengo era uma religião, Zico possuía o mesmo problema que Messi apresentaria ao Barcelona quase meio século mais tarde, um físico franzino que só lhe permitiu jogar profissionalmente depois de um severo e planejado tratamento de vanguarda.





O garoto conquistou a torcida de cara e conduziu um grupo de juvenis ao título carioca de 1974. Seus dribles e perfeição técnica levam o Rei Pelé a afirmar até hoje que ele foi o jogador brasileiro que mais chegou próximo dele. O futebol do ''Galinho de Quintino'' amadureceu em um misto de inteligência, habilidade no drible, perfeição nos passes, destreza na bola parada e faro de golo que deixariam extasiados os torcedores do Flamengo, os amantes do futebol e a crítica especializada dentro e fora do país.


Zico fez do Maracanã sua casa, tornou-se o maior artilheiro da história do estádio mais importante de todos, e levou o Flamengo a uma hegemonia crescente: primeiro no Rio de Janeiro, depois no Brasil e por fim na América do Sul e no mundo. O ''Camisa 10 da Gávea'' se transformou em uma lenda sem fronteiras, líder de uma equipe que foi considerada pelo Grande Júri da FIFA, reunido no fim do século XX, entre as dez melhores já vistas.


Mais uma vez parecido com o argentino Messi, Zico não venceu uma Copa do Mundo. A diferença é que o ídolo rubro-negro virou símbolo de uma das seleções mais amadas pelo planeta bola, tão fantástica que é considerada entre as maiores já montadas pelo Brasil ainda que não tenha ficado sequer entre as quatro primeiras da Copa de 1982. Naquele Mundial, o Galinho brilhou em campos espanhóis com o mesmo fulgor e magnitude com que comandava o Flamengo em seus dias de glória.




Maior goleador da seleção depois de Pelé, fenômeno de popularidade na pequena Udinese -- com a qual chegou a disputar a artilharia do italiano contra Platini, que atuava pela poderosa Juventus --, maior ídolo da história do clube de maior torcida do Brasil, o Galinho de Quintino também conheceu a dor e a tragédia, seja por não ter levado o escrete canarinho à conquista de uma Copa -- o que lhe daria uma dimensão ainda maior nessa lista, seguramente entre os cinco primeiros --, seja pelas limitações físicas que o acompanharam na fase final de sua trajetória, vítima da violência de adversários que quase puseram um ponto final em sua carreira.


No início dos anos 90, depois da primeira aposentadoria, Zico foi escolhido pelos japoneses para se tornar a estrela que consolidaria um campeonato nacional no país, também aqui similar à ida de Pelé para o Cosmos, nos Estados Unidos. A estrela surgida no Rio, conquistadora do Maracanã e do mundo, foi também inesquecível no país do sol nascente. 

Publicado originalmente em  [ https://www.facebook.com/constantor/posts/pfbid036mZMCY6xu9PWtmJ61cmsB4K6G6zn6jm3UYGo5u4vcwt1fijKyP2E7KuBa1WoBeu8l ]




Clique nos links para ler os textos anteriores da série:
Meia-Atacantes:





Meia-Armadores:









Volantes: