terça-feira, 17 de novembro de 2015

O sacerdócio que é também feminino, ou; quando alhos são confundidos com bugalhos

O Logos divino, que nasce de uma vez por todas na carne, quer sempre, em Sua compaixão, nascer no espírito daqueles que O desejam. Ele se torna uma criança e se molda neles através das virtudes. Ele revela tanto de Si quanto aquele que O recebe consegue aceitar; Ele não diminui a manifestação de Sua própria grandeza por falta de generosidade mas estima a capacidade de receptividade daqueles que desejam vê-Lo.

São Máximo o Confessor





Primeira postagem do Diácono Marcelo acusando, ainda que sem o saber, o sacerdócio régio de ''culto à deusa mãe''.


Recentemente, o Diácono Marcelo Paiva publicou no seu perfil pessoal e em outra página que administra no Facebook uma crítica a um vídeo que fazia considerações informais sobre alguns aspectos dos ensinamentos da Ortodoxia sobre as mulheres. As críticas mais fortes incidem sobre a afirmação de que as mulheres seriam ''sacerdotisas naturais'' e com a associação entre esse sacerdócio e a capacidade de parir. Essa alegação foi tida como uma informação errada sobre ''as crenças da Igreja'', alheia ao cristianismo, vinculada a cultos pagãos à deusa mãe, e a uma contemplação do ''sagrado feminino'' que, de alguma maneira, repercutiria a heresia da sofiologia. Por fim, é atacada a ideia de que as vestes sacerdotais possam ser de alguma maneira imagens femininas. Os pequenos textos escritos pelo Diácono Marcelo Paiva com o intuito de ''esclarecer'' os fiéis sobre a correta posição ortodoxa estão repletos de erros. O estranhamento que ele sentiu flagra um certo desconhecimento da Ortodoxia e acabam por espalhar equívocos, ainda que possivelmente repletos de boas intenções. Vamos buscar dirimir essa confusão o máximo quanto possível.




1. Toda mulher é naturalmente sacerdotisa



Diácono Marcelo Paiva: ''A mulher NÃO é para a Igreja Ortodoxa natural sacerdotisa. Este é um conceito pagão, vinculado ao culto ''da Grande Deusa''.

A Igreja Ortodoxa faz distinção entre o Sacerdócio Único de Cristo, a Ordenação Sacerdotal recebida pelo Clero e o Sacerdócio Régio e Universal de todos os fiéis e -- na verdade -- de toda pessoa humana. Todo homem, por ser imagem de Deus, é também imagem do sacerdócio de Cristo. Essa característica que pertence ao homem por natureza -- o sacerdócio régio -- foi embotada pela Queda, mas jamais perdida, pois a imagem de Deus no homem não é apagada em virtude do pecado de nossos pais ancestrais. Ela é revivificada no homem por meio dos mistérios da Igreja, do batismo, da eucaristia e do crisma. [1] Esse sacerdócio, que pertence naturalmente a todo homem e toda mulher enquanto imagens divinas, consiste na capacidade que possuímos em algum grau de [co-]criar e transfigurar o mundo. Consiste também na capacidade humana de entregar todas suas energias em sacrifício amoroso a Deus e ao próximo. [2] É de espantar que o Diácono associe o sacerdócio régio ao paganismo em vez de entendê-lo como intrínseco ao homem enquanto tal, conforme ensina a Santa Tradição.

Reafirmando, portanto: toda mulher é naturalmente sacerdotisa, e tal declaração não está vinculada a nenhum culto à deusa mãe, e sim a um princípio de fé básico e fundamental ao cristianismo, o fato de sermos todos nós imagens de Deus. [3]  As mulheres não podem ser ordenadas sacerdotes, como os homens, mas não precisam dessa ordenação para exercerem elas também o sacerdócio que Deus naturalmente lhes conferiu.


O Diácono sentiu necessidade de uma segunda postagem, em que detalha seu entendimento sobre a questão, confundindo-a com paganismo e sofiologia



2. O sacerdócio régio da mulher está vinculado também à maternidade



Diácono Marcelo Paiva: ''Há sim um sacerdócio comum a todos os cristãos, que dado pelo batismo e pela conversão de vida, que faz de todo homem e mulher, anunciadores da Boa Nova. Nada disso diz respeito à capacidade de gerar crianças.''

Como dito no ponto anterior, o sacerdócio comum a todos homens e mulheres é revivificado pelos mistérios da Igreja, mas já está inscrito na natureza humana por sermos imagens divinas. Não me estenderei sobre esse ponto. O importante aqui é a alegação do Diácono de que a maternidade não tem nada a ver com isso. Ora, homens e mulheres são complementares. Eles expressam em sua dimensão sexual -- que não se reduz somente a um órgão do corpo mas se espraia por toda a individualidade -- operações, energias e qualidades próprias. [4]  O sacerdócio régio de uma mulher terá expressões diferentes daquele exercido por um homem. Ao sacrificar a si mesma a Deus, a mulher fará oferta daquelas operações e qualidades que possui enquanto mulher. O potencial da pessoa humana de participar e transfigurar a criação se exerce também por meio daquelas atividades que a distinguem como indivíduo de um ou de outro sexo. E um dos elementos definidores da mulher enquanto tal é a capacidade para a maternidade, que lhe foi dada pelo próprio Senhor. [5] O exemplo mais perfeito disso está na Toda Santa e Pura Mãe de Deus, que é ela também Mãe da Igreja e de todos os Santos, pois a humanidade do Verbo Encarnado tem sua origem na humanidade da Santíssima Virgem. Nela temos a imagem perfeita da transfiguração de uma potência natural da mulher, que se entrega totalmente, corpo e alma, para colaborar para a obra de deificação do homem. 

Diferente do que pensa o Diácono, o sacerdócio régio da mulher é exercido e expresso também na capacidade de gerar crianças, uma manifestação do poder que Deus deu à humanidade de cooperar com a criação e com sua deificação. Mais uma vez, nada disso tem a ver com paganismo algum, mas decorre de princípios fundamentais da fé e da veneração ortodoxa.



Diácono Marcelo Paiva: ''Sacerdotes geram filhos como PAIS na fé. A IGREJA é a MÃE de todos, e nisso se concilia ao simbolismo a Virgem Maria, mas os sacerdotes nunca são associados à maternidade....''

A diferença entre o sacerdócio régio e o sacerdócio ordenado já foi estabelecida. Assim, ainda que a figura do sacerdócio ordenado esteja vinculada ao exercício da paternidade -- e não poderia ser doutra maneira, pois a Santa Tradição veta a ordenação de mulheres por razões que não são nosso tema aqui --, o sacerdócio régio exercido pelas mulheres  está sim associado também àquela potência criadora e geradora que nelas se expressa no campo físico pela maternidade. No entanto, o Diácono se equivoca ao declarar que a paternidade espiritual não está nunca associada à imagem da maternidade. O Bem Aventurado São Paulo afirma, no capítulo 4 da Epístola aos Gálatas, ''Filhinhos meus, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós''. Ora, temos aí o Santo Apóstolo dos Gentios usando uma imagem maternal para fazer referência à sua atividade de ''formar Cristo'' em seus ''filhos espirituais''. [6]  Mais ainda, a formação de Cristo nos fiéis é ela mesmo uma forte imagem maternal que diz respeito à realização plena do sacerdócio régio em todo homem. Trataremos disso a seguir.


Parte final do arrazoado do Diácono Marcelo Paiva, negando qualquer validade da associação da maternidade com o sacerdócio, seja ele qual for


3. Todo homem tem de desenvolver misticamente em si certas virtudes que são mais características nas mulheres



Diácono Marcelo Paiva: ''A Pia Bastimal é ao mesmo tempo um sepulcro (do homem velho) e UTERO, do qual nasce o homem novo. Utero da Mãe Igreja... [...] Há sim um sacerdócio comum a todos os cristãos. Nada disso diz respeito à capacidade para gerar crianças.''

Na Igreja, não só a Pia Bastimal é um sepulcro e um útero. Na verdade, o mais importante sepulcro e útero na vida mística, segundo os ensinamentos dos Padres, é a alma e o coração de todo homem. Na imagem dos Padres, a alma humana -- note, a alma de todo homem e toda mulher -- deve ser noiva de Deus, e seu coração é a caverna em que Cristo nasce em todos nós, crescendo e nos transfigurando rumo a salvação e à theosis.[7] Desse modo, todo homem deve desenvolver em si uma qualidade eminentemente feminina, a receptividade para a Vontade e a Graça divina.  O sexo feminino possui de modo mais espontâneo essa receptividade, que se expressa no plano físico pela capacidade de gerar filhos, nutri-los em seu corpo e pari-los no mundo. Essa potência feminina deve ser imitada, desenvolvida e buscada no plano espiritual pelos indivíduos do sexo masculino. A Igreja ensina que devemos gerar Cristo dentro de nós de um modo místico, assim como a Santíssima Virgem Maria a gerou em seu corpo de modo físico. [8]  A Santíssima Virgem Maria adequa sua vontade à Vontade de Deus, se torna esposa do Espírito Santo, e recebe em si mesma o Verbo Encarnado. Nesse sentido espiritual, todo homem tem de se fazer mulher, tem de investir em qualidades do sexo feminino, tornando-se receptivo a Deus e formando, a partir da Graça Divina que o fecunda, Cristo em seu coração, e manifestando-o no mundo por meio dos atos de sua vida. [9] Suas qualidades masculinas somente não são capazes de sozinhas realizarem esse objetivo, pois o homem foi criado macho e fêmea. O sacerdócio que é comum a toda pessoa humana é realizado em sua plenitude por meio não só das virtudes masculinas mas também das femininas. Evidentemente não em um sentido corporal, vulgarmente literal, como parece que o Diácono lê essa questão -- embora não faça o mesmo com a pia batismal da Igreja, pelo menos assim espero! Mas no sentido de que as características que se expressam no sexo físico são imagens de atividades possuídas por todo homem, embora mais fortes em uns e outros de acordo com o sexo. [10]


Deus cria Eva do lado de Adão: o homem, que era em certo sentido andrógino, se torna sexualmente dividido mas também complementar. 


4. O Véu como obediência ao Princípio Hierárquico 



Diácono Marcelo Paiva: ''A cobertura dos homens na Igreja (clerigos e monges) de jeito algum são um meio de ''representar o feminino'' [...] Não há uso de saias entre os parâmetros da Igreja!''

Devemos nesse momento tranquilizar o Diácono: ele não usa saias na Igreja. Mas aqui também, movido por essa preocupação algo prosaica, ele está caindo em certa rigidez literalista quanto à imagem proposta de que ''os sacerdotes cobrem a cabeça assim como as mulheres''. O uso de véus pelas mulheres diz respeito ao lugar e as tendências naturais do ser feminino. Elas o fazem em obediência ao princípio hierárquico, que as faz aceitar como cabeça seu marido como aceitam ao Senhor. Essa aceitação de Cristo como cabeça, expressa pelo uso do véu, é uma virtude que deve também ser imitada pelos homens -- que tem por temperamento uma maior independência --, já que é vocação de toda pessoa humana receber Cristo por hipóstase, realizando assim seu telos. [11] É desse ''jeito'' que o véu é tomado como imagem de uma qualidade que os homens também devem adquirir. Desnecessário dizer, nada disso tem a ver com algum travestismo, como parece entender o Diácono.




5. A confusão entre o sacerdócio régio e a expressão da espiritualidade feminina com o ''culto a deusa mãe'', a busca por um ''sagrado feminino'' e a ''sofiologia''

Diácono Marcelo: ''Isso não faz parte dos ensinamentos da Igreja. Faz sim, parte dos ensinamentos de diversos grupos pagãos, que identificam a mulher como ''deusa mãe''. Uma heresia moderna nascida no seio do povo ortodoxo, a Sophiologia, tinha como um das características justamente a identificação desse ''sagrado feminino''. A Igreja refutou esse erro de modo claro.''


O exercício do sacerdócio não torna ninguém divino, como o Diácono deveria saber. O ensinamento da Igreja de que todos os homens possuem um sacerdócio régio -- que é renovado pelos mistérios e realizado na santidade --, não tem absolutamente nada a ver com o culto a uma deusa mãe. Será que o Diácono Marcelo Paiva pensa que sacerdotes devem ser cultuados como deuses? De onde ele retirou essa idéia algo implícita em sua abordagem? Nem homem nem mulher são deuses por serem sacerdotes. Eles são, isto sim, imagens do Deus vivo. Nem homem nem mulher são deuses por serem reis. Mais uma vez, eles são ícones de Deus. Nem homem nem mulher são deuses quando se tornam santos. Eles se fazem semelhantes a Deus. O Diácono confunde um princípio básico de fé com uma ordem de idéias que lhe é toda própria e que não encontra justificativa alguma em relação ao tema. Da mesma maneira, o uso do termo ''sofiologia'' para categorizar o ensinamento da Santa Tradição sobre o sacerdócio de todos os cristãos é totalmente impróprio. A sofiologia foi condenada por defender que a Virgem Maria seria, de alguma forma, uma encarnação do Espírito Santo ou da Divina Sofia [12], o que faria dela uma Quarta Pessoa da Santíssima Trindade e violaria o caráter cristocêntrico da theosis, segundo o qual fomos criados para recebermos a Hipóstase do Verbo. De onde o Diácono retirou essa vinculação torta entre o que foi dito e a Sofiologia é algo ainda a ser respondido. Confundir o sacerdócio régio com o culto a uma deusa mãe é um erro bem mais grosseiro do que aquele que o Diácono Marcelo Paiva pensou enxergar no vídeo que pretendeu ''corrigir''.




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[1] ''Existem três verdades interdependente que tem de ser mantidas em equilíbrio: (1) Um, e somente um, é sacerdote. (2) Todos são sacerdotes. (3) Apenas alguns são sacerdotes. Um, e somente um, é sacerdote: Jesus Cristo, o único Sumo Sacerdote da Nova Aliança, o ''único mediador entre Deus e os homens'' (1 Tim 2:5), é o único verdadeiro celebrante em todo ato sacramental. Todos são sacerdotes: em virtude de nossa criação à imagem e semelhança de Deus, e também em virtude da renovação dessa imagem através do batismo e da unção do crisma (a ''confirmação'' ocidental), somos todos nós, clero e leigos, um ''sacerdócio real, uma nação santa'' (1 Pe 2:9), colocados à parte para serviço a Deus.'' [cf. Metropolita Kallistos Ware, ''Man, Woman and the Priesthood of Christ''].

[2] ''Esse sacerdócio régio consiste acima de tudo no poder possuído por toda pessoa humana, criada de acordo com a imagem divina, de agir como criador à semelhança do Deus Criador''. [cf. Metropolita Kallistos Ware, ''Man, Woman and the Priesthood of Christ''].

[3] São Gregório de Nyssa define magistralmente esse princípio em sua obra ''Sobre a Alma e a Ressurreição'', explicando que todos os atributos divinos estão refletidos no homem, a diferença entre o protótipo original e sua imagem sendo o caráter criado dessa última.

[4] São Clemente de Alexandria deixa claro que a criação de Eva implicou em certa divisão das energias e qualidades do primeiro Adão: ''Toda suavidade e passividade que havia nele foi abstraída por Deus do lado de Adão quando formou a mulher Eva''. Nos escritos dos Santos Ascetas do deserto, a mulher é comparada aos elementos da alma apetitiva, e o homem aos elementos da alma irascível.

[5] ''Tal é a essência do sacerdócio universal inerente em toda natureza humana. Em termos dessa auto-oferta hierática, tanto homem quanto mulher são igualmente sacerdotes do universo criado, em virtude da humanidade comum que eles partilham. Ao mesmo tempo, cada um deles exerce esse sacerdócio de uma maneira distinta, pois as diferenças de sexualidade se estendem profundamente na natureza humana e não são de modo algum limitadas ao ato da procriação''. [cf. Metropolita Kallistos Ware de Diokkleia, ''Man, Woman and the Priesthood of Christ'']


[6] Há outras comparações entre o sacrifício de Deus e o amor materno, como nessa passagem de São Silouan o Athonita: ''Um monge me contou que certa vez, quando se encontrava muito doente, sua mãe disse ao seu pai, 'Como nosso menininho está sofrendo. Eu ficaria feliz de me entregar para ser cortada em pedaços se isso pusesse fim ao seu sofrimento'. Tal é o amor de Deus pelas pessoas. Ele se apieda tanto das pessoas que quer sofrer por elas, como se fosse sua própria mãe, e ainda mais. Mas ninguém pode entender esse grande amor sem a graça do Espírito Santo''. [''Wisdom from Mount Athos: The Writtings of Staretz Silouan, 1866-1938] 

[7]  ''De acordo com a interpretação dos Santos Padres, a palavra de Deus é uma semente, o nous e o coração do homem é um útero. Através da fé a palavra de Deus é semeada no coração do homem e o emprenha com o temor de Deus, o medo de que os homens continuem distantes de Deus. Com esse medo se inicia a luta para purificar o coração e adquirir as virtudes, que é como o trabalho e as dores do parto. Nessa via nasce o espírito da salvação, que é a deificação [theosis] e a santificação. A formação de Cristo em nós ocorre através de trabalhos espirituais. [...] Segundo os Santos Padres, o que ocorreu com a Panagia fisicamente, ocorre espiritualmente com todo aquele cuja alma vive na virgindade, isto é, que está purificada de paixões.'' [cf. Sua Eminência Metropolita Hierotheos de Nafpaktos, ''A Encarnação do Logos''].

[8] "Se examinamos as festas da Igreja Ortodoxa cuidadosamente, percebemos que a Igreja quer associar nossa vida com Cristo. O ano eclesiástico começa em primeiro de setembro e termina no fim de agosto. No início de setembro celebramos o Nascimento de Theotokos. É com o nascimento da Toda Santa Mãe de Deus que se inicia a contagem regressiva para a salvação do homem. O ano eclesiástico prossegue com a Natividade de Cristo e o Pentecostes, que é a festa da deificação do homem, e termina com a gloriosa Dormição da Panagia que revela a glória que um homem pode alcançar quando se une a Cristo. Assim, mantendo a analogia, aquilo que ocorre com a Panagia deve também acontecer conosco, Cristo deve nascer em nosso coração''. [Metropolita Hierotheos de Nafpaktos].

[9] ''De acordo com São Simeão o Novo Teólogo [Discurso ético 1], os santos estão relacionados com Theotokos de três maneiras. Em primeiro lugar, por causa da natureza humana, já que tanto ela quanto eles são do mesmo barro e do mesmo alento. A Panagia é Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo é também um ser humano como nós. Em segundo lugar, estão relacionados por meio da carne que foi tomada dela. Quando comungamos os sacramentos, o Corpo e o Sangue de Cristo, comungamos a carne deificada do Verbo que Ele assumiu da Virgem. Portanto, como ensina São Simeão, ao comungar o Corpo e o Sangue de Cristo, comungamos também da carne de Theotokos. E em terceiro lugar, os santos estão relacionados com a Panagia ''porque através da santidade do espírito que adveio a eles graças a ela, cada um deles concebe e também possuem neles o Deus de todos, assim como ela possuiu o Senhor dentro dela''. [cf. Metropolita Hierotheos de Nafpaktos, ''São Gregório Palamas como hagiorita''].

[10] Da mesma forma que os homens devem adquirir e exercitar certas virtudes que são mais espontâneas na mulher, assim também as mulheres devem adquirir e exercitar certas virtudes que são mais espontâneas no homem. O ser humano deificado é um homem integrado em suas energias masculinas e femininas, como Adão no Éden e como é Nosso Senhor, Deus e Salvador Jesus Cristo. São Máximo Confessor ensinou que no caminho da pessoa humana rumo á deificação, ele une em si mesmo as energias que foram separadas pela 'divisão sexual', ou antes, pela criação de Eva a partir do lado de Adão. O casamento, esse ''grande mistério'', como dizia São João Crisóstomo, é um dos meios de refazer essa unidade, pois os dois já não são mais um, mas uma só carne. Mais sobre isso; Casamento como via de união

[11] O véu representa assim não a submissão da mulher ao homem, entendida de forma pejorativa, mas uma união ordenada e amorosa em um todo orgânico. A mulher se coloca, por própria vontade -- pois como São João Crisóstomo ensina em suas homilias, é vetado ao homem obrigá-la -- , sob a autoridade amorosa de seu marido, assim como o homem deve se colocar sob a autoridade amorosa de Cristo. Nesse sentido, todo homem deve ser também feminino -- receptivo -- em relação a Deus. Sem abdicar, claro, de suas qualidades propriamente masculinas, expressas nas imagens do soldado e do atleta de Cristo.

[12] Sofia é, na verdade, um dos nomes de Cristo, uma das atividades por meio da qual a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade cria e governa o cosmos.




domingo, 14 de junho de 2015

Tratado sobre a Práxis -- Evágrio Pôntico IV



Quarta postagem da série dedicada a traduções do ''Tratado sobre a Práxis'', do Abba Evágrio Pôntico. A tipologia das paixões de Evágrio -- que acaba por ser também uma demonologia -- está vinculada à sua psicologia e antropologia. A alma possui uma dimensão passional e uma dimensão noética. A dimensão passional é constituída pela parte erótica, também chamada no Ocidente de concupiscível, e pela parte irascível ou tímica. Evágrio chama de paixões as operações das partes erótica e tímica, ou seja, do conjunto passional da alma. Essas operações são, no homem decaído, contrárias à natureza, se conformando a oito vícios gerais [ou paixões, agora em um sentido negativo], também chamados de logismoi [ou pensamentos apaixonados]: a gula, a luxúria, a avareza, a tristeza, a acídia, a ira, a vanglória e o orgulho. A vida prática [praxis] consiste no esvaziamento dessas paixões ou vícios, e sua substituição pelas virtudes, frutos do funcionamento conforme a natureza dessas operações psicossomáticas [1]. A conquista da virtude é chamada por Evágrio de apatheia, ou impassibilidade, conclusão da práxis necessária ao estágio da gnose, quando então o asceta purifica a dimensão intelectiva, o Nous. A vida prática é, portanto, uma preparação para a vida contemplativa ou gnóstica, que terá suas próprias barreiras, tentações e vícios [2]. Nessa série de postagens estamos nos dedicando à práxis, ou seja, à purificação e retificação dos elementos passionais da alma, que são a parte erótica e irascível do homem. Nas passagens abaixo, Abba Evágrio descreve alguns aspectos fundamentais da causação dos logismoi.




34  Daquelas coisas das quais temos memórias apaixonadas, estas mesmas coisas aceitamos como objetos de paixão. E tantos quantos são os objetos que aceitamos com paixão, destes objetos teremos memórias apaixonadas [3]. Assim, aquele que conquistou os demônios que estão operando despreza o que é realizado por eles [4]. Pois a guerra imaterial é mais amarga do que a guerra realizada nos objetos materiais [5].

35  As paixões da alma tem sua ocasião ou pontos de partida nos homens; as paixões do corpo, no corpo. E a continência corta as paixões do corpo, enquanto a caridade espiritual corta aquelas da alma [6].



36  Aqueles [demônios] que governam as paixões da alma persistem até a morte; aqueles que governam as paixões do corpo se retiram mais rapidamente. E em certo sentido os demais demônios são como o sol que se levanta e se põe, agarrando alguma parte da alma; o [demônio] do meio dia [acídia], por outro lado, tem o costume de envolver toda a alma e de sufocar o Nous. [7] Assim, a vida eremítica se torna doce após o esvaziamento das paixões; porque então as memórias são simples memórias, e a luta não mais prepara o monge para a batalha mas para a própria contemplação [8].

37  É necessário observar se são as ideias [ennoia] que colocam as paixões em movimento; ou se as paixões [colocam em movimento] as ideias. Porque, de um lado, alguns tem a primeira opinião; por outro lado, alguns tem a segunda.




38  É da natureza das paixões serem colocadas em movimento pelos sentidos. E se a caridade e a continência estiverem presentes, as paixões não serão movimentadas; se estiverem ausentes, as paixões serão movimentadas. Mais do que a parte apetitiva [erótica ou desejante] da alma, o temperamento [parte irascível da alma] requer remédios, e, por causa disso, a caridade é chamada de ''grande'' [1 Cor 13:13], pois é a rédea do temperamento. Ela mesma [a caridade] é chamada por aquele santo, Moisés, de ''guerreiro que combate a serpente'', em sua Física [Lev 11:22]. [9]






39  A alma tem o hábito de se incendiar em direção a logismoi como consequência do mau odor que existe entre os demônios; quando da aproximação deles a alma é capturada, tendo sido conformada pela paixão que corresponde ao demônio que a perturba [10].






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[1] A Impassibilidade, portanto, não é considerada como o simples esvaziamento ou abandono dessas operações da alma, confundidas com as paixões em um sentido negativo. Ela não é a morte da psique, mas seu redirecionamento, sua cura, seu funcionamento de modo reto com a natureza, entendida aqui como o mundo edênico saído das mãos de Deus e perdido com a Queda. O critério usado por Evágrio para a impassibilidade é o cumprimento dos mandamentos divinos, tanto em pensamentos quanto em atos. Algo que só é possível, explica ele, pela manutenção da verdadeira fé e da sã doutrina.

[2] Noutras passagens, Evágrio deixa claro que essa divisão entre a vida prática e a contemplativa não é esquemática. Ninguém alcança em vida uma impassibilidade absoluta que lhe garanta a 'impecabilidade', para só depois se iniciar na gnose ou contemplação dos logoi dos entes visíveis e invisíveis. A partir de determinado ponto da ascese há uma simultaneidade entre a práxis e a gnose. Quanto mais purificado das paixões, mais o asceta pode contemplar as essências criadas. A própria gnose tem um papel purificador e curativo para o conjunto da alma, de modo que a santidade não pode ser alcançada sem ela. Determinado grau de gnose faz, inclusive, que o asceta volte a se 'nutrir' ou 'alimentar' da própria contemplação, um estado que é vivenciado pelos anjos.

[3] Em outras passagens, Evágrio explica que as paixões se voltam para a consecução do prazer sensorial e que tem sua raiz no 'amor-próprio'. Elas também podem ser movidas pelo ataque dos demônios ou, como se deixa claro nesse trecho, por memórias apaixonadas. Quando estas lembranças retornam à mente, a paixão correspondente é acionada. De forma semelhante, ao aceitarmos na mente a ideia de um objeto percebido de modo apaixonado, vamos gerar sobre ele memórias passionais, que, mais tarde e em outras ocasiões, voltarão à mente e reiniciarão a excitação da paixão correspondente.

[4] Os demônios excitam as paixões segundo o explicado no trecho 39, exposto mais adiante. A maneira de conquistar os demônios e vencer a guerra imaterial é o esvaziamento dos vícios ou logismoi das operações da alma e sua substituição pelas virtudes correspondentes. Uma reorientação, enfim, das atividades psicossomáticas.

[5] A guerra 'material' é o cumprimento dos mandamentos divinos no comportamento exterior. Essa guerra não inclui a disposição interior e mental do cristão, e, desse modo, apesar de muito difícil, não é tão amarga ou pesada quanto a guerra imaterial, que envolve o controle dos pensamentos, a batalha contra os demônios e a luta pela retificação do ordenamento da psique. 

[6] Temos aqui outro aspecto da tipologia das paixões de Abba Evágrio, a divisão entre paixões do corpo e paixões da alma. As paixões com raízes no corpo são a gula e a luxúria, dizem respeito à parte erótica da psique, e devem ser tratadas pelo jejum e pela castidade. As paixões com raízes na alma, ou no homem enquanto homem, são a avareza, a tristeza, a acídia, a ira, a vanglória e o orgulho, e estão associadas com a parte irascível [tímica] da psique. Elas devem ser tratadas por meio da caridade espiritual, que assume o sentido de humildade nos escritos de Evágrio e também no dos Santos Padres. Santo Antão vai ensinar que o diabo é derrotado pela humildade. 

[7] Os demônios se relacionam de forma específica com uma paixão, se associando exclusivamente a essa esfera de atuação. A exceção é o demônio da acídia, que age sobre o conjunto da alma.

[8] Após a relativa impassibilidade -- aquela possível de ser alcançada pelo homem ainda em vida e que consiste não só no esvaziamento das paixões mas na sua retificação em operações conforme a natureza, ou seja, na passagem do vício e do pecado para a virtude -- a praxis se une à vida contemplativa, e o cristão se torna um gnóstico. Nesse estágio, as batalhas  com os demônios prosseguem. Não somente porque os demônios que combatem a alma persistem até a morte como também a gnose tem seus próprios perigos que, embora não sejam vícios morais, são 'vícios intelectuais', provocados pela delusão e a ignorância. O estágio da gnose não é abordado diretamente no ''Tratado sobre a Práxis'', mas em outras obras. Basta dizer que o cristão gnóstico adentra a contemplação dos logoi das coisas criadas. Em um grau ainda mais elevado de contemplação, ele vem a conhecer os poderes incorpóreos, ou anjos, e inclusive os logoi angélicos. O mais elevado nível de contemplação é chamado por Evágrio de Teologia, e diz respeito à 'gnose essencial', a gnose do próprio Deus.

[9] Dessa maneira Evágrio responde a questão 37. Mesmo quando excitada pelos demônios ou por memórias apaixonadas, as paixões são movimentadas por um chamado pelo prazer dos sentidos, entendidos aqui em um sentido amplo -- como prazer carnal e mundano. Isso é verdadeiro inclusive com relação às paixões da alma. Esse chamado rumo ao prazer dos sentidos, ou à satisfação da carne por oposição à do espírito, não exclui a ideia de que o amor próprio está na raiz das paixões da alma. Daí porque a humildade e a caridade espiritual, ao reorientarem a pessoa para o amor ao Outro, se tornam o remédio eficaz contra as doenças da parte tímica da psique. No caso das paixões do corpo, o remédio é o jejum e a castidade, que levam o homem da auto-indulgência para o auto-controle.

[10] Cada demônio possui uma energia ou função [ergon] que lhe é específica, considerada um 'mau odor' de ordem espiritual. É uma operação associada a uma paixão, e que a 'incendeia' ou 'excita' quando dela se aproxima. Nesse momento, o demônio 'semeia' ideias, conceitos e representações mentais no Nous que, ao fazerem uso das memórias apaixonadas do homem, vão intoxicá-lo rumo ao pecado. Daí porque o estágio superior e mais interno da guerra imaterial diz respeito ao combate aos logismoi, às idéias que chegam ao Nous. O campo de batalha é inclusive anterior à faculdade da imaginação, está na própria origem da formação das representações mentais [ennoia]. 

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A Era que chega ao fim e o Mito que persiste

Unfathomable Sea! whose waves are years,
      Ocean of Time, whose waters of deep woe
Are brackish with the salt of human tears!
      Thou shoreless flood, which in thy ebb and flow
Claspest the limits of mortality!

   And sick of prey, yet howling on for more,
Vomitest thy wrecks on its inhospitable shore;
      Treacherous in calm, and terrible in storm,
         Who shall put forth on thee,
            Unfathomable Sea?
(Time, by Percy Bysshe Shelley)
Depois de seis derrotas para Rafa em Roland Garros, o dia de Novak Djokovic


Ontem eu falava sobre Nole e o Monstro da Philippe Chatrier, chamando a atenção para o ponto crucial que impediu até aqui que Djokovic reclamasse o destino que desde 2011 parecia ser seu.


Há quatro anos Djokovic é um jogador melhor do que Nadal e destinado a superá-lo tecnicamente e, talvez, até em números; mas falhava em momentos chave de sua carreira quando tinha de se defrontar com o mito de Rafa. Não é verdade que ele seja hoje um melhor tenista que Nadal no saibro. Ele é melhor desde pelo menos 2013. Mas sua cabeça era sempre engolida pelo dragão da Philippe Chatrier


A diferença abissal que existe hoje entre os dois jogadores nesse ponto da carreira ficou nítido no grande palco das glórias do espanhol. O jogo foi fácil, é necessário que seja dito. Nadal engrossou o primeiro set, que perdia por 4 a zero, mas depois não ameaçou mais a vitória de Nole. O sérvio poderia ter dado um pneu na última parcial causo não relaxasse a mão em respeito ao grande campeão que havia do outro lado da quadra e passasse a arriscar bolas que não tentaria em pelejas mais disputadas. A vitória foi completa, porque no aniversário de Rafa. Foi completa porque com dupla falta de seu rival, que respeitou seus winners de devolução e retribuiu os mesmos presentes que Novak lhe havia dado em 2012 e 2014. Foi o sinal definitivo de que o domínio mental e emocional mudou de lado.

Rafa completamente dominado no palco de suas maiores glórias


E assim uma era termina. De uma maneira um tanto melancólica, sem emoção, quase que de modo burocrático. Termina sem grande reações de Rafa. Não houve um jogo épico e que mantivesse todos em suspenso, como na final de Wimbledon de 2008, quando Nadal teve de superar seu dragão particular na figura de Roger Federer. Djokovic já havia assassinado o monstro e enterrado seu cadáver fundo, embora ainda ao seu alcance para que pudesse moldar a história. Na quadra central se encontraram apenas dois indivíduos de carne e osso, e a diferença física e técnica entre ambos se expressou de forma natural e previsível no placar. 


Todo respeito a Rafa. Ele não deixou de ser o dono da Philippe Chatrier. Isso é impossível a essa altura. O esporte dos reis é assim, coroa e destrona seus grandes campeões. Ele está em uma grande lista, digna e memorável e olímpica. Não voltará a ser o que era. Ele não tem físico nem tempo. Mas tampouco precisa, porque já possui a imortalidade reservada aos maiores. O fim de uma era não é de modo algum o fim de uma lenda; o caráter corruptor do tempo derrota a humanidade mas se quebra diante do nome dos heróis que escalaram a montanha da glória.

O mais temido jogador da história do saibro cumpre seu ciclo


Quanto a Novak, lhe falta algo muito importante: o título. E ele será muito tolo se pensar que o conquistou hoje. Embora tenha matado seu dragão pessoal, derrotou um tenista que não era o adversário mais difícil dessa edição atual do major francês. É bom que tenha consciência de que o pior ainda está por vir. Essa percepção é fundamental para que Novak não deixe de novo que a história lhe escape por entre os dedos.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Nole e o Monstro da Philippe Chatrier





O dono da Philippe Chatrier


Difícil superestimar a batalha de logo mais entre Novak Djokovic e Rafael Nadal pelas quartas de final de Roland Garros. Pode não ser a ''melhor quartas de final da história dos Grand Slams'', como alguns tentam vendê-la, mas é um embate tão importante quanto qualquer final épica. Muita coisa estará em jogo. Na verdade, toda uma lenda do esporte estará em disputa. Nadal venceu nada menos do que nove de cada dez Roland Garros que disputou. Em mais de noventa jogos de cinco sets no saibro só perdeu, em toda sua vida, uma única peleja. No entanto, sua performance na superfície que dominou como ninguém foi a mais fraca de todas as temporadas desde 2004, e ele enfrenta o atual número um do mundo em seu apogeu físico, mental e técnico.

Nole vem entrando gradual mas firmemente no olimpo do esporte dos reis. Já é detentor de oito majors e quatro masters cup, e terminou três temporadas na ponta do ranking da ATP. É o sexto tenista com maior número de semanas como número 1 do mundo, na frente, inclusive, do próprio Rafa. Mas lhe falta o título em Paris para completar o career grand slam, feito só realizado por quatro homens na era profissional [Rod Laver, André Agassi, Roger Federer e Rafael Nadal]. Pior ainda, ele já chegou ao torneio na posição de favorito antes: nos últimos três anos foi barrado na conquista pelo adversário que terá pela frente daqui a algumas horas. Em 2012 havia um equilíbrio entre ambos, e a derrota não foi tão dolorida. Em 2013 Novak liderou o quinto e decisivo set com uma quebra na frente, mas foi traído pelos próprios nervos. Ano passado muitos davam como certa sua vitória; e ele passou mal durante o confronto com o Rei do Saibro, perdendo o título com uma dupla falta. O abismo entre o jogo de Nole e o de Nadal nunca foi tão grande a favor do sérvio quanto agora. Se não vencer amanhã, talvez o dia nunca chegue.
Djokovic perde a semifinal de Roland Garros em 2013 para Rafael Nadal: o sérvio liderava o quinto set por quatro a três e uma quebra na frente até que atropelou a rede, perdendo um ponto fácil e mostrando seu nervosismo na hora da onça beber água

E eis aqui o nó górdio: Jogar contra Rafa na Philippe Chatrier significa enfrentar não somente um indivíduo de carne e osso, mas toda a história que ele construiu naquelas linhas. Junto com o Rafa, pessoa de carne e osso, entra na arena o Rafa, lenda dominante e [semi] imbatível da terra batida. Por mais que ele seja atualmente apenas o sétimo do ranking, é o número 1 do mundo quem será o visitante na quadra central de Roland Garros.

Tão grande é a lenda de Nadal sobre a terra batida que, mesmo com as casas de apostas dando favoritismo de quase 3 para um a favor do sérvio, os comentaristas ainda titubeiam. Pela lógica pura e simples não há como Novak perder esse jogo. Ele é atualmente melhor do que Nadal em tudo de relevante no jogo de tennis, inclusive no saibro. Saca melhor, devolve [espetacularmente] melhor, tem um backhand [extremamente] mais sólido, defesa mais impenetrável, contra-ataque mais fulminante, muito mais confiança, velocidade e resistência física. O dia de amanhã promete ser frio e úmido em Paris, o que complica as coisas pra Nadal ao reduzir a velocidade e altura daquela que foi sua principal arma técnica em toda a carreira, o monstruoso topspin de seu forehand. O espanhol vem também de derrotas surpreendentes que lhe retiraram a fortaleza emocional e mental que se tornou mítica entre todos os que apreciam o esporte. Até mesmo sua incrível disciplina tática se encontra mais fragilizada nessa temporada.
Homenagem de fãs a Nadal quando de seu sétimo título em Roland Garros, em 2012, ocasião em que se tornou o maior vencedor do torneio, ultrapassando a lenda Bjorn Borg.

[Conta Rafa que na primeira vez que enfrentou Federer em Roland Garros, na semifinal de 2005, perguntou desconsolado para seu tio e treinador, ''Como posso vencer? Ele é melhor do que eu em tudo!'' Tony lhe disse para se concentrar naquilo que ele, Nadal, tinha de bom, e não nas armas do adversário. Não sei se esse conselho vale tanto assim nos dias de hoje. Aquilo que Rafa tem de melhor está abaixo do nível máximo que seria necessário para ameaçar Novak Djokovic.]

Por que os comentaristas titubeiam, então? Mística? Superstição? Não estariam preparados para vaticinar o fim da hegemonia de Nadal sobre o saibro?

Rafa aponta para Novak em 2013: o espanhol é um metre da batalha mental
Repetindo, Nole já esteve nessa posição. Embora não com tanta vantagem como dessa feita, eram situações similares. E ele perdeu com dupla falta em 2012, atropelou a rede em 2013, e teve ataques de vômito em 2014. Expressões de falta de controle emocional e psicológico para derrotar não o Rafa de carne e osso -- a quem ele vem dominando em outras quadras de barro que não a Chatrier -- mas aquele espectro horripilante e semi-sagrado que adentra a quadra central junto com o espanhol. Djokovic tem de derrotar não só o tenista Nadal, mas também a si mesmo. Para derrotar a si mesmo, porém, deve destruir em sua cabeça o monstro fantasmagórico, o peso histórico, o espectro do Rei do Saibro que paira -- vigilante, vitorioso, conquistador, intocável -- sobre o Complexo de Roland Garros.

Para ser herói, para ser um construtor de um novo mundo e história no Tennis, Nole tem de matar o dragão.

domingo, 24 de maio de 2015

Sobre o Vampirismo

But first on earth, as Vampyre sent,
Thy corse shall from its tomb be rent;
Then ghastly haunt the native place,
And suck the blood of all thy race;
There from thy daughter, sister, wife,
At midnight drain the stream of life;
Yet loathe the banquet which perforce
Must feed thy livid living corse
(The Vampyre, a Tale)




Sérvio se protege: rumores de 2012 davam conta do retorno à atividade do vampiro Sava Savonic

Falo agora de um tema que parece um tanto diferente dos assuntos a que me dedico nesse espaço, mas que na verdade tangencia algumas questões que já foram tratadas aqui. Trata-se de um tópico de demonologia e diz respeito a um tipo de fenômeno que no Ocidente contemporâneo ficou conhecido como vampirismo. Não o vampiro tal como retratado na literatura contemporânea ou no cinema do século XX [1], mas de entidades que, atestadas na cultura de povos de todos os continentes, apresentam características similares o suficiente para que sejam classificadas sob um mesmo rótulo. 

O termo 'vampiro' tem provavelmente origem turca. Seu uso não era comum na Europa, ou talvez nem mesmo conhecido, antes do século XVIII. A palavra é só uma das formas usadas para se referir à possibilidade de retorno de indivíduos que, após a morte, tornam-se espectros e/ou cadáveres sugadores de energia vital -- e por vezes sangue [2]. Sob diversos nomes, essa forma de ''demônio'' aparece no conjunto de crenças das mais diversas populações e em [quase] todas as épocas. O romenos possuíam os strigoi; os gregos os vrykolakas e tympaniaios; em certas regiões das Américas [México, Porto Rico, Chile etc.] existem os 'chupa cabras'; no interior do Brasil há histórias sobre o 'corpo seco'; os antigos persas falavam do Pisaca, e na Índia o tema recebe o nome de vetala; na antiga Mesopotâmia acreditava-se na existência de lilitu e estries; na Antiga Roma havia as lamia; na África negra os sasabonsam e os ramanga; no sul da Ásia os ghoul.

A crença popular na existência dos vampiros se encontra fortemente enraizada no seio da população dos países ortodoxos, principalmente no leste da Europa e nos Bálcãs. O vampirismo possuiria mais de uma origem [3]: a prática da feitiçaria em vida; a maldição, sendo a pior delas a dos pais e a excomunhão [4]; ou o contágio do contato e ataque de outros vampiros. Um exemplo é o strigo romeno: ''Os vampiros na Moldávia, Valáquia e Transilvânia (agora parte da Romênia) são comumente chamados de strigoi (cuja forma singular é strigo). Os strigoi eram geralmente considerados espíritos que retornavam dos mortos. Diferente do upir ou vryrolakas, os strigoi passavam por diferentes estágios depois de ressurgirem do túmulo. O strigo é invisível no começo, atormentando os membros vivos de sua família ao mover objetos e roubar comida. Depois de algum tempo, ele se torna visível, parecendo com a pessoa quando viva. Mais uma vez, o strigo retorna para sua família, roubando gado, implorando por sustento e trazendo doenças. Os strigoi vão se alimentar dos humanos, primeiro dos membros de suas famílias e depois de qualquer um que encontre. Em alguns relatos, os strigoi às vezes sugam o sangue de suas vítimas diretamente do coração. Os strigoi são corpos reanimados que predam os vivos. No início, um strigo precisa retornar ao túmulo regularmente, da mesma maneira que um upir. Se o povo suspeita que alguém se tornou um strigo, exuma o corpo e o queima. Mas depois de sete anos, se o strigo continuar rondando, pode então viver onde bem entender. Diz-se que há strigoi que viajam para cidades longínquas para começarem novas vidas como pessoas comuns, e que esses vampiros clandestinos se uniriam. Além do strigoi morto-vivo, chamado de strigoi mort, o povo também temia os vampiros vivos, ou strigoi viu. Eles eram pessoas vivas amaldiçoadas que estavam condenadas a se tornar strigoi mort quando morressem. Se um strigoi mort vivendo entre humanos tivesse qualquer filho, a descendência era tida como carregando a maldição dos strigoi mortos-vivos no além. Quando um conhecido strigoi viu morria, a família destruía seu corpo para garantir que não se levantaria do túmulo.''
 
A existência de vampiros é crença enraizada entre as populações ortodoxas
Um dos mais bem documentados casos de vampirismo na era contemporânea, muito famoso pela confirmação que teria recebido de magistrados locais e de um comandante militar, é o do camponês sérvio Pete Plogojowitz, que viveu em Kilisova no início do século XVIII. Depois de falecido, seu espectro apareceu ao filho implorando por comida. Na segunda vez em que isso ocorreu o rapaz se recusou a atender o pedido da aparição. No dia seguinte apareceu morto em condições misteriosas e com significativa perda de sangue. Foi o início de uma série de mortes na aldeia, em circunstâncias semelhantes, e cujas vítimas haviam reportado sonhos com Plogojowitz seguidos de exaustão física e mental. Nove mortes ocorreram ao longo de uma semana, levando a investigações oficiais que acabaram por concluir que se tratava efetivamente do ataque de um vampiro. O corpo de Plogojowtiz foi desenterrado e destruído e as mortes cessaram [5]. A dessacralização de corpos e a cremação, muito usadas na área rural da Grécia e do leste da Europa como forma de combate ao vampirismo, receberam críticas e sanções graves da Igreja [6], contando inclusive com condenação de São Nicodemos o Hagiorita no Pedalion [7]. Mas sempre foi comum que sacerdotes realizassem exorcismos em situações semelhantes [8].
 
Túmulo do século XIII encontrado em mosteiro búlgaro contendo corpos trespassados por estacas de ferro no coração: solução radical contra o ataque de vampiros
No Ocidente, um dos mais famosos casos de vampirismo e de exorcismo ocorreu na Londres no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. Relatos da aparição de um espectro que exauria as forças de quem o encontrava no cemitério de Highgate associada a suspeitas de ação ritualística de uma seita satanista na região levaram a uma histeria e caça ao vampiro por parte de sociedades ocultistas, praticantes de magia, aventureiros e também sacerdotes católico-romanos [9]. O Bispo da ICAR Séan Manchester teria realizado um exorcismo contra o demônio baseado no antigo Rito Romano. Sua ação foi exposta em um livro sobre o tema, que consta com fotos do vampiro que teria sido destruído na ocasião [10].

A sensacionalista cobertura midiática do Vampiro de Highgate Cemetery, que gerou uma fenômeno de histeria


Também no Brasil há contos que, embora não usem o termo 'vampirismo', acabam se remetendo a fenômenos similares -- embora também acrescidos da presença de antigos símbolos tradicionais na mentalidade popular na forma de folclore, o que é comum em casos de relatos sobrenaturais transmitidos oralmente. Um deles é o 'Corpo Seco', espectros que retornam dos mortos e atacam desavisados em estradas e beira de rios [11]. No Rio de Janeiro temos também a história da portuguesa Bárbara dos Prazeres, prostituta e homicida que vivia no Arco dos Telles no fim do século XVIII e início do século XIX, e que lembra em alguns aspectos a história da Condessa psicopata Elizabeth Bathory [12]. Assim como a nobre húngara, Bárbara buscava na magia uma forma de evitar o envelhecimento; a solução encontrada incluía o assassinato ritualístico de crianças e a ingestão do sangue das vítimas. A prostituta homicida teria fugido para o outro lado da cidade quand seu envolvimento no desaparecimento de crianças foi descoberto. Há testemunhos ainda hoje de seu aparecimento nos atuais Arcos de Telles e no centro do Rio de Janeiro, uma figura espectral e sedenta de sangue ainda pronta a atacar inocentes [13].

Arco do Telles, local de residência de uma das psicopatas mais tenebrosas da história brasileira, Bárbara do prazeres, prostituta, homicida, feiticeira e espectro sedento por sangue


Longe de se constituírem em meras reuniões de superstições que acometiam sociedades tradicionais, os casos de vampirismo são manifestações de atividades demoníacas ligadas à prática de magia negra e à invocação de espíritos do mundo das potestades do ar -- chamado de psíquico ou astral no esotericismo contemporâneo. Por outro lado, a possibilidade do retorno espectral ou semi-corpóreo  também se liga ao mistério do processo da morte, terreno de perigosa dissolução em que a alma se vê diante das próprias paixões e dos tipos de entidades com as quais se vinculou ainda em terra. Os elementos principais do ''folclore'' e dos casos registrados são entremeados por uma coerência descritiva que aponta que a atividade demoníaca pode ser exercida por meio de fantasmas ou restos psicossomáticos de indivíduos falecidos. A descrença no fenômeno cresceu na idade contemporânea por causa da crescente inconsciência sobre os processos de morte e da necessidade de que sejam acompanhados por ritos específicos, a incapacidade de perceber a eficiência e os fins e algumas vezes até a existência de certas práticas de magia e de satanismo, e uma profunda restrição da mentalidade hodierna aos fatos mais brutos do domínio corporal. O cidadão atual se deixa afetar pela ponta do iceberg de casos de homicídio em série, tornando-se cego, no entanto, para os aspectos mais tenebrosos daquilo que chega ao conhecimento público.




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[1] A  figura do vampiro vendida pela indústria começou a se popularizar de fato com a publicação da obra ''O Vampiro'', de John William Polidori, em 1819. Desde então passou por uma intensa romantização que agregou elementos das crenças ocultistas européias oitocentistas -- como é o caso de Bram Stoker, que era membro de organizações esotericistas e parece ter realizado pesquisas para a criação de seu Drácula -- bem como características da civilização hedonista, urbana, cosmopolita e sexualizada do século XX, cuja principal expressão é a versão de Anne Rice que comanda hoje o imaginário ocidental. Para a leitura do clássico e excelente conto de terror de Polidori: The Vampyre: a Tale.

[2] Outra importante diferença a ser considerada entre essas entidades tal como retratadas nas tradições ancestrais e as figuras reelaboradas na contemporaneidade é aquela realizada pelo ocultismo ocidental. As crenças esotericistas europeias imaginaram o vampiro como uma forma de entidade astral ou como um sujeito vivo que possui a singular capacidade psicológica ou psíquica de absorver a energia de quem estivesse ao seu redor. Essa imagem não é totalmente equivocada, mas é bastante restrita e já se trata de uma racionalização feita em cima de parâmetros permeados por uma abordagem moderna do fenômeno. Uma das características marcantes do fenômeno vampírico é sua base corporal e sua associação com o processo da morte ou às tentativas de sustá-lo. 

[3] ''Lawson lista os seguintes tipos de pessoas que se encontram em maior risco de se tornarem mortos-vivos: 

(1) Aqueles que não recebem os ritos funerários completos e apropriados;
(2) Aqueles que tem morte repentina ou violenta (incluindo suicidas), ou, em Maina, onde a vendeta ainda está em voga, aqueles que foram assassinados mas não foram vingados; 
(3) Crianças concebidas ou mortas em uma das grandes festas da Igreja ou natimortas;
(4) Aqueles que morrem sob uma maldição, especialmente dos pais ou auto-invocada, como no caso de um homem que, ao cair em perjúrio, joga sobre si toda sorte de danação caso o que estivesse dizendo fosse falso;
(5) Aqueles que morrem excomungados;
(6) Aqueles que morrem sem batismo ou apóstatas;
(7) Pessoas de vida má e imoral em geral, mais particularmente os que lidam com magia negra e feitiçaria;
(8) Aqueles que comem a carne de uma ovelha que foi morta por um lobo;
(9) Aqueles cujo cadáver foi pisado por um gato ou outro animal.'' Fonte: [Que a terra não os os receba]

[4] Na Grécia há a crença em dois tipos de 'atividade vampírica', a do Vrykolaka e a do Tympaniaios. O primeiro deles estaria ligada à prática de magia e a mortes violentas e traumáticas. O segundo, cuja existência era mais passível de aceitação pelas autoridades eclesiásticas, era o destino do indivíduo que foi excomungado ou anatematizado pela Igreja. Também há a crença generalizada de que a apostasia pode levar à transformação do indivíduo em um vampiro após a morte, crença que foi aproveitada por Bram Stocker na figura do Conde Vlad Tepes, que apesar de herói romeno na luta contra os turcos chegou a aceitar a comunhão católica-romana como forma de conseguir um exército.

[5] A página oferece um resumo rápido da história de Peter Plojogowitz

[6] O medo do vampirismo se devia não apenas ao parasitismo da entidade, mas também a sua capacidade a um só tempo homicida e contagiosa. Arqueólogos encontram sinais de combates ao vampirismo até mesmo próximo a mosteiros [Túmulos de vampiros em mosteiro búlgaro]. Era comum que uma estaca fosse colocada na boca ou no peito do cadáver suspeito. A decapitação e a cremação também eram alternativas. O caso citado na Bulgária traz um detalhe importante: os pesquisadores ficaram surpresos ao notarem que os cadáveres de 'vampiros' eram todos masculinos, o que demonstra a falha das interpretações do fenômeno como algum tipo de superstição misógina.

[7] Para a passagem do Pedalion em que São Nicodemos da Santa Montanha ataca a crença na existência de vrykolakas e condena a prática de exumar e destruir corpos: Superstição e violação de tumbas

[8] Sobre a posição historicamente mais comum dos sacerdotes gregos quanto ao Tympaniaios''atitude da Igreja Ortodoxa oficial quanto ao segundo tipo de morto-vivo discutido por Allatios era bem diferente daquela mostrada quanto aos vrykolakas. Enquanto a Igreja marginalizou os vrykolakas, o tympaniaios era uma criação eclesiástica, consequências da excomunhão [...]'' [Sobre a crença dos gregos: Leo Allatios e a Ortodoxia popular]

[9] Para maiores informações sobre o passo a passo do caso do Vampiro de Highgate Cemetery, acompanhe a descrição dos eventos feita por David Farrant, que fazia parte de uma associação ocultista inglesa que esteve no centro do furacão de toda a publicidade midiática e histeria sobre a existência do fenômeno em Londres. Convém notar que a leitura propiciada por Farrant se insere na perspectiva dos movimentos esotericistas e mágicos da Inglaterra: Como tudo começou.

[10] O Bispo Manchester dá uma interessante descrição sobre a capacidade de metamorfose do vampiro e sobre a destruição daquele que atacava no cemitério: ''A forma corpórea ,através da atividade demoníaca, tem a habilidade sobrenatural de se desmaterializar e re-materializar fora dos arredores de sua tumba. Isso se aplica a todos os tipos de metamorfoses, como descrevi em meu livro. Ele pode assumir outra aparência, e reter mais do que somente a figura espectral quando retorna à forma corpórea a partir de alguma outra, seja ela qual for. Graças às palavras que pronunciei durante uma prolongada cerimônia de evocação e exoercismo no ''Great Northern London Cemetery'' há três décadas, o vampiro tomou a forma do que aparentava ser ''um vapor nebuloso'' que se dirigia para mim. O ritual continuou por quase uma hora antes que uma misteriosa mudança no ambiente ocorresse e levasse ao contorno de uma figura sobre o túmulo diante de mim. Estivesse ou não se metamorfoseando naquilo que eu veria em breve, a próxima manifestação foi de fato uma abominação diabólica do tamanho de um grande gato, que corria para trás e para frente do modo mais aterrorizante e ao redor do perímetro que havia sido intercalado com sal e taças de água benta. Esta forma foi empalada na medida em que o exorcismo atingiu seu clímax. Imediatamente ele voltou a se metamorfosear mais uma vez em um estado corpóreo, mas agora verdadeiramente morto e requerendo um novo enterro e orações. A fórmula que usei se encontra no Ritual Romano anterior ao Vaticano II''. Nesse link [Metamorfoses demoníacas] pode ser lida a explicação do Bem Aventurado Santo Agostinho para essa capacidade dos demônios, segundo descrição de Tomás de Aquino.  O texto de Sean Manchester citado acima pode ser lido por inteiro em Metamorfose

[11] De maneira significativa, o Corpo Seco teria se originado por causa da maldição pronunciada pelos pais a um filho de vida dissoluta e perversa. Um resumo sobre os contos pode ser encontrado em 'A maldição' e  'O ataque do corpo seco'. Uma reportagem interessante sobre esse caso recente: Corpo seco aterroriza sul de Minas

[12] A história da condessa húngara envolve sadismo, homicídios, psicopatia e práticas mágicas que revelam um espírito atormentado por demônios. Bathory torturou e matou centenas de mulheres, e uma das razões seria a de se banhar no sangue das vítimas a fim de manter a própria juventude por meio da absorção de sua força vital: A condessa sangrenta.

[13] Mais uma vez há aqui a conexão de homicídio, feitiçaria, absorção de sangue: A bruxa do Arco do Telles. O sangue, cujo consumo é proibido por Deus nas Sagradas Escrituras, está vinculado a certos elementos vitais da alma que são, inclusive, passíveis de transmissão ancestral e que se ligam ao poderes irascíveis e à parte animal do homem.