quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os 30 maiores tenistas da Era Aberta

No início do ano eu havia chamado a atenção no meu blog para o aniversário de cinquenta anos da ''Era Aberta'' do tennis. E havia prometido uma lista com os 30 maiores tenistas masculinos da ''Era Aberta''. Acabei não publicando a lista naquele espaço, mas vou fazê-la rapidamente aqui.

Antes, explico rapidamente, pr'aquela meia dúzia que me lê mas que não tem essa informação, a que se refere exatamente a ''Era Aberta''.

Ora, assim como os demais esportes -- com uma ou outra exceção -- o tennis passou por um período de profissionalização. Até os anos 1940, ele era principalmente um jogo de cavalheiros e damas que o disputavam por amor; isto é, era uma competição amadora.

Mas o aburguesamento de todas as esferas da vida chegou ao desporto e ao tennis nos anos 1950, e grandes tenistas foram sendo cada vez mais contratados por empresários que construíam torneios em que eles pudessem atuar.

A Federação Internacional de Tenis [ITF], que ainda trazia o complemento ''de grama'' no seu nome, era contrária à profissionalização. A ela eram vinculadas as federações nacionais, quatro das quais eram responsáveis pelos ''majors'', os torneios mais importantes do calendário, aqueles que todo fã do esporte dos reis sonha em acompanhar, ver e que os tenistas todos querem participar. Sendo contrária ao abandono do amadorismo, a ITF bania todos dos majors todos os jogadores que competissem por dinheiro.

Aqueles tenistas que decidiam partir para os circuitos de torneios dos empresários tinham de abrir mão do sonho de jogar Wimbledon, Roland Garros, o Grand Slam austrliano e norte americano. Só que, com o avançar da década de 1950 era justamente isso o que acabava acontecendo. Nos anos 1960, o circuito profissional de torneios se tornou mais forte do que o amador. Grandes lendas do esporte acabavam impedidas de participar dos Grand Slams, e os nomes de Rod Laver e Ken Rosewall são dois dos mais contundentes exemplos.

Até que a ITF abriu mão de sua oposição à profissionalização. Os majors foram ''abertos aos profissionais'' em 1968. O primeiro Grand Slam da nova era, a ''Era Aberta'', foi Roland Garros, que viu uma final australiana em que Ken Rosewall, que não atuava em majors desde 1956, venceu Rod Laver, que não entrava em quadra em um Grand Slam desde 1962.

De lá para cá muita coisa mudou no tennis. Em 1972, os jogadores e donos de alguns dos torneios mais renomados criaram a Associação dos Tenistas Profissionais [ATP], um misto de sindicato e empresa que, com o apoio dos principais profissionais do ramo, se tornou dona de um reputado circuito de competições. No fim dos anos 1980, a ATP praticamente monopolizou o circuito de tennis profissional.

A ITF cuida dos torneios amadores das Federações, disputados cada vez mais por juvenis desejosos de, em determinado ponto da carreira, adentrarem para o circuito de profissionais da ATP. A única exceção são justamente os majors, os quatro ''torneios maiores'', vinculados à ITF, mas que continuam a ser o grande sonho de todos os tenistas, de modo que fazem parte também do calendário da ATP.

Quando dizemos ''Era Aberta'', portanto, nos referimos a esse período iniciado em 1968 e que corresponde à completa profissionalização do tennis, um processo que no futebol, só pra efeito de comparação, ocorreu na Europa Ocidental e na América do Sul nos anos 1930.

O critério para fazer parte da lista dos 30 maiores é ter atuado na ''Era Aberta''. Pode até ser um grande campeão cuja carreira foi realizada nos anos 1950 e 1960, mas ele tem de ter competido e vencido durante o período descrito acima pra entrar no balaio.

Abaixo, o meu top 30 de maiores tenistas da Era Aberta.



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Os 30 maiores tenistas da Era Aberta:
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1 .Rod Laver
2. Roger Federer
3. Pete Sampras
4. Bjorn Borg
5. Rafael Nadal
6. Ken Rosewall
7. Novak Djokovic
8. Ivan Lendl
9. John McEnroe
10. Jimmy Connors
11. Andre Agassi
12. Boris Becker
13. Stefan Edberg
14. John Newcombe
15. Mats Wilander
16. Guillermo Vilas
17. Jim Courier
18. Andy Murray
19. Ilie Nastase
20. Arthur Ashe
21. Lleyton Hewitt
22. Gustavo Kuerten
23. Stan Smith
24. Yevgeny Kafelnikov
25. Patrick Rafter
26. Marat Safin
27. Stanilas Wawrinka
29. Andy Roddick
28. Jan Kodes
30. Thomas Muster

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

O REINO DOS BOZÓS, OU: O QUE ESPERAR DO GOVERNO BOLSONARO? -- Parte III: Geopolítica, Forças Armadas e o círculo ianque-sionista


Terceira parte da comunicação de André Luiz V.B.T. dos Reis, membro da Organização Popular -- Nova Resistência, em evento organizado com a Mobilização Islâmica, no Rio de Janeiro, dia 29 de novembro de 2018


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PARTE III: GEOPOLÍTICA, FORÇAS ARMADAS E O CÍRCULO IANQUE-SIONISTA



Adentrando um pouco mais no palácio que vai nos conduzir ao coração do Reino de Bolsonaro, temos um terceiro campo ocupado principalmente por parte da alta cúpula das Forças Armadas. Desde o início da crise que se abateu no país a partir de 2013, alguns generais passaram a se pronunciar mais ativamente. Passaram a fazer declarações sobre a política do dia. Algumas delas foram de tanto peso que chegaram a ser lidas como uma tentativa de tutelar a República. Alguns percebem na recente emergência dessas figuras do alto escalão do Exército uma busca por manipulação dos setores políticos. Exageram e chegam a dizer que se trata de um retorno das Forças Armadas ao poder.

Não chega a tanto. Mas é verdade que certa corrente do generalato resolveu intervir no processo político. A principal característica dessa corrente, que parece ser heterogênea, pode ser vista em sua figura mais famosa, o vice-presidente eleito Hamilton Mourão.

Hamilton Mourão entrou definitivamente no debate nacional no ano passado, quando um trecho de uma palestra do general em uma Loja Maçônica em Brasília vazou para as redes sociais. É provável que esse vazamento tenha sido intencional. Outros generais assistiam a palestra de Mourão, conferida em um lugar politicamente simbólico para a História da República e de suas conexões com agências políticas anglo-saxãs, a Maçonaria.

Na palestra, que mais tarde foi disponibilizada por inteira no Youtube, Mourão pregava um choque de liberalismo no Brasil em todos os âmbitos. O general defendia uma americanização das instituições brasileiras e criticava as matrizes étnico-culturais formadoras do nosso povo e cultura.  Segundo ele, as heranças lusitana, indígena e africana impediam nosso “progresso”. Um discurso, nesse ponto, semelhante ao realizado pelo procurador Daltan Dallagnol, da Força Tarefa da Operação Lava Jato, que em 2016 tentou explicar a corrupção brasileira pelo tipo de colonização empreendido entre nós pelos portugueses, por contraste aos “verdadeiros cristãos” que haviam colonizado os Estados Unidos da América.

O General Hamilton Mourão defendeu em palestra na Maçonaria que o Brasil passasse por um choque de liberalismo e que se modelasse segundo a cultura dos EUA



Notem mais uma vez a teia que une esses personagens aparentemente tão diferentes. Ambos fazem do modelo americano, de sua cultura e sociedade, o ideal em que o Brasil deveria se espelhar. Há um mesmo ímpeto por trás dos dois discursos, a procura pela americanização do Brasil em todos os níveis. Recentemente, o Vice-Presidente eleito mostrou ter orgulho do neto porque ele seria bonito, seria uma demonstração de “embranquecimento da raça”. Mourão é gaúcho, mas filho de amazonenses, e tem nítido fenótipo indígena. É óbvio que há aí um complexo de vira-latas que voltou a se manifestar em boa parte da elite política e da classe média tradicional.

Eis aí outra marca do governo Bolsonaro, indispensável para que consigamos entendê-lo: ele carrega na testa a marca do “vira-latismo”, do desprezo pelas próprias raízes étnicas e culturais, o desejo ressentido de emular os estadunidenses, de fazer parte do Ocidente. Esse complexo de “vira-latas” não é só um projeto político, ele trabalha até mesmo no inconsciente dos grupos que dão sustentabilidade ao novo governo. É uma disposição psicológica, que é discernível até no Presidente eleito. Uma falta de auto-estima, um complexo de “inferioridade”, o “complexo do bilau pequeno”.

Por outro lado, a corrente das Forças Armadas que resolveu embarcar na canoa do governo Bolsonaro parece possuir zelo pelos interesses estratégicos do país. Essa corrente aparentemente considera a política externa dos governos petistas deletéria. Diante do acirramento do conflito geopolítico a que já me referi, eles preferem um alinhamento com os Estados Unidos.

A política externa brasileira durante o governo Lula possuía traços contra-hegemônicos. Era uma política que tendia a pautas multipolares e a uma desvinculação do projeto globalista americano. Os generais parecem estar entre aqueles que julgam essa multipolaridade inviável, e entre a China e os Estados Unidos preferem uma aliança com este último sem considerar viável qualquer outra alternativa.

Estes generais foram atraídos para a candidatura Jair Bolsonaro por causa desses interesses estratégicos no setor de defesa nacional. É uma aliança de natureza geopolítica permeada pela mesma tendência de americanização. Em outros temas, os generais parecem discordar. A visão econômica deles não é clara.

Embora não tenham a perspectiva nacionalista e estatista, quase que autossuficiente, das Forças Armadas dos anos 1970, os generais que participam da canoa Bolsonaro tem apego por uma visão estratégica de certas áreas da economia e das instituições brasileiras. Há um enorme potencial de estranhamentos entre a visão militar e a de Paulo Guedes, por exemplo. E podem ocorrer, inclusive, embates e estranhamentos entre a visão desses generais e certos aspectos da política externa pretendida por setores mais neoconservadores e sionistas do novo governo.

E chegamos aqui no campo mais estreito e próximo do Presidente eleito, aquele que inclui até seu âmbito familiar, que mora dentro da própria residência de Bolsonaro. Esse campo possui uma visão ainda mais radical do alinhamento necessário com os Estados Unidos.  É uma corrente vinculada mais a relações de ordem pessoal do que a razões de Estado, bases sociais ou organizações político-partidárias. Trata-se de um conjunto de relações cuja influência atinge principalmente os filhos de Bolsonaro. Esse campo de orientação do novo governo poderia ser chamado de “olavético”, por causa do papel determinante que Olavo de Carvalho exerce nele. Mas, dentre outras coisas, Olavo de Carvalho é um agente de desinformação neoconservador e sionista. Por isso prefiro denominar esse círculo de “campo ianque-sionista”.

Olavo de Carvalho não pode ser subestimado. Suas ideias se difundem em quase todos os demais grupos citados até aqui. Sua presença se faz sentir entre lideranças evangélicas, oficiais militares, forças de segurança, organizações de propaganda liberal. Ele construiu uma narrativa que associou os adversários do neoconservadorismo e do sionismo ao marxismo e o comunismo, pelo menos no discurso público. Todos os adversários do “ianque-sionismo” se tornaram parte de uma conspiração comunista, agentes do “marxismo cultural”, assim diz Olavo de Carvalho e repetem seus adeptos. Ora, o cerne político da proposta “olavética” consiste em uma aliança radical do Brasil com o sionismo internacional e com o projeto neoconservador de novo século americano.

O círculo influenciado por Olavo de Carvalho, e cujo centro receptivo nas pessoas próximas a Bolsonaro é formado principalmente por seus filhos, foi responsável pela escolha de Ernesto Araújo como futuro Ministro das Relações Exteriores.

Ernesto Araújo considera Trump o salvador do “Ocidente judaico-cristão”, uma expressão usada pelos neoconservadores e sionistas na defesa da estratégia nacional americana. A ideia é fazer com que o Brasil se perceba parte da “civilização judaico-cristã”, que se encontraria em uma luta de vida e morte contra outras civilizações.

A proposta de Olavo de Carvalho, dos filhos de Bolsonaro e do futuro Ministro Ernesto Araújo vai muito além de um realinhamento estratégico com os Estados Unidos, tal como desejado pelos generais. O Brasil já se alinhou outras vezes com os americanos. Esse alinhamento é prejudicial, tem um caráter negativo, pois obstaculiza o escopo de uma ordem multipolar. Mas por si só ele não representa uma nulificação completa da voz brasileira no sistema internacional.

Jair Bozó em encontro com Netanyahu, primeiro ministro israelense, em sinagoga em Copacabana, Rio de Janeiro

A proposta desse grupo ianque-sionista é muito mais radical, trata-se da submissão completa e total do Brasil ao projeto “ocidentalizante”. O atual governo americano tem atacado os instrumentos multilaterais da ordem liberal internacional. Ele pensa que essas organizações favorecem mais a China e a Rússia do que aos Estados Unidos. A estratégia de Trump se explica, em parte, pelos interesses estratégicos de seu país.

O vetor ianque-sionista que conquistou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil faz o contrário. Não apenas se afasta de um projeto multipolar ao se realinhar estrategicamente com os Estados Unidos. Vai muito além, propondo a demolição da tradição diplomática brasileira e o abandono dos nossos interesses estratégicos de longo prazo.

Existem três exemplos da guinada histórica que o governo Jair Bolsonaro ameaça dar em nossas relações exteriores. Em primeiro lugar, a questão venezuelana. Os Estados Unidos pretendem afastar a Venezuela de Rússia e China. Para isso precisam derrubar o Presidente Nicolas Maduro e o atual regime bolivariano. Não é uma tarefa simples, já que Maduro possui apoio das Forças Armadas de seu país. O Brasil teria sido escolhido pelos americanos como elemento chave na nova etapa de pressão ianque contra o governo da Venezuela. É provável que essa pressão se dê por meio de mecanismos comerciais e diplomáticos. Mas fala-se, inclusive, na possibilidade do envolvimento de uma missão de paz da ONU caso o cenário venezuelano descambe para uma guerra civil.

Ora, guerras civis podem ser plantadas pelos Estados Unidos, como fomos testemunhas em outros casos. Se a situação chegar a esse ponto, o Brasil seria escolhido para liderar uma missão de paz no país vizinho.

Seria uma mudança cabal da relação brasileira com a América do Sul, e do papel tradicional de mediação que exercemos. Deixaríamos qualquer equidistância para nos tornamos intermediários, garotos de recados dos interesses estadunidenses entre nossos vizinhos. Abandonaríamos o princípio de que não devemos intervir nos assuntos internos de outros países nem trazer guerras de grandes potências para perto de nossas fronteiras.

O segundo e o terceiro exemplos são tão graves quanto, e estão interligados. Bolsonaro, tanto o pai quanto os filhos, declararam que pretendem mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, reconhecendo a cidade como capital do Estado sionista. Caso essa decisão fosse tomada, o Brasil jogaria na lixeira sua tradição diplomática de defesa da solução de dois Estados paro o conflito árabe-israelense. Nós apoiamos o status internacional de Jerusalém em 1947, e depois da divisão da cidade santa entre israelenses e jordanianos, mantivemos a posição de esperar um acordo final entre o Estado sionista e os palestinos a fim de decidir sobre a situação.

O Brasil possui um grande contingente de descendentes de árabes e uma longa história de amizade com o povo palestino. Além de atentar contra uma ordem multipolar, além de perpetrar uma injustiça, a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém faria terra arrasada dos trabalhos da política externa brasileira nesse tema central para o sistema internacional.

A trágica decisão nos colocaria também na contramão do que vem fazendo o restante do mundo, já que mesmo países alinhados a Israel evitaram esse passo catastrófico. As recentes ações do Estado sionista vem minando a legitimidade de Israel até mesmo na Europa. Para que se tenha ideia da gravidade da medida, somente dois países mantém suas embaixadas em Jerusalém: os Estados Unidos e a Guatemala -- O Paraguai voltou atrás. Com todo o respeito a nossos irmãos guatemaltecos, devemos perguntar se essa absurdidade tornaria a inserção brasileira no sistema internacional mais parecida com a dos Estados Unidos, ou com a da Guatemala, pelo menos na medida de nossa autonomia e pode relativos.

Não existem razões de Estado que justifiquem essa medida catastrófica. O que existem são veleidades ideológicas contrárias aos interesses brasileiros. O mundo muçulmano, não custa lembrar, é o destino de mais 40% das nossas exportações de carne e frango. O Brasil sofreria retaliações e tenderia a perder esse mercado, pelo menos em médio prazo.

Ora, o campo ianque-sionista que ameaça dominar a nossa política externa elaborou um plano maluco para amenizar esse problema. Na cabeça de Bolsonaro, tanto pai quanto filhos, a grave ofensa da mudança da embaixada seria resolvida com uma “compensação aos muçulmanos sunitas”. O Brasil aderiria à pressão que os Estados Unidos estão fazendo contra o programa nuclear do Irã.

Os Estados Unidos estão ignorando o acordo nuclear construído em 2015, e restabelecendo sanções contra o Irã. Ora, existe sentença da Corte Internacional de Justiça que proíbe os estadunidenses de reeditarem essas sanções, mas ela vem sendo ignorada por Trump. O governo Trump vem ignorando o Conselho de Segurança, a Rússia, a China, a União Européia, além da Agência Internacional de Energia Atômica, que garantem que o Irã vem cumprindo rigorosamente sua parte no acordo.
Ernesto Araújo, o Ministro das Relações Exteriores escolhido a dedo pelo agente ianque-sionista Olavo de Carvalho

É importante lembrar que o Brasil, junto com a Turquia, antecipou o acordo de 2015. Cinco anos antes, o governo do então Presidente Lula colocou o Brasil no centro da política internacional ao mediar um acordo de enriquecimento de Urânio no exterior com Teerã. Aquele momento foi celebrado como a afirmação da voz e do protagonismo da nossa diplomacia. Se o vetor ianque-sionista levar o Brasil a aderir à pressão que Trump pretende realizar contra o Irã, estará jogando fora essa voz e esse protagonismo, e dando um bico em nossa História.

Mais uma vez, além de atentar contra uma ordem multipolar, além de apequenar o Brasil no sistema internacional, essa decisão tresloucada estaria em oposição contra os mais básicos interesses estratégicos brasileiros. Temos a tradição de estar no centro da discussão sobre a proliferação da tecnologia nuclear, e isso desde os anos 1970. Igualmente, também é do nosso interesse direto a proliferação da tecnologia de mísseis, que também é alvo das acusações de Trump.

Essas propostas do campo ianque-sionista desagradam, certamente, correntes poderosas dentro do Itamaraty, e também não estão em consonância com o que pensam os generais das Forças Armadas, principalmente por causa dos interesses estratégicos na Defesa Nacional. O próprio general Hamilton Mourão tem se declarado a favor da continuidade do programa nuclear brasileiro.

Mas o círculo de poder ianque-sionista é próximo demais ao Presidente eleito. Como eu disse antes, essa teia de relações neoconservadoras, liberais e sionistas que qualifiquei de “olavéticas”, atinge de modo direto a própria intimidade de Jair Bolsonaro, e se espraia, ainda que de modo difuso, por grande parte dos demais grupos que se agregaram à candidatura que saiu vitoriosa nas eleições desse ano.

O vetor ianque-sionista, que ameaça fazer terra arrasada da diplomacia brasileira tornar nula qualquer estatura possível do nosso país no sistema internacional, representa a síntese das ameaças que nos aguardam no futuro governo Bolsonaro. É o verdadeiro núcleo do conjunto de políticas que nos aguarda a partir do ano que vem.

Muito mais poderia ser dito aqui. Mas eu pretendo terminar com essas reflexões graves, frisando mais uma vez que estamos vivendo tempos capitais para o nosso país. É um momento em que estamos sendo alvos diretos do mais audacioso projeto de ocidentalização por que já passamos. Podemos esperar do governo Bolsonaro um cenário de lutas. Mas que outro cenário poderíamos pedir, nós que ansiamos lutar pelo bem de nosso povo e de nossa Pátria?



por André Luiz V. B. T. dos Reis

O REINO DOS BOZÓS, OU: O QUE ESPERAR DO GOVERNO BOLSONARO? -- Parte II: o campo neoliberal e a base social conservadora-popular


Segunda parte da comunicação de André Luiz V.B.T. dos Reis, membro da Organização Popular -- Nova Resistência, em evento organizado com a Mobilização Islâmica, no Rio de Janeiro, dia 29 de novembro de 2018


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PARTE II - O CAMPO NEOLIBERAL E A BASE SOCIAL CONSERVADORA-POPULAR





A destruição do sistema de poder dominante permitiu que as forças neoliberais e filo-americanas se reagrupassem em torno de um candidato popular, um político que soube manipular a ojeriza moral que a maior parte da população brasileira sentia pela agenda progressista e cosmopolita incentivada por PT e PSDB.

Jair Bolsonaro vinha construindo sua imagem contra a militância LGBT. Orientado também pelos filhos, ele pôde se aproximar de lideranças liberais, evangélicas e sionistas, se tornando apto para atrair para sua candidatura as organizações interessadas em uma reorientação do Brasil nesse cenário internacional cada vez mais minado.

Para que compreendamos o próximo governo Jair Bolsonaro é fundamental vê-lo em larga medida como uma continuidade da agência internacional e nacional interessada em um realinhamento estratégico da geopolítica brasileira, uma americanização de nossa sociedade e um choque liberal em nossas instituições e economia.

Ressalto, no entanto, que essas forças se aglutinaram em torno da candidatura Jair Bolsonaro, mas não se confundem inteiramente com ela. Se podemos afirmar que o sucesso do próximo governo representaria uma vitória considerável para essa agenda que eu considero anti-nacional, não podemos, no entanto, afirmar que o fracasso do governo redundaria em sua derrota.

Os grupos em torno de Bolsonaro podem muito bem usar as possíveis falhas do Presidente eleito para fazerem avançar a proposta filo-americana em torno de algum novo nome. Essa é uma possibilidade aberta. Não é impossível supor uma futura candidatura de Sérgio Moro, de João Dória ou outro elemento passível de ser instrumentalizado e capaz de instrumentalizar as mesmas forças.

Na minha leitura, o governo de Bolsonaro é uma fase do projeto anti-nacional pela americanização e liberalização, leia-se: pela ocidentalização da sociedade brasileira. Uma ocidentalização que vinha sendo levada a efeito a passos de formiga pelo PT e pelo PSDB, mas cuja marcha poderá se acelerar no próximo mandato presidencial.

Mas, pela natureza do processo de derrubada do sistema até então vigente, essas forças “ocidentalizantes” não consolidaram sua hegemonia. Elas possuem contradições internas, contradições umas com as outras e também contradições com sua própria base social. Esses pontos de conflito lançam dúvidas sobre sua possibilidade de sucesso, pelo menos a curto ou médio prazo.

Vou falar sobre os riscos dos próximos anos por meio de uma rápida análise das orientações e campos que disputam espaço no novo governo. Esses campos são formados por grupos que interseccionam e se friccionam em alguma medida. Os encontros e desencontros entre os grupos que participam desses campos podem impulsionar a popularidade ou, pelo contrário, paralisar a ação do governo.

Além disso, esses campos são de certa forma mais ou menos essenciais para o sentido final do governo Jair Bolsonaro. Eles representam, de certa maneira, círculos mais ou menos concêntricos em torno do Presidente eleito. Eles estão ligados ao Presidente eleito por laços orgânicos.

Vamos imaginar então que estejamos entrando num palácio, na casa em que vive o nosso futuro governante. Vamos conhecer essa casa, partindo do seu exterior até atingirmos cômodos mais internos, aqueles em que Bolsonaro se sente mais à vontade, em que ele abre seu coração.

O primeiro campo, que representa o círculo mais exterior, é o econômico.  Jair Bolsonaro propôs uma aliança com o mercado financeiro. Essa aliança se tornou factível por causa do peso do nome de Paulo Guedes. A perspectiva econômica de Bolsonaro sempre criou desconfiança nos agentes do sistema financeiro, que a consideravam herdeira do nacionalismo estatista militar.

Paulo Guedes, pelo contrário, é um legítimo representante da escola de Chicago e prometeu, durante a campanha, uma ação ultra-liberal por parte do novo governo. O futuro super-ministro da economia é um dos pilares do governo Bolsonaro. Ele chegou a prometer o inexequível, como a privatização de todas as estatais e de todo imobiliário da União. Era um modo que encontrou de enfatizar o compromisso com o choque neoliberal.


O planejamento econômico de Paulo Guedes passa pela aposta na diminuição do Estado, com venda de estatais, controle de gastos públicos e redução dos cargos comissionados. Existe o objetivo de realizar uma abertura comercial também, com a leitura de que, de alguma maneira, se aumentaria a competitividade da indústria e se diminuiria os preços para a população. Paulo Guedes propõe também uma forte redução da carga tributária, acompanha de reformas institucionais importantes. Para levar adiante esse plano neoliberal, ele montou uma equipe coesa e afinada com seu discurso e unificou ministérios sob seu comando.

Para manter a lua de mel com o “mercado”, o governo Jair Bolsonaro terá de mostrar sua capacidade de executar uma Reforma da Previdência que satisfaça a exigência dos agentes financeiros por ajuste fiscal e por diminuição do Estado. Era desejo de Guedes estabelecer uma Previdência residual e substituir o sistema atual pelo de capitalização, entregando a aposentadoria dos trabalhadores nas mãos dos rentistas. A menina dos olhos do super-ministro da economia a esse respeito é o Chile. Mas a proposta parece impossível de ser adotada.

Para realizar uma Reforma da Previdência ao gosto do choque neoliberal, o governo Jair Bolsonaro teria de gastar uma enorme parte de seu capital político. Teria de demonstrar também imensa capacidade de articulação. E eis aqui um dos motivos de maior desconfiança nas possibilidades do Presidente eleito. O grupo que se encontra no poder é inexperiente nas lidas político-partidárias. Ele ainda tem de encontrar os meios que lhes permitam negociar a contento com o Congresso. Não se sabe até que ponto Jair Bolsonaro é capaz da composição de um arco de alianças sólido.

O próprio Paulo Guedes é um novato na gestão pública. Ele é reconhecidamente um bom estrategista de mercado, mas não parece ter vocação para as operações diárias. Nunca se destacou como executor de planos. Nunca participou da administração de um governo. O acúmulo de áreas da máquina pública nas mãos de Paulo Guedes pode vir a ser menos um sinal de força do super-ministro do que de fragilidade do próximo governo. Se Paulo Guedes não demonstrar competência na gestão da máquina, pode acabar paralisando a área econômica e levando à derrocada do governo.

Outro complicador é o fato de boa parte da base partidária de Bolsonaro ser oriunda do serviço público. Ela possui larga influência de setores do judiciário, das polícias e das forças armadas, que respondem por uma proporção considerável do suposto déficit da Previdência. Para impor uma reforma satisfatória para o “mercado”, Bolsonaro teria de contrariar interesses bastante arraigados em sua própria base política, o que está longe de ser fácil. Contradições como essa foram responsáveis pelo descrédito do governo PT, incapaz de um equilíbrio entre sua agenda neoliberal e as expectativas dos sindicatos e do funcionalismo dos quais dependia eleitoralmente.

Se o campo econômico não apresentar uma Reforma da Previdência convincente para o “mercado”, a lua de mel vai acabar muito rapidamente.  A “confiança” dos investidores vai se esvair, e já no início do segundo semestre do próximo ano teremos uma piora considerável nas expectativas econômicas.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao programa de privatizações que Paulo Guedes prometeu executar. Peças importantes na base política de Bolsonaro, dentre elas alguns generais associados ao novo governo, já manifestaram sua oposição à venda de algumas empresas. Paulo Guedes vai ter grande dificuldade de apaziguar o sistema financeiro nesse terreno.

Poderá extinguir ou vender empresas e agências públicas sem grande lucratividade ou abrir concessões privadas em algumas áreas, mas é improvável que atraia investimentos capazes de apontar para uma redução do déficit público com esse tipo de medida. A redução dos cargos comissionados pode também comprometer a eficiência da máquina pública, gerar forte resistência da burocracia, e afetar a qualidade da gestão.

Existe também um descontentamento de setores econômicos importantes com a retórica de Paulo Guedes. A Fiesp tentou deixar a indústria de fora do super-ministério colocado nas mãos do “Chicago Boy”. Os industriais investiram na candidatura de Bolsonaro por causa das promessas de diminuição dos encargos trabalhistas. Mas já perceberam que essa direção do governo não está lá tão garantida. Eles podem ter caído no canto de uma sereia, que lhes mentiu sobre menores impostos mas que promete abrir violentamente o mercado brasileiro para os importados. A indústria brasileira, que vem sofrendo com a arquitetura neoliberal da economia, depende fortemente do protecionismo econômico e do Mercosul, que responde por boa parte de nossa venda de manufaturados.

Se realizar de fato uma abertura comercial, Paulo Guedes pode vir a dar o tiro de misericórdia nos setores industriais sem, no entanto, gerar benefícios concretos para a população. Benéfica ou não, o Brasil perdeu o barco da abertura comercial. O mundo entrou numa era de guerra comercial e de protecionismo. A abertura comercial pode destruir a indústria, fazendo com a que a Fiesp pague o pato. Mas promete também colocar o Brasil na contramão do que está sendo realizado pelas principais potências, inclusive o governo de Trump, que inspira os sonhos de Bolsonaro.

O segundo campo, um pouco mais próximo das raízes do pensamento de Bolsonaro, reúne os agrupamentos que representam, em algum grau, a base social popular responsável pela vitória do candidato do PSL. A imprensa se refere a eles por meio dos apelidos de “bancadas da bala”, “da Bíblia” etc. Esses setores foram atraídos por causa da militância de Bolsonaro contra as pautas identitárias que chamo de pós-modernas, como é o caso do lobby LGBT, e por sua defesa de pautas consideradas importante pela moralidade do “homem comum”. São evangélicos, anti-feministas, opositores do chamado “gayzismo”, representantes em graus variados do conservadorismo moral da população. Também fazem parte desse campo os agentes de tendência liberal que identificam essas pautas identitárias com uma suposta doutrinação comunista ou esquerdista realizada nas escolas e nas universidades. São também propositores de um endurecimento da legislação penal e do combate incisivo contra a criminalidade nas grandes cidades, além da derrubada do Estatuto do Desarmamento, que restringe fortemente a posse e o porte de armas no país.


Esse vetor é um dos mais importantes para a manutenção da popularidade imediata do Presidente eleito. É provável que Bolsonaro invista imediatamente nessa direção como forma de compensar a pauta impopular da Reforma da Previdência. Seria uma maneira de manter sua militância inflamada nas redes sociais. O confronto contra a comunidade acadêmica, a patrulha de professores no ensino de base, a redução da maioridade penal, mudanças no regime penitenciário, atendimento das reivindicações das lideranças religiosas e outras medidas serão usadas como forma de mobilizar essa base eleitoral.

Existe um grande potencial pra Bolsonaro nesse terreno. Se ele for competente na manutenção de determinadas promessas feitas às classes populares, pode garantir ao governo fôlego mesmo se fracassar em outras áreas. Embora a mobilização desses grupos supra-partidários não garanta a governabilidade do dia a dia, ela é a verdadeira teia de ligação de Bolsonaro com sua massa, quando o encaramos como um líder popular.

Sérgio Moro, que se tornou herói popular por conta de sua agência anti-corrupção, pode ser um grande aliado de Bolsonaro nesse campo. A República de Curitiba chegou ao poder nesse governo, e pode continuar usando o aparato da Polícia Federal e do Ministério Público para preencher as manchetes de notícias de caça a corruptos, principalmente adversários políticos. A oposição petista deve continuar sofrendo e sangrando com Sérgio Moro no Ministério da Justiça, para dar um exemplo.

Se Bolsonaro investir nessa direção, deve gerar conflitos tanto com a comunidade acadêmica quanto com gangues criminosas que dominam os presídios e favelas do país. Esses conflitos podem paralisar o governo, se ele se intimidar ou não demonstrar competência para sustá-los ou no mínimo gerenciá-los; mas podem também aumentar a popularidade do governo, angariando apoio da população para medidas autoritárias. Imaginemos um conjunto de rebeliões do PCC e do CV no sistema penitenciário.  O capital político do governo pode derreter diante das críticas, do medo e da hesitação; mas pode se fortalecer se a população comprar uma narrativa de guerra, de “vai ou racha”, e vislumbrar em Bolsonaro uma disposição de enfrentamento.

É bom repetir, no entanto, que essa mobilização de suas bases sociais e das bancadas que as representam não resolve o problema da governabilidade. Uma das promessas que Bolsonaro parece querer cumprir é a de não lotear os cargos públicos. Ele quer o fim do presidencialismo de coalizão consolidado no país por Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e que consiste no “toma-lá, dá-cá”. Ou seja, troca de votos no Congresso por redes clientelistas na máquina pública. A mudança no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo foi vendida durante a campanha como um meio de combate contra o sistema corrupto que teria se apoderado da Nova República.

Falamos aqui de um tema importante para a base social e popular de Jair Bolsonaro, e ao mesmo tempo uma provável fonte de dores de cabeça para o novo governo. Só três presidentes tentaram mudar seriamente o padrão de relacionamento com o Parlamento vigente na Nova República. O primeiro foi Fernando Collor de Mello, que pagou a ousadia com um impeachment. O segundo foi o primeiro governo de Lula, que em vez de cargos estabeleceu uma mesada para congressistas – o famoso Mensalão --, e por isso quase chegou ao fim ainda no segundo ano de seu mandato. O terceiro foi Dilma Roussef, que brigada com Eduardo Cunha e com o “Centrão” não conseguiu sequer um terço de votos na Câmara para colocar fim ao processo de impeachment que vinha sofrendo.

Bolsonaro promete contornar essa questão apelando para uma espécie de “política dos governadores”. Sabendo que os Estados estão falidos, que quase todos eles precisam renegociar dívidas com a União, o Presidente eleito pretende trocar apoio a essas demandas por votos das bancadas estaduais no Congresso. Essa nova política dos governadores pode vir a funcionar no início do próximo ano, quando os novos eleitos vão estar com o pires na mão e o Presidente no ápice de sua popularidade. A partir do segundo semestre, porém, pode se tornar um mecanismo insuficiente para garantir a governabilidade, jogando o governo mais uma vez em uma encruzilhada.


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O REINO DOS BOZÓS, OU: O QUE ESPERAR DO GOVERNO BOLSONARO? -- parte I: A crise da Nova República paulistocêntrica

Comunicação de André Luiz V.B.T. dos Reis, membro da Organização Popular -- Nova Resistência, em evento organizado com a Mobilização Islâmica, no Rio de Janeiro, dia 29 de novembro de 2018


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PARTE I - A CRISE DA NOVA REPÚBLICA ''PAULISTOCÊNTRICA''




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Caros camaradas,

Muitos de nós se surpreenderam com a maneira como o processo eleitoral desse ano se desenrolou. Há pouco mais de um ano, as possibilidades de Bolsonaro vencer o pleito não pareciam tão grandes. Não que àquela altura ele já não demonstrasse competitividade ou uma base eleitoral cada vez mais sólida. Mas existiam obstáculos até então considerados insuperáveis para o sucesso da candidatura de Bolsonaro ou de qualquer outro pretendente.

Por exemplo:

As expressões retóricas algo caricatas e em desacordo com os padrões de moralidade e costumes veiculados pela grande mídia; a predileção do sistema financeiro – aquele conjunto de agentes ao qual costumamos nos referir, de maneira um tanto impessoal, como “o mercado” --, a predileção do sistema financeiro, dizia eu, por outros candidatos, como era o caso do representante da direita centro-liberal Geraldo Alckmin, partido preferido dos grandes grupos econômicos sediados em São Paulo, ou ainda Marina Silva – candidata social-liberal que apresentava uma equipe econômica recheada de nomes fortes no governo de Fernando Henrique Cardoso; a ausência de uma máquina partidária poderosa capaz de angariar palanques e votos nas periferias das grandes metrópoles ou nas cidades do interior; e a escassez de tempo no rádio e na TV, considerados essenciais em uma campanha que prometia ser curta.

Todos esses empecilhos aparentemente intransponíveis foram vencidos de modo impressionante. Bolsonaro venceu sem precisar nem mesmo fazer campanha, impossibilitado que estava pela facada recebida em Juiz de Fora.

Como isso foi possível?

As condições indicam um afrouxamento dos mecanismos que até então mantinham o processo democrático sob o controle de grupos que costumo chamar de “paulistocêntricos”. Durante a existência da Nova República, houve um domínio dos grupos intelectuais, midiáticos, econômicos e sociais cuja base de difusão é a capital paulista. Os dois principais representantes dessas forças no sistema partidário eram o PSDB e o PT, que polarizavam as eleições presidenciais desde 1994.

Essa polarização e as diferenças entre PT e PSDB em alguns âmbitos não afetavam a convergência de fundo. Os dois partidos manifestavam um consenso mais amplo cujas principais forças tinham São Paulo por base. As divergências, por importantes que pudessem parecer, não pareciam arranhar os fundamentos básicos do sistema político hegemônico.

Leonel Brizola, líder trabalhista herdeiro do getulismo, já apontava para a coincidência do projeto de PT e PSDB ainda em 1994, em um momento em que poucos de nós enxergavam a semelhança estrutural da perspectiva dos dois partidos. Em entrevista ao programa Roda Viva naquele ano, Brizola declarou que Lula e Fernando Henrique estavam se acotovelando para poderem realizar o mesmíssimo programa neoliberal. Houve quem se assustasse com esse veredito. Afinal, tratava-se de um partido social democrata com uma ala desenvolvimentista poderosa, e de um partido trabalhista tido por muitos como socialista. Como podiam ser chamados de neoliberais?  Brizola explicava de maneira sucinta:  “Lula vem por baixo, Fernando Henrique vem por cima”, mas os dois tem o mesmo desenho: “quando chega nos PhDs, todos ficam iguais”.

O líder pedetista chamava atenção para a uniformidade básica de pensamento dos intelectuais que conduziam os dois partidos hegemônicos. Eram acadêmicos da USP, talhados na sociologia de Sérgio Buarque de Hollanda e em teorias de desenvolvimento econômico dependente; influenciados pela esquerda social-liberal europeia e com sua agenda de apoio a identidades pós-modernas [que é como chamo o movimento feminista radical, a ideologia de gênero, o movimento LGBT, a militância abortista etc.]; comprometidos com a arquitetura econômica neoliberal propagandeada pelo consenso de Washington e que implicava na subordinação da esfera produtiva à rentista; e que possuíam uma intenção clara de “ocidentalização” do Brasil.



De fato, os governos do PT e do PSDB, apesar de divergências, não fugiram desse script. Foram zelosos na manutenção do tripé macroeconômico criado por Armínio Fraga; zelosos na “financeirização da economia”, que se tornou refém de um cartel de bancos e atrelada à rolagem de uma dívida pública muito suspeita; executores de reformas graduais na Previdência Social e de uma flexibilização, também gradual, dos direitos trabalhistas.

Esse arcabouço político que dominava a Nova República, e que estou chamando aqui de “paulistocentrismo”, não estava isento, porém, de graves contradições. As bases sociais dos dois partidos impossibilitavam qualquer radicalismo na execução do projeto neoliberal e “ocidentalizante”. Ele tinha de ser, necessariamente, gradual e repleto de concessões. Em um cenário de acirramento do conflito geopolítico e de crise econômica internacional, essas contradições e esse gradualismo deram oportunidade para que forças, de origens diversas, derrubassem a ordem estabelecida.

Entender as linhas de forças envolvidas na queda do sistema “paulistocêntrico” vai nos ajudar a compreender pontos chaves do governo Jair Bolsonaro.

O cenário internacional mudou muito rapidamente na última década. Uma crise econômica em 2008 abalou o sistema financeiro global, afetando primeiro os Estados, depois a Europa e, a partir de 2013, os países “emergentes”, aqueles que dependiam mais da exportação de commodities.

Houve também uma intensificação da disputa geopolítica. Os Estados Unidos encontram os limites de sua ação globalista e passaram a conviver com a expansão de novas potências. A Rússia reagiu à tentativa da OTAN em invadir o espaço pós-soviético. E a China projeta cada vez mais seu poder para fora da Ásia, com investimentos e parcerias econômicas e militares na África e até mesmo na América do Sul.

A reação estadunidense levou a uma série de tentativas de mudanças de regimes e de guerras: A partir de 2011 surgiram as “primaveras árabes”, a guerra na Síria e a guerra na Ucrânia. Associadas a problemas internos e condições específicas de cada uma dessas regiões, todos esses movimentos receberam algum grau maior ou menor de ingerência dos Estados Unidos.

Em meio ao furor da execução da estratégia nacional americana, o Brasil se tornou alvo de um imenso esquema de espionagem revelado pelo Wikileaks. Milhões de e-mails brasileiros foram devassados, políticos, assessores presidenciais, executivos das principais estatais e inclusive a Presidente da República foram grampeados e monitorados. O Brasil se tornou um dos principais alvos da espionagem americana em 2013, segundo os documentos confidenciais vazados pela wikileaks.

No mesmo ano, passamos por uma série de mobilizações populares, iniciadas com as “jornadas de junho”. Nascidas de uma manifestação contra o aumento do preço da passagem de ônibus em São Paulo, logo desembocaram em protestos maciços com reivindicações difusas. Diante da estupefação do governo, essas manifestações possibilitaram algumas movimentações importantes dentro do espectro político.  Elas estabeleceram uma narrativa anti-corrupção, de imenso repúdio aos principais partidos. Foi ali também que a grande mídia se mobilizou para vetar a PEC 37, um projeto que limitava o poder de investigação à Polícia Federal e à Polícia Civil dos Estados. Procuradores do Ministério Público e as grandes empresas de informação aproveitaram-se dos enormes protestos populares para barrar essa emenda de forma definitiva. Em 25 de junho de 2013, a PEC foi rejeitada com 430 votos contrários e apenas nove favoráveis.

 Essa aliança entre o Ministério Público e a grande mídia já prefigurava a República de Curitiba que surgiria pouco tempo depois. Sem aquela vitória, possibilitada pelas “jornadas de junho”, a Operação Lava Jato não teria sido possível. Essa Operação, em que pese seus méritos e deméritos, foi conduzida por procuradores e juízes com grande proximidade intelectual, ideológica, pessoal e profissional com os Estados Unidos da América. Parte da operação foi viabilizada por trocas de informações com o Departamento de Estado americano, o mesmo país que espionou maciçamente o Brasil no período, espionou e-mails de cidadãos brasileiros, executivos de estatais, políticos e, vejam vocês, a Petrobras.

Notem que não estou afirmando aqui que os esquemas de corrupção trazidos à baila pela Força-Tarefa da Lava Jato não existiam, que os políticos são inocentes ou que a luta contra a corrupção não é uma necessidade. Tampouco estou afirmando que os líderes da Força-Tarefa da Lava Jato estão no bolso da CIA. Não há evidências concretas disso. Mas elas tampouco são necessárias. Basta analisarmos as linhas de força por trás de todos esses eventos da política nacional para notarmos um crescente fortalecimento de grupos ligados de diversas maneiras aos Estados Unidos da América.

Em 2015, matérias jornalísticas noticiavam o apoio do Atlas Network a organizações brasileiras. O Atlas Network é um think tank liberal que tem entre seus financiadores os irmãos Koch, bilionários americanos do setor de petróleo e gás. O Instituto Millenium foi uma dessas organizações financiadas. Um dos seus fundadores, o economista Paulo Guedes, treinado na escola de economia de Chicago, uma das bases do neoliberalismo militante, se tornou peça fundamental na ascensão de Jair Bolsonaro, como veremos a seguir.

Sem pretender me tornar cansativo, esses indícios estabelecem uma chave de leitura fundamental para o nosso tema de hoje. Eles apontam, de maneira muito clara, no meu entendimento, que a crise econômica e política brasileira levou a um ambiente propício para uma intervenção de agentes internacionais e nacionais interessados em realizar um choque neoliberal no Brasil e em realinhar o país aos Estados Unidos em meio aos conflitos geopolíticos do momento.

Este é um ponto que considero fundamental: a vitória de Jair Bolsonaro se tornou possível porque a República “paulistocêntrica” foi abalada. Esses abalos, por sua vez, se deveram a facções estrangeiras e brasileiras que se uniam em prol do neoliberalismo e do filo-americanismo em uma época de acirramento do conflito geopolítico global.

Eis aí a urdidura que podemos vislumbrar em meio aos golpes que, gradualmente, solaparam as bases de poder do PT e do PSDB, desacreditaram o sistema partidário, desmontaram a autoridade das grandes empresas de informação, criando um clima favorável a uma política voltada para a radicalização da americanização, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, “ocidentalização” do Brasil.

Antes de continuar, deixe que eu me explique. A derrubada do sistema político-partidário da Nova República não é de todo ruim. Não pode ser encarada apenas por seu aspecto negativo. Tratava-se da hegemonia de um projeto antipatriótico, e que a longo prazo conduziria aos mesmos resultados pretendidos pelos pólos de poder que o derrubaram. No entanto, dadas as forças sociais que sustentavam os partidos responsáveis pelo sistema, o projeto neoliberal não poderia ser senão gradualista, sujeito a retrocessos e contradições inadmissíveis para a geopolítica norte-americana e as forças liberais. O problema, portanto, não é a queda do sistema “paulistocêntrico”. Não se trata aqui de defender o PT e o PSDB, longe disso – Deus nos livre! O problema é o programa neoliberal e filo-americano ainda mais radical daqueles que o derrubaram.


[continua]