sábado, 20 de abril de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Zagueiros 1, 2 e 3

 Depois dos goleiros, vamos aos maiores atletas rubro-negros em outra posição do campo. A lista é cronológica. Para as postagens anteriores, clique nos links:


Goleiros:

i. Amado Begnino e Yustrich [David Knipel]

ii. Sinforíano García, Antônio Luís Cantareli e Raul Plassmann

iii. Gilmar Rinaldi, Júlio César e Outros.



ZAGUEIROS



1) PÍNDARO DE CARVALHO, O ''GIGANTE DE PEDRA'' (1911/1919, 1920/21)




O paulista Píndaro, apelidado de O Gigante de Pedra, pode ser definido por seu pioneirismo. Campeão carioca com a camisa do Fluminense, era um dos nove atletas que, por divergências políticas com o mais alto conselho do clube das Laranjeiras, rompeu com a agremiação e foram acolhidos no Clube de Regatas do Flamengo, que criou um Departamento de Esportes Terrestres para eles. Fez parte, portanto, do PRIMEIRO time de futebol e da primeira dupla de zaga do Flamengo.




Líder da primeira equipe campeã d'O Mais Querido, Píndaro conquistou o bicampeonato de 1914/15. Se aposentou em 1919 pra seguir a carreira de médico sanitarista, mas voltou ao time rubro-negro no ano seguinte e atuou na campanha de mais um bicampeonato, em 1920/21.

Não para por aí. Ele foi o primeiro zagueiro a marcar gol pelo Flamengo. Foram três em suas mais de 80 partidas com o Manto Sagrado.




Símbolo da aurora do futebol pátrio, o Gigante participou da primeira seleção brasileira da história. Era o zagueiro na histórica partida contra o Exeter City, realizada no Estádio das Laranjeiras. Aliás, a zaga da seleção era a dupla do Flamengo [Píndaro e Nery], e o Gigante rubro-negro era o capitão do Brasil.

[O escrete tinha sete jogadores de clubes cariocas e quatro de clubes paulistanos. Eram dois jogadores do Flamengo, dois do Fluminense, dois do Botafogo, um do América; dois do Ypiranga, um do Paulistano e um do São Bento.]




Não contente com isso, Píndaro foi titular também das seleções brasileiras que conquistaram a Copa Roca de 1914 [primeiro título levantado pelo Brasil e em plena Argentina] e o primeiro Campeonato Sul-Americano [atual Copa América], em 1919.

Depois de abandonar os gramados, se aventurou como técnico de futebol. E, adivinhem! Foi o primeiro treinador da seleção brasileira em uma Copa do Mundo, a de 1930. [Na primeira postagem sobre os maiores goleiros do Flamengo, contei a história de como Píndaro deixou de fora Amado Begnino da convocação final para o Mundial no Uruguai.]






O Gigante de Pedra é um dos MITOS SAGRADOS e indiscutíveis d'O Mais Querido do Brasil.

Nas fotos acima, Píndaro no primeiro time da história do Flamengo, ainda com a Papagaio Vintém, depois com a Cobra-Coral, e também fotos de passagens na seleção brasileira, como o primeiro jogo e a equipe campeã sul-americana de 1919.



2) DOMINGOS DA GUIA, ''O DIVINO MESTRE'' (1936/1943)


"Caricaturistas iam para o Estádio Centenário surpreender atitudes de Domingos. Domingos encolhido a um canto, antes do jogo, com uma capa de borracha sobre os ombros. Domingos jogando. Um filme em caricatura. Tudo o que Domingos fazia interessava, era um motivo jornalístico. Os jornais uruguaios se deram até ao trabalho de uma estatística. Para saber a quanto somava só o público de Domingos. Quando Domingos deixava de jogar, cinco mil torcedores ficavam em casa, achando que sem Domingos o jogo não tinha graça. Quando Domingos jogava, lá estavam os cinco mil torcedores a mais. [...] Coisa que o Flamengo aproveitou. Queria ser o clube mais popular, mais querido do Brasil, não podia deixar o preto de fora. Indo em busca do preto, o Flamengo ia ao encontro do gosto do povo. Escolhendo Fausto, Leônidas e Domingos, já escolhidos pelo povo, como ídolos. Fazendo a sua transfusão de popularidade."

Mário Filho, "O Negro no Futebol Brasileiro"



Considerado por muitos como o maior zagueiro brasileiro da História, Domingos vem de uma família nascida e criada no bairro de Bangu, e que forneceu grandes nomes para o nosso futebol. Ladislau, seu irmão, foi o maior artilheiro da história do Bangu, um dos mais tradicionais clubes da antiga capital. Ademir da Guia, seu filho, se tornou o maior ídolo do Palmeiras.




Domingos foi descoberto nas peladas da Zona Oeste do Rio [a antiga Zona Rural, ou ''sertão carioca''], e chegou ao time da fábrica [O Bangu nasce em torno de uma fábrica têxtil construída com capital inglês] aos 17 anos de idade. Antes de rumar para a Gávea, alcançou renome na cidade e no continente com temporadas vitoriosas pelo Nacional de Montevidéu e pelo Boca Juniors. Os uruguaios, que tinham a principal escola de futebol sul-americano, o chamavam de ''Divino Mestre''.




O Mestre revolucionou a forma de jogar. Era técnico, não dava chutões, fazia poucas faltas. Saía tocando a bola e driblando adversários com autoridade no seu campo de defesa. Sua técnica esplendorosa foi imitada pelos colegas, mas raramente com a mesma competência. [quando um zagueiro tentava sair driblando e falhava se dizia que ele cometera uma ''domingada''.]

O Mestre foi um dos artífices também do florescimento internacional da seleção. Junto com Leônidas, também jogador do Flamengo, participou da equipe que conquistou o terceiro lugar na Copa da França, em 1938, o maior resultado do escrete até então.




Nos anos 1930, um projeto dos dirigentes do Flamengo, e capitaneado pelo Presidente José Bastos Padilha, fez de Domingos uma das causas da imensa popularidade do rubro-negro carioca, que contava com os principais jogadores pretos e mulatos do país. O Flamengo ficou conhecido a partir de então como um clube da nação, de elite e ao mesmo tempo popular, e a paixão pelo Mais Querido inundou todo o território do país a partir das transmissões da Rádio Nacional. O jornalista Mário Filho considerava Domingos da Guia um dos protagonistas na integração do negro no nosso futebol, em um período em que a elite intelectual e política brasileira passou, finalmente, a valorizar nossa herança africana e nossa mestiçagem. Falarei mais desse processo quando tratar do caso de Leônidas da Silva, o Diamante Negro.

Domingos atuou n'O Mais Querido por oito anos, no auge da carreira, defendendo o Manto Sagrado em mais de 220 oportunidades. Atuou ao lado de ídolos como Walter Canegal, Yustrich, Leônidas da Silva, Fausto, Zizinho, Valido e outros. Seus principais títulos são os cariocas de 1939, 1942 e 1943.



3) JADIR (1952/1962)






atletas que, por diversos fatores -- identificação com a torcida, desempenho marcante, longevidade, troféus conquistados -- se tornam instituições dos clubes. O paulistano Jadir teve todas essas características. Com quase 500 partidas defendendo o Manto Sagrado [498 para ser mais exato], é o décimo jogador que mais vezes entrou em campo pelo Flamengo.

Tudo começou quando o ''craque dos torneios de várzea'', ex-ponta esquerda que descobriu sua vocação para ''médio'' -- falarei dessa posição em outra ocasião -- soube no fim de 1951 que o Flamengo procurava um substituto para o volante Modesto Bria. Jadir partiu pro Rio pra realizar o sonho de fazer um teste pelo rubro-negro. Raçudo, impressionou nos treinos e garantiu vaga no elenco.





E então se tornou foco de uma revolução tática da qual Fleitas Solich, técnico da seleção paraguaia, foi um dos pioneiros no futebol brasileiro por meio do Flamengo. Nossos times jogavam em uma adaptação de WM, a DIAGONAL, introduzida também em um revolução tática promovida n'O Mais Querido pelo técnico Flávio Costa. As equipes brasileiras eram escaladas nos jornais da época em um tipo de 3-2-2-3.

Mas Solich, contratado pelo rubro-negro em 1953, realizou a transição definitiva para o 4-2-4, em que o volante que se posta mais atrás era recuado para participar da linha de defesa [se transformando em um 'quarto' defensor, ou quarto zagueiro, que no início podia ser tanto pela direita ou pela esquerda]. Jadir se tornou o 'quarto-zagueiro' da Gávea, atuando ao lado de Pavão.




A mudança tática e a qualidade técnica da equipe transformaram O Mais Querido no clube dominante do Rio de Janeiro durante a maior parte dos anos 1950. Uma equipe que recebeu o apelido de Rolo Compressor e a responsável pela consolidação da torcida do Flamengo como ''dona'' do Maracanã.




Jadir foi fundamental no tricampeonato de 1953/54/55 e sua ausência por contusão no campeonato de 1956 é apontada como uma das principais causas da perda do tetra. Chegou à seleção brasileira em 1957 e só foi cortado na convocação final para a Copa de 1958 porque sofreu uma contusão no joelho em partida contra o Corinthians pelo Torneio Rio-SP.

Seu último grande título n'O Mais Querido foi o Torneio Rio-São Paulo de 1961. Deixou a Gávea em 1962, tendo passagens relâmpago por Cruzeiro e Botafogo, e terminou a carreira no Mallorca, da Espanha, em 1963. No Flamengo, jogou com craques do porte de Evaristo de Macedo, Dida, Zagallo, Rubens, Joel, Henrique e Carlinhos, dentre muitos outros.


sexta-feira, 19 de abril de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Goleiros: Final

Termino a listagem dos grandes atletas que passaram pela meta do clube da Gávea. Na próxima, começo a tratar da posição de zagueiro. Quem quiser ler as primeiras postagens, clique:


i. Amado Benigno, Yustrich [David Knipel]

ii. Sinforiano García, Antonio Cantareli, Raul Plassmann



6) GILMAR RINALDI (1990/1994)




O gaúcho Gilmar é mais um goleiro que chegou à Gávea já experiente e com uma carreira robusta, mas ainda assim marcou o coração da torcida com grandes atuações e contribuições para grandes títulos. Começou no Internacional em 1978, e em meados dos anos 1980 chegou ao São Paulo pra fazer parte da equipe que ganhou o apelido de ''Menudos do Morumbi''. 


Depois de perder a posição no gol do tricolor paulista para Zetti, Gilmar rumou para o Rio de Janeiro e substituiu Zé Carlos n'O Mais Querido. Não é exagero dizer que viveu no Flamengo o auge de sua carreira. Campeão estadual em 1991 e Brasileiro em 1992, retornou à seleção brasileira e fez parte do elenco que conquistou a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos.




Rinaldi é o quinto goleiro com mais partidas vestindo o Manto Sagrado, atrás apenas de Cantareli, Zé Carlos, Júlio César e Sinforíano García. Foi ídolo indiscutível de um dos times mais identificados com a arquibancada que já tive o prazer de presenciar. Jogou com gente graúda como Júnior, Zinho, Renato Gaúcho, Marcelinho Carioca, Djalminha, Nélio, Júnior Baiano e Wilson Gottardo.



7) JÚLIO CÉSAR (1997/2004; 2018)




Houve um tempo em que os europeus diziam que o futebol brasileiro era o melhor do mundo por causa da profusão de craques que revelava, mas que não tinha bons goleiros. Quando a exportação em massa de atletas pra Europa se intensificou, em meados dos anos anos 1980, jogadores brasileiros de todas as posições preencheram os clubes do Velho Continente. Mas não o gol. Quem começou a mudar essa história foi o grande Dida, goleiro que brilhou no Milan por toda a primeira década desse século. E quem consolidou de vez a nova imagem dos arqueiros pátrios foi Júlio César.


Nascido na Baixada Fluminense e criado na Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, Júlio César se tornou um dos maiores ídolos d'O Mais Querido, ainda mais admirado por ter se destacado em um momento de vacas magras, em alguns dos anos mais difíceis do futebol profissional do Flamengo. 




Formado no clube, onde chegou com 12 anos de idade, ficou na reserva de Clemer nos primeiros anos. Se tornou titular no Campeonato Brasileiro de 2000, com apenas 20 anos de idade, e virou peça fundamental na conquista do tricampeonato carioca [99/200/01] contra o então poderoso Vasco da Gama, e na Copa dos Campeões [2001] contra o São Paulo. Nos anos seguintes, liderou os fracos elencos rubro-negros que mantiveram O Mais Querido na primeira divisão do campeonato brasileiro durante as piores temporadas da nossa História. 




Júlio César partiu pra Europa em 2005, e fez grande sucesso na Inter de Milão, enfileirando títulos. Acabou eleito o melhor goleiro do mundo em 2010 e envergou a camisa titular da seleção brasileira nas Copas de 2010 e 2014. Retornou à Gávea em um contrato simbólico, em 2018, para se aposentar pelo time de coração. Nunca defendeu nenhum outro clube brasileiro senão o Flamengo, e é o terceiro goleiro com mais partidas com o Manto Sagrado [285 jogos], atrás apenas de Cantareli e Zé Carlos.




8 ) OUTROS


Depois dos sete nomes escolhidos pra prateleira principal dos goleiros d’O Mais Querido do Brasil seguem outros nomes que merecem ser recordados de forma especial.



I) JURANDIR (1942/1946)





Paulista que fez grande sucesso no Palestra Itália [atual Palmeiras] e no futebol argentino, barrou Yustrich no gol rubro-negro. Só foi derrotado em seu vigésimo quinto jogo pelo Flamengo, recorde depois igualado pelo goleiro Felipe em 2011. Tinha a fama de “Rei dos pênaltis” e foi fundamental na conquista do primeiro tricampeonato carioca em 1942/43/44.



II) RENATO (1964; 1967/68; 1972/1975)





‘Prata da casa’, foi muito emprestado durante os anos 1960. Se firmou como titular na Gávea depois de passagem pelo Atlético Mineiro, no início dos anos 1970. Conquistou o bicampeonato da Taça Guanabara em 1972/73, e os campeonatos cariocas de 1972 e 1974. Fez parte do elenco da seleção brasileira que terminou em quarto lugar na Copa do Mundo de 1974.



III) ZÉ CARLOS (1984/1991; 1996/1997)




Segundo goleiro que mais defendeu o Manto Sagrado, com 352 jogos pelo Flamengo, atrás apenas de Cantareli. O ‘Magrão’ foi titular do gol rubro-negro por cinco anos ininterruptos antes de perder a posição pra Gilmar Rinaldi. Voltou em 1996, e, pé quente, venceu o campeonato carioca invicto. Tem 4 taças guanabaras, 2 campeonatos cariocas, 1 copa do Brasil e um campeonato brasileiro. Pela seleção brasileira, foi medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, e fez parte do elenco que conquistou a Copa América de 1989. Disputou também a Copa do Mundo de 1990.



IV) BRUNO (2006/2010)





Estaria na prateleira principal não tivesse se tornado o mandante do sequestro e assassinato da mãe de seu filho, Eliza Samúdio, crime que chocou a opinião pública em 2010, e colocou fim à sua carreira e ao seu status de ídolo da Nação. Mas seria falsear a história negar sua importância como atleta rubro-negro. Teve participação decisiva no tricampeonato carioca em cima do Botafogo, em 2007/08/09, bem como na conquista do campeonato brasileiro de 2009, se notabilizando como grande pegador de pênaltis. É o sexto goleiro que mais vestiu a camisa do Flamengo.



V) DIEGO ALVES (2017/22)




Carioca que se profissionalizou no Atlético Mineiro e depois construiu sólida carreira na Espanha, chegou no Flamengo já bastante experiente, aos 32 anos de idade. Se tornou o goleiro mais vitorioso da história rubro-negra depois de Raul Plassmann, vencendo o tricampeonato carioca 2019/20/21, o bicampeonato da Supercopa do Brasil 2020/21, o bicampeonato brasileiro 2019/2020, as Libertadores da América 2019 e 2022, a Recopa Sul-Americana em 2020, além da Copa do Brasil 2022. 

terça-feira, 16 de abril de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Goleiros 3, 4 e 5

Dando continuidade à série sobre o Maiores jogadores do Flamengo, que iniciei pela posição de Goleiro. Sigo em ordem cronológica. 


Acompanhe as postagens anteriores:


i. Amado Begnino e Yustrich [David Knipel]



3) GARCÍA [1949/1958]




Sinforíano García era goleiro da Seleção do Paraguai vice-campeã de 1949, ano em que o Campeonato Sul-Americano [Copa América] foi realizado no Brasil. O Flamengo decidiu contratá-lo pelo desempenho de García naquela competição, fechando o gol em uma histórica vitória sobre a seleção brasileira por 2 a 1. [o Brasil acabaria campeão, mas a partida paraguaia foi marcante.]




Estreou no Mengão num amistoso contra o Arsenal, que vencemos por 3 a 1, e fez parte da equipe rubro-negra que dominou o Rio durante grande parte dos anos 1950 e ganhou o epíteto de ''Rolo Compressor''. García levantou o tricampeonato carioca -- o primeiro tri da Era Maracanã -- atuando ao lado de ídolos inesquecíveis como Evaristo, Dida, Rubens, Dequinha, Pavão, Joel, Zagalo e outros.



Sinforíano vestiu o Manto Sagrado em mais de 270 jogos, segundo atleta estrangeiro com mais participações pelo Flamengo, atrás apenas do também paraguaio Modesto Bria.


4) CANTARELI (1973/1990)




O mineiro Antônio Luís Cantareli é uma instituição rubro-negra. Formado no famoso time juvenil que mais tarde levaria o clube à sua Era de Ouro, o goleiro atuou toda a vida pelo Flamengo [com exceção de um empréstimo ao Náutico, em 1983]. E depois de aposentado ainda foi treinador de goleiros do clube e auxiliar técnico de Jayme de Almeida na conquista da Copa do Brasil de 2013.




Cantareli é o goleiro que mais vestiu a camisa número 1 d'O Mais Querido: 557 partidas. O que também o transforma no sexto jogador que mais vezes vestiu o Manto Sagrado.


Tanto tempo no Flamengo fez dele um dos jogadores mais vitoriosos da história do clube. Dureza encontrar alguém que tenha mais faixas de campeão pelo Flamengo: 8 Taças Guanabara, 6 Campeonatos Cariocas, 4 Campeonatos Brasileiros, Libertadores da América, Mundial Interclubes, dentre outras em torneios menores.




O detalhe é que Cantareli tem apenas 1,78 m de altura, baixo pra um goleiro mesmo nos anos 1970 e 1980. Isso não o impediu, no entanto, de ter uma das carreiras mais vistosas do futebol brasileiro e de escrever seu nome na história do clube de maior torcida do país.


5) RAUL PLASSMANN (1978/1983)



Considerado por muitos o arqueiro mais marcante da história d'O Mais Querido, Raul já chegou no Flamengo consagrado e bastante experiente, aos 34 anos de idade. Naqueles tempos, era uma idade avançada para um atleta, mesmo atuando debaixo das traves.

Paranaense que começou a carreira no Athletico, o ''Velho'' se destacou em um dos mais memoráveis esquadrões já montados no nosso futebol, o Cruzeiro de Tostão. Foi na Raposa que se consolidaram algumas das legendas em torno de Raul, como a camisa amarela -- atípica dos goleiros naquela época, já que a maioria vestia negro e cinza --, o apelido de Wanderléa e também a profusão de títulos, dentre os quais a Libertadores da América.




Ninguém sabia que o melhor ainda estava por vir. Chegou na Gávea em 1978, já pensando em encerra a carreira. E participou da equipe mais lendária da Gávea, acumulando quatro títulos Cariocas [inclusive um tricampeonato], o pentacampeonato da Taça Guanabara, três Campeonatos Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial Interclubes.


Se aposentou com 39 anos de idade, e ainda é um dos dez goleiros que mais vestiram o Manto Sagrado: foram 228 partidas defendendo a meta rubro-negra. Sua defesa mais importante talvez tenha sido contra o Grêmio, na final do Brasileiro de 1982, em pleno estádio olímpico. Até hoje os tricolores gaúchos juram que a mão que tirou a bola do gol rubro-negro era de Andrade, mas Raul sempre garantiu que a defesa foi feita por ele. A foto abaixo confirma a versão do goleiro, o ângulo permite ver que o ''braço negro'' que evitou o gol de empate do Grêmio era do uniforme de um dos maiores mitos vivos da meta rubro-negra. Muitos lamentam a ausência de Raul na Copa do Mundo de 1982



domingo, 14 de abril de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Goleiros 1 e 2

Esta postagem inaugura uma nova série no blog, a dos maiores ídolos do futebol do Flamengo, citados por posição e, em geral mas nem sempre, em ordem cronológica. Claro que se trata de uma perspectiva pessoal, mas ela é bem fundamentada na história d'O Mais Querido do Brasil. A série já foi inteiramente publicada no Facebook há dois anos. Se trata, então, de uma transposição para este blog, mas com alguns ajustes pontuais.


Para estar entre os maiores de um clube não basta ser um dos melhores atletas a vestir a camisa. Tem muita gente boa que passa por um grande time mas não deixa marcas, enquanto outro mais limitados caem no gosto da torcida e atravessam jornadas épicas.


Desse modo, vou dar preferência àquilo que um jogador representou para o Flamengo mais do que à qualidade técnica que tinha. Não quer dizer, claro, que vou desprezar a qualidade, apenas priorizar o peso que sua figura teve nessa instituição mais do que centenária.


Começo pelos goleiros, posição que não precisa de maiores explicações.



GOLEIROS



1) AMADO BENIGNO (1923/1934)





Ídolo rubro-negro da era amadora, Amado conquistou os cariocas de 1925 e 1927. Foi campeão brasileiro [de seleções] pela Seleção Carioca em 1927 e 1928, e também o primeiro amazonense a vestir a camisa da seleção brasileira.

O sujeito era tão flamengo [como se dizia à época], que decidiu disputar um amistoso pelo clube no dia da apresentação da seleção pra Copa do Mundo de 1930 sem avisar a CBD [Confederação Brasileira de Desportos, antigo nome da CBF]. Foi cortado quando o técnico Píndaro de Carvalho -- outro grande nome do Flamengo, como veremos -- descobriu a artimanha.

Amado quase levou o garoto Oscar Niemeyer, que atuava no Fluminense, para jogar n'O Mais Querido, o que livraria o país de um arquiteto bizarro que ergueu feiuras em diversas metrópoles brasileiras. Mas essa é uma opinião polêmica de minha parte. O fato é que Niemeyer não aceitou o convite.



2) YUSTRICH (1935/1944)





Seu nome verdadeiro era David Knipel. Nascido no Mato Grosso e de ascendência alemã, veio pro Rio de Janeiro com apenas seis meses de idade e se profissionalizou no Flamengo. O apelido era referência ao famoso goleiro Juan Elias Yustrich, do Boca Juniors.

Knipel foi o ídolo do gol rubro-negro no início da Era Profissional. Campeão carioca em 1939 e tricampeão em 1942/43/44, teve como companheiros de Flamengo lendas do porte de Fausto, a ''Maravilha Negra''; Domingos da Guia, ''O Divino Mestre"; Leônidas da Silva, ''O Diamante Negro"; e Zizinho.





Depois se tornou um técnico extremamente vitorioso tanto no Rio de Janeiro quanto em Minas Gerais e em Portugal. Era bem polêmico por causa da fama de disciplinador. Não permitia que os jogadores ficassem de barba por fazer, fumassem, jogassem sinuca etc. A extrema rigidez o levou a uma montanha de situações que entraram pro anedotário do futebol brasileiro.






Yustrich tinha também o apelido de ''Homão'' por causa de seu tamanho [1,90m de altura, em uma época em que a média de altura do brasileiro era bem menor do que a atual] e de seu temperamento ''viril'', cheio de ''macheza''. Quase foi técnico da seleção de 1970, mas a CBD preferiu Zagallo no lugar de João Saldanha.

Aliás, a queda de Saldanha esteve muito ligada ao ''Homão'', que era um dos mais cotados pra substituí-lo. Dizem que ''João sem Medo'' apareceu na Gávea armado pra tirar satisfações com Yustrich, então técnico d'O Mais Querido. Knipel não economizava nas críticas ao treinador da canarinho, visando derribá-lo pra ocupar o lugar, mas não estava na concentração nesse dia. O episódio algo bizarro foi usado pela CBD pra justificar a saída de Saldanha do comando da equipe.



sábado, 16 de março de 2024

O Pastor Yago Martins e o Cânone Judaico parte V: Os Concílios

 


Para terminar a série de postagens em que comento a defesa do Antigo Testamento protestante pelo Pastor Yago Martins, apresento algumas fontes deixadas de lado no vídeo do Dois Dedos de Teologia


Se alguém tiver interesse de acompanhar toda a análise, deixo os links para os textos anteriores:


1) O Cânone estava aberto na Palestina do século I

2) O Cânone Rabínico, a Mishná, Flávio Josefo e Fílon de Alexandria

3) Os livros citados por Cristo e pelos Apóstolos

4) O Cânone na Patrística


Já que o Pastor trouxe para a arena argumentos baseados na Patrística, não custa também analisar as resoluções conciliares, os encontros oficiais entre as lideranças da Igreja, ocorridas no mesmo período de tempo das obras citadas em Lutero tirou livros da Bíblia?


Em resposta a um canal católico-romano, Yago Martins disse que os Concílios apenas "batiam o martelo" sobre aspectos da vida religiosa que já tinham tomado corpo nas comunidades cristãs. O argumento é que o cânone não se trata de uma imposição conciliar, que ele foi fechado aos poucos e de modo orgânico nas diferentes igrejas, e só foi oficializado pelas autoridades clericais nos sínodos. É uma forma dos protestantes se livrarem do peso institucional da decisão dos Bispos, que coloca em risco a visão calvinista sobre a organização eclesiástica.


O problema é que se trata de uma visão a-histórica e até ingênua. Afinal, os Concílios nem sempre ''batem o martelo'' sobre o que já está estabelecido. É bastante comum que as decisões fossem contestadas durante décadas, até mesmo séculos. O arianismo, só para dar um exemplo, não foi inteiramente resolvido no mundo cristão em Nicéia [325]. As discussões cristológicas deram pano pra manga por muito tempo, e provocaram divisões entre que se mantém até hoje. 


Muitas decisões conciliares eram tomadas em momentos de intenso conflito, algumas contra as autoridades constituídas. Quando mais a Igreja e o Império se aproximaram, mais os Concílios estiveram imbricados com perigos provenientes do exercício do poder temporal.


A noção de que os principais temas discutidos na Cristandade chegavam apaziguados nos sínodos, bastando ao Bispos referendarem o que já estava dado na vida interna das diferentes comunidades é um mundo cor-de-rosa que nunca existiu. O argumento protestante torna muito difícil explicar, aliás, as dissensões ainda existentes, como aquelas das igrejas orientais, dos monofisitas e nestorianos etc. 


Voltarei a este ponto quando der continuidade à série específica sobre cânone neotestamentário. Não são poucos os autores protestantes que tiram todo o peso possível do ''martelo'' das autoridades eclesiásticas e outras que possam recordá-los, minimamente, de que a Igreja se tratava sim de uma instituição hierarquizada e orgânica. Mas o cânone do Novo Testamento não surgiu desse modo espontâneo com que defendem em suas obras. Houve Igrejas que, distanciadas do catolicidade, adotaram um Novo Testamento de apenas 22 livros, e não 27. 


Além disso, os Bispos e Presbíteros participavam do dia a dia das comunidades. Eles não eram elementos exógenos assistindo ''de fora'' as posições tomarem corpo em suas igrejas. É fato que não há liderança sem seguidores, mas os líderes tem uma capacidade de influência no cotidiano que não pode ser desprezada. É por isso, inclusive, que o Pastor Yago decidiu citar a posição de Padres dos primeiros séculos em seu vídeo de defesa do cânone: pelo peso que as palavras destas figuras tinham entre os cristãos de sua época e de outras.


Enfim, os Concílios são testemunhas evidentes do que as Igrejas cristãs pensavam das Escrituras Sagradas, que livros eram lidos e estudados. 


Outra fonte importante são os manuscritos com as Escrituras, produzidos ainda na Antiguidade: os códices que remontam ao século IV e V. Ainda que não sejam decisivos na questão, já que eu mesmo enfatizei que listas de livros canônicos não são exatamente um cânone, estes documentos comprovam as tendências inclusivas do processo de canonização.


 Abaixo, um quadro com informações sobre estas listas.





Os "Cânones dos Apóstolos" é pseudo-epígrafo. Mas foi referendado por Concílio Ecumênico [na verdade, o Concílio de Trullo], ao lado de outras listas. O que significa que, em pleno século VII, a Igreja convivia normalmente com listas diferenciadas de livros canônicos. Outro ponto notável é que as decisões do Concílio de Trullo não foram inicialmente aceitas pelo Patriarcado de Roma, o que desmonta também a ideia de que o atual formato do Antigo Testamento seguia algum tipo de conspiração católica-romana.


As considerações do Pastor sobre a doutrina presente nos "deuterocanônicos" não são relevantes, já que pressupõem o cristianismo reformado e fazem uso de apelos sentimentais ["vocês iam querer que um livro desses orientasse sua vida?"]. Este tipo de apelo pode ser feito basicamente sobre qualquer livro escriturístico, e é muito usado por ateus contemporâneos quando alegam que o cristianismo é démodé, como se os valores e práticas de nosso tempo fossem o critério seguro de verdade. 


Por fim, se o calvinismo for mesmo uma doutrina abstrata capaz de avaliar o que é certo e errado nas Escrituras e até que livros são ou não revelados, então a ideia de que a Bíblia é a única ou a principal regra de fé cai por terra. Para que o calvinismo esteja correto é necessário antes saber de modo seguro e infalível quais são os livros revelados. Ou então o Sola Scriptura se torna um beco-sem-saída. Não por acaso, a insistência protestante de que há um cânone salvaguardado desde sempre, uma crença que pode ser desmontada até mesmo por uma pesquisa histórica superficial.


Desta série podemos concluir que:


1. Não havia cânone judaico fechado no século I. As pesquisas demonstram, inclusive, a fluidez das formas textuais de diversos livros das Escrituras Judaicas. Antes do século II a.C., a revelação não era entendida como uma forma textual precisa, definitiva e acabada, mas com um sentido apropriado quase de modo xamânico. A estabilização dos textos foi realizada posteriormente, em uma sensibilidade que se estabelecia aos poucos entre o século I a.C. e II d.C. E somente séculos depois, grupos rabínicos concluíram que a revelação estava inscrita de modo literal no texto, dependendo da correta análise de cada letra em seu valor específico, numérico, dando concretude e materialidade à ideia de ''alfabeto divino'' no corpo textual da Tanack.

2. O cânone rabínico [Tanack] só é fechado entre os séculos II e IV da Era cristã. Não faz sentido projetá-lo para antes das Guerras Judaicas. Além disso, o cânone rabínico não pode ser confundido como o ''cânone da comunidade judaica''. 

3. A Igreja usava a Septuaginta, assim como a maioria dos judeus dos primeiros séculos, e a considerava tão inspirada quanto os textos em hebraico. Os próprios autores neotestamentários usavam, prioritariamente, a Septuaginta em suas citações e em sua compreensão das profecias. 

4. Os cristãos não se subordinavam ao cânone rabínico, ainda que levassem em conta, principalmente a partir do século IV, que o número de livros deveria obedecer ao número de letras do alfabeto hebraico ou do alfabeto grego. Eles tentavam acomodar os livros lidos e cantados nas Igrejas a este número, e ao mesmo tempo manter uma noção mais abrangente e inclusiva de inspiração divina.

5. O cânone do Antigo Testamento não estava fechado, o processo de debate ocorreu durante toda a primeira metade do primeiro milênio, se intensificado após o Édito de Milão. No século V, o cânone veterotestamentário era inclusivo e permanecia aberto tanto no Oriente quanto no Ocidente.