terça-feira, 14 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Laterais, parte final: Filipe Luís e Outros

 Para terminar a série sobre laterais e iniciar a de volantes, falo um pouco sobre o grande Filipe Luís, e sobre aqueles que não estão na minha ''prateleira principal'' mas que quase chegaram lá. Ou seja, considero laterais muito importantes, embora um pouco menos que o escalão que elenquei. Para ler as demais postagens da série, clique nos link no fim desse texto.



10) FILIPE LUÍS [2019/23]




O lance daquele jovem catarinense de Jaraguá do Sul era futsal, não futebol de campo. Mas aos 14 anos de idade quase que recebeu uma intimação do pai para mudar de esporte. Dito e feito, chegou ainda adolescente à titularidade do Figueirense e dali partiu para a Espanha, onde construiu sólida carreira internacional, primeiro no Real Madri B, depois no La Coruña, e finalmente no Atlético de Madri, clube pelo qual fez mais de 300 partidas. [Teve também rápidas passagens pelo futebol uruguaio e inglês.]

Com bastante habilidade e excelente passe, além de consciência tática exuberante, Filipe se destacou com um dos melhores laterais esquerdos sul-americanos da década passada. O fim de sua carreira na Europa, no entanto, foi na verdade um início: o da imortalidade no coração da maior torcida do mundo. Projeto pessoal do presidente Rodolfo Landim, por sua liderança de grupo e profissionalismo, desembarcou no Rio de Janeiro em 2019, já aos 34 anos, para participar de uma das equipes mais vitoriosas já montadas pelo Flamengo.



Dispensável dizer que venceu quase tudo nos anos em que vestiu o Manto Sagrado. Terminou a carreira na Gávea e hoje é técnico das bases do clube, um passo calculado no rumo para se tornar treinador.



Filipe foi recorrentemente convocado para a seleção brasileira a partir de 2009, embora quase nunca tenha sustentado a condição de titular inconteste da posição. Integrou os elencos do time canarinho na Copa do Mundo de 2018, na Copa América especial de 2016, na Copa das Confederações de 2013 e na Copa América de 2019, se sagrando campeão nestas duas últimas competições.

Suas principais conquistas no Flamengo são os Cariocas de 2020/21; as Supercopas do Brasil de 2020/21; a Recopa Sul-Americana de 2020; a Copa do Brasil de 2022; os Brasileiros de 2019/20; e as Libertadores da América em 2019 e 2022, vencendo esta última invicto e com a melhor campanha de um clube na história da competição. Vestiu a camisa preta e encarnada e, 176 partidas oficiais.






11) OUTROS


I) Toninho Baiano [1976/80]




Pau pra toda obra, que era escalado em ambas as laterais e até na ponta, Toninho construiu sólida e vitoriosa carreira no Fluminense antes de aportar na Gávea em um dos troca-trocas do Horta. Conquistou a torcida com seu esforço e dedicação, se tornando titular do time que engrenaria o tricampeonato estadual de 1978/79/79 especial e o Brasileiro de 1980, quando então saiu para as Arábias. Jogando pelo Flamengo, se tornou titular absoluto da lateral direita da seleção brasileira, participando da campanha da Copa de 1978, em que terminamos em 3º lugar. Perdeu a posição na seleção para um lateral que o havia substituído n'O Mais Querido, o genial Leandro.


II) Jorginho [1984/89]




Revelado pelo América-RJ, foi contratado pelo Flamengo porque Leandro já não tinha mais condições físicas de atuar na lateral-direita. Acabou também substituindo Leandro na seleção brasileira. Pelo Flamengo, conquistou as Taças Guanabara de 1984, 88/89; o Carioca de 1986; e o Brasileiro e 1987. Pela seleção, foi medalhista de prata na Olimpíada de Seul, em 1988 e titular na campanha do tetra, nos EUA em 1994. Saiu da Gávea em 1989 pra construir sólida carreira na Alemanha, primeiro no Bayern Leverkusen e depois no Bayern de Munique. Depois do Mundial de 1994, rumou para o Kashima Antlers, no Japão. Terminou a carreira em rivais do Flamengo, primeiro o Vasco e depois o Fluminense.


III) Leonardo [1987/90; 2002]




O garoto de 17 anos entrou em campo pela primeira vez pelo clube de coração, pega na bola e dá passe para o seu grande ídolo marcar o gol da vitória. Ele esconde o rosto na mão e começa a chorar. Parece aqueles sonhos de infância de boleiro, mas é como Leonardo, Prata da Casa, estrou no Flamengo de Zico em 1987. Foi campeão brasileiro naquele ano, e depois bicampeão da Taça Guanabara em 88/89. Vendido para o Valencia, fez sucesso também em empréstimos ao São Paulo. Construiu carreira no PSG e no Milan. Foi titular em duas Copas do Mundo pela seleção, em 1994 e em 1998 [dessa vez já no meio campo], sendo parte da campanha do tetra e vice-campeão na França. Com o time canarinho, venceu também a Copa América e a Copa das Confederações em 1997. Voltou ao Flamengo em 2002, já no fim da carreira, mas se aposentou mesmo no ano seguinte, vestindo a camisa do Milan.



IV) Athirson [1996/98; 99/2000; 2002/03; 04]



Prata da casa que colocou no banco Gilberto [outra prata da casa e irmão de Nélio, meia esquerda importante no início dos anos 1990, Gilberto faria história no Cruzeiro e na seleção brasileira], Athirson se tornou ídolo do clube comandando um Flamengo apenas mediano a títulos consecutivos em cima do Vasco. Brigou com a diretoria d'O Mais Querido e foi para Juventus, na Itália, mas nunca desenvolveu todo seu futebol sem o Manto Sagrado. Voltou rapidamente ao Flamengo em 2002, sendo o melhor lateral esquerdo do Campeonato Brasileiro daquele ano. Conquistou os Cariocas de 1996, 1999/2000, 2004; a Copa Ouro Conmebol de 1996 e a Mercosul de 1999. Pela Seleção, fez parte do elenco campeão da Copa América de 1999.



V) Juan [2006/10]



Revelado pelo São Paulo e com carreira internacional antes de chegar à Gávea, Juan fez parte do grupo que tirou o Flamengo da era de trevas do início do século e o devolveu à disputa e conquista de títulos nacionais. Foi tricampeão carioca em 2007/08/09, da Copa do Brasil em 2006 e do Brasileiro em 2009. Chegou à seleção brasileira em rápida passagem em 2008, mesmo ano em que foi eleito o melhor lateral-esquerdo do campeonato brasileiro.


Clique nos link para ler os textos abaixo.


domingo, 5 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Laterais: Leandro 'Peixe Frito' e Léo Moura

 Leandro é um milagre. Não passou por divisões de base na infância. Seu futebol foi forjado em peladas, e virou atleta profissional quase que por acaso. Suas condições físicas praticamente o vetavam para o esporte de alto nível. Desde que se profissionalizou, sabia-se que sua carreira seria curta, talvez questão de poucos anos. Aos vinte anos de idade já passava por cirurgias complicadas. E ainda assim foi um dos jogadores de qualidade técnica mais esplendorosas e indiscutíveis já surgidos no Brasil -- os gigantes da geração de 1982 o consideravam o mais completo da equipe --, um apaixonado pelo Flamengo que fazia lembrar os gloriosos anos do amadorismo, um torcedor em campo defendendo a camisa preta e encarnada. Neste texto, relembro também Leonardo Moura, o jogador que mais defendeu o Manto Sagrado no século XXI. Os demais textos da série podem ser lidos clicando nos links no final dessa postagem.



8 ) LEANDRO ''PEIXE FRITO'' [1979/1990]




O defensor, recém promovido ao profissional, está cercado por jogadores rivais, e o goleiro, atleta consagrado e um dos líderes do elenco, não para de rifar a bola, aos chutões, pra não correr risco ao sair jogando. E assim permite que o time adversário sufoque a sua equipe. Até que o garoto exige a bola. O goleiro ainda retruca, apontando que ele está marcado. Mas não pôde convencer o rapaz. Ele recebe a pelota, dá um ''lençol'' [''chapéu''] no primeiro atacante que o marcava, dribla o segundo, e lança na ponta, em jogada que terminaria em gol. Batendo no peito, o jovem olha firme pro impressionado goleiro, dizendo: "Raul! Eu jogo pra caralho!"



Essa era uma das histórias do imenso rol de lendas ligadas ao nome de Leandro, e que os rubro-negros cresciam ouvindo, alguns presenciando, durante a Era de Ouro. Já vi quem dissesse de modo sincero que era ele o maior jogador do grande Flamengo do início dos anos 1980, e não Zico.

Exageros à parte, é uma pena que em um momento em que se valoriza tanto o que os europeus pensam dos atletas, ''Peixe Frito'' não tenha uma carreira internacional com a seleção brasileira condizente com o seu status. Para quem o viu atuar ou jogou contra ele, não há qualquer dúvida: estamos falando de um gênio, de um dos maiores jogadores já surgidos entre nós, e possivelmente do maior lateral direito já surgido no futebol brasileiro.




Telê Santana, a título de curiosidade, o escalava na sua seleção de todos os tempos no lugar de Carlos Alberto Torres. Falcão, o grande volante daquela geração, o considerava o jogador mais habilidoso da equipe de 1982. O lendário técnico Flávio Costa o comparava a Domingos da Guia. Portanto, os testemunhos não são poucos nem de pequeno quilate.

Rubro-negro fanático, veio de Cabo Frio, onde nasceu, pra cidade do Rio para prestar vestibular para cursar Educação Física. Quase por acaso fez teste pro Flamengo, passou e iniciou uma vitoriosa, destacada e, infelizmente, curta carreira. Ambidestro, jogava em diversas posições: nas duas laterais, na zaga, de volante, de meia. Dizem que só não jogou de goleiro.

Quase foi emprestado para o Internacional de Porto Alegre em 1980, quando o titular da lateral direita d'O Mais Querido ainda era Toninho Baiano. Mas não passou nos exames médicos do Colorado. Leandro tinha problemas crônicos nos joelhos, consequências de suas pernas arqueadas, que o levaram à mesa de cirurgia aos 20 anos de idade.





Mas nada impediu sua ascensão e o deslumbramento de seu futebol. Depois da Copa de 1982, quase foi contratado pelo Barcelona, que desistiu quando soube das suas contusões e do pouco tempo que lhe restava no futebol. Em 1985, depois de contusões e cirurgias, passou a atuar somente de zagueiro, e depois de 1987 mal entrava em campo. Leandro hoje não consegue jogar nem pelada por causa da artrose no joelho.

Mas esse é o lado triste da história. O alegre é a profusão de títulos com o Manto Sagrado e a lembrança inabalável que deixou na torcida. Ele é o 15º atleta com mais partidas com o Manto Sagrado: 415. O único atleta desse porte que, dos anos1950 para cá, só jogou n'O Mais Querido.




Leandro chegou rápido à seleção. Foi titular da Copa de 1982, mas prejudicado pelo esquema tático de Telê, que tinha um buraco do lado direito do meio campo. Pediu dispensa da Copa América de 1983 porque passava por um divórcio complicado. Não se dava também com a teimosia de Telê, que insistia em escalá-lo de lateral direito nas eliminatórias para o México, embora ele já atuasse de zagueiro pelo Flamengo e não tivesse mais condições físicas para fazer o corredor.

A maior polêmica em sua passagem pela seleção se deu, no entanto, no final da preparação para a Copa de 1986. O elenco ficou confinado por um mês na Toca da Raposa, em Belo Horizonte. Dias antes do embarque, parte do elenco fugiu para uma noitada regada a cerveja. Leandro passou da conta e, na volta, não tinha condição de pular o muro da concentração. De todos os fujões, Renato foi o único que se recusou a deixar o companheiro para trás, e assumiu o risco de entrar junto com o Peixe Frito pela porta da frente. O disciplinador Telê ficou sabendo e o clima ferveu. Na lista final para a Copa, Renato Portaluppi, que era o principal atacante brasileiro e talvez do mundo naqueles anos, ficou de fora, cortado pelo treinador. Leandro foi perdoado.



O episódio levou a um número infindável de piadinhas por parte de torcedores rivais do Flamengo. Mas dá mostras da hombridade e da honradez tanto de Renato quanto de Leandro. O lateral sempre fez segredo dos motivos porque decidiu não viajar para o México, desistindo de uma Copa do Mundo. Mas todos já sabem dos detalhes da história. Leandro esperou até o último momento que o elenco se rebelasse contra a decisão de Telê de cortar o ponta direita. Como não aconteceu, resolveu não embarcar com a delegação.

É uma das imagens mais tristes da minha infância. A imprensa acompanhando Zico ir às pressas, já vestindo o terno oficial da CBF com o qual o grupo entrou no avião, na casa de Leandro, pra tentar convencer o companheiro a repensar a decisão. Pouco tempo depois, ele sai da casa do companheiro com lágrimas nos olhos e, sem declarar nada para os jornalistas, entra no táxi e parte. Assim terminou a passagem de um dos maiores gênios de nosso futebol pelo time canarinho.



Os principais títulos de Leandro pelo Flamengo são: Taças Guanabara de 1980/81/82, 84, 88/89; Campeonatos Cariocas em 1979/79 especial, 81 e 86; Copa do Brasil de 1990; Campeonatos Brasileiros de 1980, 82/83 e 87; Libertadores da América de 1981; Mundial Interclubes de 1981.



9 ) LÉO MOURA [2005/15]




Em tempos de imensa volatilidade de jogadores, é impressionante que um atleta permaneça anos consecutivos no mesmo clube. Léo Moura, profissionalizado nas categorias de base do Botafogo, era filho de sua época, um cigano durante a maior parte da carreira. Até que chegou ao Flamengo aos 27 anos de idade e emendou nada menos que 10 temporadas consecutivas n'O Mais Querido.

Tamanha longevidade no clube fez do lateral-direito o sétimo jogador que mais vestiu o Manto Sagrado. São 519 partidas, atrás apenas do imortal Jordan da Costa e de figuras carimbadas da Era de Ouro [Júnior, Zico, Adílio, Andrade e Cantareli]. No século atual, ninguém chega perto de ter defendido tanto a camisa preta e encarnada do clube da Gávea.




Eleito o melhor lateral direito do Campeonato Brasileiro por quatro temporadas consecutivas, Léo Moura fez parte de uma importante transição do Flamengo. O clube de finanças destruídas e apequenado do início dos anos 2000 voltava a disputar e a ganhar torneios nacionais. Com um misto de velocidade, habilidade indiscutível e imensa ofensividade, se tornou o rosto de uma época e o ídolo inconteste de uma geração.

Lateral artilheiro, fez quase 50 gols pelo rubro-negro, ganhou metade dos dez estaduais que disputou e foi peça fundamental na conquista de 3 títulos nacionais, um deles o Brasileiro de 2009, encerrando um jejum de 17 anos, o maior do Flamengo na história da competição. Infelizmente, teve poucas chances na seleção brasileira. Jogou amistosos, mas nunca foi convocado para um torneio oficial.




Saiu do Flamengo aos 37 anos de idade e retornou à vida cigana. Mas ainda teve fôlego para levantar a Libertadores da América e a Recopa Sul-Americana pelo Grêmio, o único nível de taças, as continentais, que não conseguiu levar para a Gávea.



Seus principais títulos pelo Flamengo: Campeonatos Cariocas de 2007/08/09, 11 e 14; Copas do Brasil de 2006 e 2013; Campeonato Brasileiro de 2009. Jogou ao lado de Ronaldinho Gaúcho, Petkovic, Adriano Imperador, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan, Vágner Love, Maldonado, Bruno e outros.


Clique nos links abaixo para ler os textos anteriores da série, que segue por posição e ordem cronológica:

sábado, 4 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Laterais: "El Negrito" Rodrigues Neto e o Maestro Júnior

 Na continuação da série, falo sobre Rodrigues Neto, ídolo da lateral-esquerda que também apaixonou a torcida do Boca Juniors. E então do Maestro Júnior, gênio imortal do Flamengo, com mais de 870 partidas oficiais pelo clube, uma profusão inigualável de troféus, um oceano infindo de técnica, e que, apesar de começar na lateral-direita, foi um dos maiores laterais esquerdos da história e conseguia fazer temporadas melhores que Maradona, Zico e Platini atuando pelo meio-campo.


Os links para os demais textos da série seguem no fim da postagem.


6) RODRIGUES NETO, "EL NEGRITO" [1967/75]




Filho de um sapateiro, o mineiro Zé Rodrigues foi descoberto pelos olheiros do Flamengo em um amistoso do Fluminense contra o Vitória do Espírito Santo quando tinha apenas 18 anos de idade. Bom marcador e bastante ofensivo, se tornou um dos grandes laterais-artilheiros da nossa história, com cerca de 30 gols marcados em 439 jogos com o Manto Sagrado -- o décimo terceiro jogador com mais partidas pelo Flamengo.



As principais taças foram os estaduais de 1972 e 1974, além das Taças Guanabara de 1970, 72/73, e o Torneio do Povo de 1972. Zé Rodrigues fez parte da transição entre o Flamengo encalacrado nas finanças do fim dos anos 1960 e o clube vitorioso dos anos 1970.




Se tornou sucessor do ídolo Paulo Henrique e chegou à seleção brasileira muito cedo, ainda em 1972. Foi cortado de maneira nebulosa da equipe que ficaria em quarto lugar na Copa de 1974, em mais uma das trapalhadas e invencionices do Departamento Médico comandado por Lídio Toledo [leiam o que escrevi no caso de Mozer]. Mas atuou como titular na Copa seguinte, na Argentina, em 1978.




Saiu d'O Mais Querido em uma das trocas defendidas por Francisco Horta, presidente do Fluminense, e fez parte da ''Máquina Tricolor'' de 1976. Fora da Gávea, virou um andarilho do futebol. Jogou pelo Botafogo, e fez sucesso na Argentina [ganhou muita fama como lateral do Boca Juniors, onde era chamado de ''El Negrito''], e jogou até na China e em Hong Kong. Cinco anos depois de aposentado, ganhou um jogo de despedida no Flamengo em 1990.



Na Gávea, começou jogando com ídolos como Carlinhos, Murilo e Reyes, e fez parte de times que contavam com Zico, Liminha, Geraldo Assoviador, Jaime, Doval e outros.



7) JÚNIOR ''CAPACETE'', O ''MAESTRO'' [1974/84; 1989/93]



É muito difícil explicar para as atuais gerações o real peso e qualidade do Maestro. Nascido na mesma geração de Zico e Leandro, alguns podem ser tentados a considerá-lo como figura menor no quesito técnico. É assombroso que Júnior seja o atleta com mais partidas pelo Flamengo. São 876 jogos, uns 270 a mais do que Jordan da Costa, o recordista anterior à era de ouro, e quase 150 a mais que Zico, o segundo colocado. Ele está mais do que certo em dizer que o Manto Sagrado ''é e sempre será uma segunda pele''.

Ainda assim não temos a dimensão do que foi Júnior. Estamos falando de um gênio do futebol. Alguns podem considerar que a carreira internacional e os títulos na seleção de Roberto Carlos o colocam acima do Maestro. Talvez. Mas tecnicamente não há a mínima comparação possível. Existem aqueles que prefiram Marinho Chagas. Apesar disso, é defensável que Júnior tenha sido maior lateral esquerdo da história do país depois de Nílton Santos. Mesmo sem ser canhoto, mesmo sem ser exatamente um defensor, e mesmo sem ser exatamente um lateral, como veremos ao longo do texto.

[Aliás, Telê Santana escalava Júnior em sua seleção de todos os tempos, deslocando a Enciclopédia para a quarta zaga.]




Júnior faz parte do grupo de juniores que subiu para o time principal em 1974, dando fim a uma era de investimentos do clube em jogadores consagrados e caros -- e que levou O Mais Querido às Taças Guanabara de 1970, 72/73, e ao Carioca de 1972 [Além do celebrado Torneio do Povo e outras taças menores]. Surpreendentemente, aquela equipe de garotos chegou ao triangular final do carioca e conquistou um histórico título.

É fácil recordar que o time era comandado por Zico. Mas os gols decisivos que nos levaram à taça foram marcados por Leovigildo Lins da Gama Júnior, um paraibano de João Pessoa que chegou garoto no Rio de Janeiro e foi criado jogando bola nas praias. Em uma dessas peladas, foi observado por Modesto Bria [de quem falaremos quando chegarmos aos maiores volantes do clube], que trabalhava nas categorias de base e levou o jovem pra Gávea.


O garoto Júnior era então lateral-direito. Isso mesmo. Ambidestro, jogava em diversas posições no campo, e nos dois primeiros anos de profissional era lateral-direito. Na esquerda atuava o ídolo Rodrigues Neto. Quando Rodrigues Neto foi negociado com o Fluminense em um dos ''troca-troca'' capitaneados por Francisco Horta, presidente do tricolor, o técnico Cláudio Coutinho [de quem falaremos também no futuro] decidiu escalar Júnior do outro lado do campo, barrando outra revelação rubro-negra que mais tarde faria fama fora de campo: Vanderley Luxemburgo. Era o ano de 1976.




A maior parte da história a partir daí é conhecida. Integrante fundamental de uma das 10 maiores equipes de futebol já montadas, Júnior ganhou tudo e mais um pouco. Sua fama extrapolou fronteiras. Recebeu uma proposta do Real Madri, em 1981, mas a recusou porque não via sentido em deixar o maior time do mundo por uma aventura desconhecida na Europa. Só em 1984, aos 30 anos de idade, com o grande Flamengo de Zico já desmontado, é que aceitou ir pra Itália vestir o uniforme do Torino.

E poucos lembram o que aconteceu na Itália. Júnior passou a atuar de meia armador -- Maestro, como dizem os italianos --, e na primeira temporada no país levou o Torino ao vice-campeonato. Mais ainda, naquela temporada de 1984/85, o meia Júnior foi eleito pela crítica especializada italiana como o melhor jogador do país. Ora, na Itália daquele tempo atuavam Zico, Platini e Maradona [já entrando no auge de sua magnífica carreira]. Eis aí a dimensão de Júnior.

Brigado com a diretoria do Torino em 1987, partiu para o Pescara, time pequeno. Ainda assim, foi eleito o segundo melhor estrangeiro do país, deixando pra trás Maradona e Gullit. Não é pouca coisa.




Por fim, em 1989, já aos 35 anos, decidiu voltar ao Flamengo a pedido do filho, que nunca o tinha visto atuar pelo clube de coração. Bendito pedido. Júnior não apenas se despediu, ele liderou uma jovem geração rubro-negra no título carioca de 1991, e em dois nacionais, a Copa do Brasil de 1990 e o Campeonato Brasileiro de 1992. Se aposentou em meados de 1993, já com 39 anos de idade. Nunca teve uma festa de despedida. Não precisou.

Depois da aposentadoria, o Maestro ainda se aventurou como técnico do Flamengo em duas ocasiões. No carioca de 1994 e no primeiro semestre de 1997. Mas não obteve sucesso, acumulando vice-campeonatos. A cobra então mordeu o próprio rabo e o ciclo se completou: Júnior voltou à praia, se tornando o principal nome no desenvolvimento de uma nova modalidade, o Beach Soccer. Como era previsível, ganhou tudo que disputou, desde continentais a mundialitos, chegando às Copas do Mundo de futebol de areia, que conquistou por sete edições consecutivas, estabelecendo a hegemonia brasileira.




O ponto mais frágil da carreira de Júnior, e de toda sua geração, é a falta de títulos pela seleção brasileira. Ele vestiu a camisa canarinho já nas Olimpíadas de 1976, ainda como lateral direito. Depois, foi dono da esquerda por quase uma década, e o melhor de sua posição na Copa de 1982. Em 1986, foi titular do Brasil em mais uma Copa, dessa vez atuando na meia esquerda. Infelizmente não foi cogitado para a Copa de 1990, mas retornou à seleção por causa de seu desempenho no Flamengo no início da década. Até que Parreira teve uma ''conversa franca'' com o Maestro, dizendo que nunca tinha visto uma seleção de alto nível com um meio campo de 40 anos, implicando que não o convocaria para os EUA em 1994. A conversa foi determinante para a decisão de Junior de se retirar dos gramados em meados de 1993.

Dentre infindáveis taças, destaco as seguintes pelo Flamengo: o pentacampeonato da Taça Guanabara em 1978/79/80/81/82, os cariocas de 1978/79/79 especial, 1981 e 1991; a Copa do Brasil de 1990; os Brasileiros de 1980, 82/83 e 1992; a Libertadores da América em 1981; o Mundial Interclubes de 1981.




Clique nos links abaixo para ler os demais textos da série:


Laterais:


quarta-feira, 1 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Laterais: Jordan, Paulo Henrique e Murilo

Continuação da série sobre os maiores jogadores do Flamengo na minha perspectiva pessoal, porém fundamentada na história do clube. Apresento por posição e em ordem cronológica. Neste ponto, cito os grandes laterais d'O Mais Querido do Brasil.



3) JORDAN [1951/1963]





Como não reverenciar esse carioca fanático pelo Flamengo e pela Estação Primeira de Mangueira [ele foi criado no Morro]? Jordan da Costa iniciou a carreira se destacando pelo São Cristóvão e, diante de diversas propostas, escolheu a Gávea por amor à camisa preta e encarnada.




Não foi paixão passageira: antes da geração de ouro dos anos 1980, que bateu todos os recordes, o lateral-esquerdo era o jogador que mais defendeu o Manto Sagrado. Ainda hoje é o quarto atleta que mais vezes entrou em campo pelo Flamengo, com 609 jogos [atrás apenas de Júnior, Zico e Adílio].




Mané Garrincha garantia que Jordan foi seu melhor marcador [em depoimento reproduzido na biografia ''Estrela Solitária", de Ruy Castro], ainda mais respeitável porque não dava pontapés nem perdia a estribeira -- Jordan nunca foi expulso de campo. Convém lembrar que Garrincha jogava no Botafogo desde 1953, e o Flamengo teve o time dominante da cidade durante a maior parte daquela década.




Com o declínio de sua capacidade de parar o futebol magistral de Mané, de quem se tornou amigo fora dos gramados, o tempo de Jordan chegou ao fim na Gávea, já em 1963. Mas foram mais de vinte taças conquistadas, as mais importantes os campeonatos cariocas de 1953/54/55 e 1963, e o Torneio Rio São Paulo de 1961. Jordan foi convocado para a seleção brasileira mas nunca chegou a vestir a amarelinha como titular.



4) PAULO HENRIQUE [1960/1972]




Sucessor de Jordan da Costa no Flamengo, Paulo Henrique é outra das instituições d'O Mais Querido. Nascido em Macaé, foi profissionalizado na Gávea e virou dono da lateral-esquerda por toda a década de 1960, uma das mais complicadas da nossa história. Perdemos a hegemonia do Rio de Janeiro e corríamos atrás nos confrontos inter-estaduais, afundados em problemas financeiros. Paulo Henrique, no entanto, é a demonstração de que não nos faltaram grandes jogadores e ídolos naqueles tempos difíceis.



Foram 436 partidas com o Manto Sagrado, o 14º jogador que mais defendeu o futebol rubro-negro. Capitão nos títulos cariocas de 1963, 1965 e 1972, no Torneio Rio São Paulo de 1961, bem como na Taça Guanabara de 1970 e no Torneio do Povo em 1972, Paulo Henrique foi escolhido para substituir Nílton Santos na Seleção Brasileira, sendo titular do time canarinho na Copa do Mundo de 1966.




No finzinho da carreira, foi liberado de graça pelo Flamengo pra terminar a carreira no Avaí, a pedido do próprio jogador, que tinha uma dívida de gratidão com o técnico Walter Miraglia, que o havia descoberto nas divisões de base d'O Mais Querido. Como não podia deixar de ser, foi campeão catarinense.



No Flamengo, atuou com nomes como Dida, Gérson, Carlinhos, Reyes, Silva 'Batuta', Fio Maravilha, Murilo, Liminha e outros.



5) MURILO [1963/1971]




Assim como a dupla de laterais dos anos 1940, formada pelos ''médios'' Biguá e Jayme de Almeida, a dos anos 1960 também está na história e no coração dos rubro-negros, ainda que não tenhamos sido dominantes naqueles tempos por causa do caos financeiro. Já falei da importância de Paulo Henrique na lateral-esquerda. Na direita, o dono da bola era Paulo Murilo, jogador sem grande capacidade de marcação mas de extrema ofensividade -- quase um Léo Moura de seu tempo.

Carioca profissionalizado no Olaria, Murilo matou a pau nos cariocas dos primeiros anos da década até ser contratado pelo Flamengo em 1963. Rapidamente conquistou a posição e se tornou um dos mais afamados defensores do país, conquistando uma pré-convocação para a Copa de 1966 que depois não se efetivou de fato, sendo preterido por Djalma Santos e Fidélis.




Murilo é o 12º jogador com mais partidas defendendo o Manto Sagrado. São 448 jogos ao longo de nove temporadas consecutivas como titular da lateral direita. Nesse período, levantou diversas taças. As mais importantes foram os campeonatos cariocas de 1963, 1965 e a Taça Guanabara de 1970. Depois de sair da Gávea, fez sucesso no futebol Piauiense, jogando pelo Tiradentes e pelo River.

Murilo era um dos ídolos de infância de Eduardo Bandeira de Mello, Presidente que esteve à frente de uma revolução administrativa e profissional que adequou o Flamengo aos tempos atuais.