segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS, PARTE 2

NÚMERO 3: My Darling Clementine [''Paixão dos Fortes''], de 1946




Wyatt Earp é um símbolo do Velho Oeste. Um sujeito de carne e osso, que atravessou todo aquele período histórico e fez de quase tudo. Caçou búfalos, foi operário de ferrovias, buscou prata em minas, gerenciou cassinos, conduziu gado por trilhas no deserto, se tornou justiceiro. Mas sua fama se consolidou por seu trabalho como xerife de cidades conflagradas, mergulhadas no caos e no conflito.

Wyatt sobreviveu ao Velho Oeste, adentrou o século XX e testemunhou o fim do estilo de vida aventureiro e desordenado que formataria para sempre o imaginário americano. Depois da Primeira Guerra Mundial já era uma lenda viva, um fóssil, e também uma fonte para os primeiros "bangue-bangues" -- força do cinema americano já na década de 1910, em pleno apogeu do cinema mudo, em um tempo em que Hollywood ainda não existia.

Uma biografia muito famosa de Earp foi lançada e se tornou um clássico instantâneo: ''Frontier Marshall'' [''Xerife da Fronteira'']. Imediatamente ela se tornou inspiração para produções dos grandes estúdios, mesmo depois que se descobriu que ela pecava por seu pequeno apego à verdade histórica. A lenda de Earp era mais forte do que os fatos, e foi elaborada, modificada, expandida em diversas versões.

Rapidamente episódios da vida de Earp se tornaram pedras basilares do mito do Oeste, como o famoso tiroteio do Curral OK, em Tombstone, em que Wyatt e dois de seus irmãos, ajudados pelo amigo Doc Holliday [outra figura indispensável na história do século XIX americano], derrotam representantes de uma gangue de ladrões de gado que se recusavam a obedecer a ordem do Xerife Virgil, que tinha proibido o porte de armas na cidade.

Elevado a símbolo da lei e da ordem, de um bravo que impôs com métodos violentos a civilização em meio a caubóis bêbedos e de armas em punho, Earp também soube deixar o distintivo de lado quando lhe apeteceu. Trabalhando muitas vezes nos meandros entre o legal e o ilegal, abraçou de vez a vida de ''fora da lei'' quando os tribunais não deram conta dos atentados que seus irmãos sofriam na mão de desafetos, incomodados com seu sucesso em pacificar cidades. O heroi reuniu um grupo, sempre apoiado pelo perigoso e carismático Doc Holliday, e saiu à caça dos inimigos, circunstância que definitivamente gravou seu nome na história da conquista do Oeste.

De todos os sucessos cinematográficos inspirados pela vida de Earp -- tais como ''Dodge City'', ''Frontier Marshall'', ''Doc'', ''Winchester 73'', ''Gunfight at the Ok Corral'', ''Hour of the Gun'', e os mais recentes ''Tombstone'' e ''Wyatt Earp'' --, ''My Darling Clementine'' [1946] é certamente o mais importante de todos, e também uma das melhores obras do mestre John Ford.

Romantizando a biografia já ultra-idealizada de Earp, Ford compôs uma poesia em forma de cinema. Não deu o papel principal para John Wayne, preferindo a figura menos dura e menos ameaçadora de Henry Fonda. Seu Wyatt é sujeito civilizado, repleto de discernimento, bem apessoado e de boa higiene, que é capaz de desarmar quase todos com sua liderança misturada a bons modos.

O lado mais sujo do heroi do ''western'' fica por conta do Doc Halliday [a mudança de nome foi para evitar conflitos com a família de Holliday] de Victor Mature, um cirurgião que deixou a sociedade da Costa Leste para se tornar o homem mais respeitado de Tombstone, levando a vida entre tiroteios, bebedeiras em tabernas, jogos de azar, os amores da dançarina Chihuahua e crises de uma tuberculose já em estágio avançado. Halliday poderia parecer um perigo para a tentativa de Earp de colocar ordem na cidade conflagrada, mas os dois estabelecem uma genuína amizade desde o primeiro encontro.

O título do filme faz menção a uma personagem fictícia e à famosa música folclórica. Clementine é uma enfermeira apaixonada por Doc, e que procura por ele na tumba do Oeste em decomposição. Apesar de todo o amor, os dois não ficarão juntos. O cirurgião sabe que há uma sentença de morte pairando sobre ele, similar ao destino traçado para o próprio Velho Oeste. A tensão que se estabelece entre a moça civilizada das metrópoles e Earp dá o tom do filme, uma paixão platônica que jamais se concretiza pela lealdade implicada na amizade entre o pistoleiro tuberculoso e o xerife.

A dinâmica da narrativa não esconde o fio de Ariadne do gênero, a busca por vingança. Wyatt aceitou ser xerife de Tombstone depois que seu irmão mais novo foi assassinado por ladrões de gado. A possibilidade de revanche dos Earp dá um sentido diferente a todos os atos que realiza em defesa da lei.

Mas o que chama atenção nessa peça única de Ford é o seu retrato singular do Faroeste. Os EUA saíam da II Guerra Mundial e rumavam para seu destino urbano, cosmopolita e tecnológico. Em contraste, John Ford oferece para sua Tombstone um panorama rústico, simples, vagaroso. O cotidiano rural está em todo lugar: conversas na taberna, preparativos para a quermesse, pregações da Igreja, danças, jogos de pôquer. O diretor presta homenagem àquele ritmo peculiar, àquela temporalidade distinta que marca a vida campestre do Velho Oeste, mais do que a uma loucura veloz de perseguições, duelos e balas zunindo que caracterizavam esse mundo imaginário.

Mais do que ação desenfreada, Ford dá a seu público um poema, uma ilustração da canção homônima do filme, como se um pequeno criador de gado tocasse sua viola do fundo de um Saloon e colocasse em palavras ritmadas e caipiras as cenas predominantes do mito. Ou como a tomada de Wyatt Earp [Henry Fonda] sentado em frente ao hotel da cidade, apoiando seu pé numa pilastra e balançando sua cadeira enquanto observa sem pressa o caminhar do pequeno povoado que se desdobra diante de seus olhos.
Todas as

sábado, 21 de janeiro de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS, PARTE 1

 

Temos muito o que aprender com um país que está se esvaindo, os EUA “profundo”, das pequena e médias cidades, do comunitarismo e perspectiva cristã entranhada, dos pequenos negócios de família, pequenos proprietários rurais. Não significa adesão ideológica, nem muito menos geopolítica, mas valorização de um certo tradicionalismo orgânico, popular e legitimamente americano.

 

O ‘Faroeste’, por exemplo, é um dos marcos da narrativa mitológica do mundo contemporâneo, com seus heróis e monstros, abismos e transcendências. Por entretenimento, vou citar nos próximos posts alguns dos filmes indispensáveis do gênero.

 

 

FAROESTES INDISPENSÁVEIS [ordem cronológica]:

 

NÚMERO 1: Stagecoach [''No Tempo das Diligências], de 1939 --> O fim dos anos 1930 ressuscitou de vez o 'western', que havia perdido espaço com a chegada do cinema falado. 1939 foi o ano da virada, com o lançamento de alguns sucessos e clássicos inesquecíveis. A partir de então, o gênero dominou a indústria cinematográfica estadunidense por três décadas.



 

Stagecoach, que uniu o diretor John Ford e seu amigo John Wayne, não foi o 'western' de maior sucesso do ano, mas estabeleceu todos os parâmetros que marcariam definitivamente a fase clássica do gênero, desde as tomadas, o roteiro e os tipos que se tornaram presentes em boa parte dos ''bangue-bangue''.

 

Uma diligência parte do Arizona rumo ao Novo México levando Dallas, uma prostituta expulsa da cidade por uma liga de mulheres moralistas; um oficial de Justiça que exerce custódia sobre Ringo Kid, um jovem caubói que busca vingança contra os assassinos de seu pai e irmão; um médico bebum; um vendedor de uísque; um banqueiro; uma mulher grávida que pretende se encontrar com o marido, oficial da cavalaria; um jogador e apostador de má fama. A diligência enfrenta o perigo de passar por território saqueado pelos Apaches de Gerônimo.

 

Tom militar no primeiro ato e psicológico no restante, perseguições, humor, a paixão entre o heroi e a prostituta de bom coração, o papel do assalto indígena e da cavalaria, filme que modelou a história do cinema.

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NÚMERO 2: The Ox-Bow Incident [''Consciências Mortas''], de 1943 --> Um tanto à frente do seu tempo, já prenunciando o ''faoreste psicológico'' e mais reflexivo em uma época em que vigorava o modelo clássico. Dirigido por William Wellman.



 

Dois caubóis visitam uma cidade que era vítima constante de roubo de gado. Enquanto bebem na taberna local, chega a notícia de que um cidadão foi assassinado em assalto. Logo se monta uma turba que, aproveitando da ausência do xerife, monta expedição para perseguir e linchar os culpados.

 

Vozes contrárias se fazem ouvir e pedem discernimento e paciência e advogam que tudo deve ser feito com legalidade a fim de que novos abusos sejam evitados. O clamor por sensatez, justiça e legalidade é sempre calado pela maioria, que deseja a ''justiça da fronteira'', feita pelas próprias mãos.

 

A turba, liderada por ex-oficial do Exército Confederado que pretende dar uma lição no filho cobardola levando-o a participar de um linchamento, promove caçada e prende três transeuntes que acampavam ali perto. Se inicia um arremedo de julgamento, com os prisioneiros sustentando a própria inocência e um conflito de consciência sobre a legitimidade do que acontecia. Os cidadãos decidem se podem ou não enforcar os sujeitos sem a presença de autoridade constituída ou de um julgamento formal, numa disputa de visões de sociedade.

 

O filme tem interpretações brilhantes de Henry Fonda, Dana Andrews e Anthony Quinn e se tornou um clássico cujo argumento foi repetido exaustivamente a partir de então, em filmes dos mais variados gêneros e também em séries e shows de TV.

 

 

CONTINUA


sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

OS 10 MAIORES TIMES JÁ MONTADOS NO BRASIL

 Um conhecido pediu minha opinião sobre os 10 maiores times de futebol já montados no Brasil. Ia fazer uma lista quando lembrei que já tinha uma publicada há pouco mais de 5 anos. Vou aproveitar aquela, fazendo as alterações que hoje penso serem necessárias.


Escolhi as equipes abaixo levando em consideração diversos critérios: o valor técnico dos seus atletas, o jogo coletivo que foram capazes de mostrar, o impacto tático, a marca que deixaram em sua geração, os títulos etc. Mas a prioridade foi dada ao aspecto técnico.



1 - SANTOS 1961/1964





O maior time da maior era do futebol brasileiro, que por ''coincidência'' foi a maior era do futebol mundial. Time do Rei, primeiro e único, inigualável, inimitável, rodeado por multidão estelar de vassalos. Time base: Gilmar; Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.






2 - BOTAFOGO 1961/1964




O maior jogador da Copa de 1958, o meia armador Didi, unido com Garrincha, o "Anjo das Pernas Tortas", maior jogador da Copa de 1962, e circundado por Nílton Santos, a "Enciclopédia do Futebol", Zagallo, Amarildo, Quarentinha, o lendário goleiro Manga....Bom, vejam a escalação base do bicampeão carioca de 1962/63 e campeão do torneios Rio-SP de 1962 e 1964: Manga, Paulistinha/Adalberto, Jadir/Tomé, Nílton Santos e Rildo; Aírton e Didi; Garrincha, Amarildo/Édison, Quarentinha e Zagallo.





3 - FLAMENGO 1978/1983





Mítico time capitaneado por Zico, eleito entre os dez maiores do século XX em eleição na FIFA, pioneiro do 4--5-1, que venceu desde o incrível Pentacampeonato da Taça Guanabara, passando pelo tricampeonato carioca, três Brasileiros em quatro anos, e Libertadores e Mundial Interclubes. Essa equipe chegou a ficar 52 partidas invictas em 1979, até hoje um recorde no nosso futebol. Time base: Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade/Vítor, Adílio/Carpegiani e Zico; Tita, Nunes/Cláudio Adão e Lico/Júlio César.




4 - PALMEIRAS 1969/1973




Não ganhou o título de ''Academia'' à toa. Liderado por Ademir da Guia, o Palmeiras montou uma equipe diferenciada em termos técnicos e ao mesmo tempo eficiente, capaz de acumular títulos nacionais no período e roubar o protagonismo do Santos de Pelé em São Paulo. Time Base: Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo Mostarda e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu Bala/Fedato, Leivinha, César Maluco e Nei.




5 - BOTAFOGO 1967/1969





Equipe que sucedeu o timaço de Garrincha, Nílton Santos e Didi, mantendo o domínio do futebol carioca e o prestígio nacional e internacional, talvez fosse uma equipe tão espetacular quanto a primeira, capaz de verdadeiros shows de bola. Bicampeão da Taça Guanabara em 1967/68, Bicampeão Carioca 1967/1968, Campeão da Taça Brasil de 1968, formava mais das vezes com Cao/Ubirajara; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo Cézar "Caju".




6 - CRUZEIRO 1965/1970




Houve um tempo em que a seleção brasileira era mero combinado Rio-São Paulo. Em 1962, por exemplo, um dos critérios da convocação foi que a equipe nacional tivesse o mesmo número de jogadores que atuavam no ''Eixo". O Santos quebrou a hegemonia do trio de ferro de Sampa, mas foi o Cruzeiro deste período que efetivamente "nacionalizou" a seleção brasileira e preparou a expansão do Torneio Rio-SP, que levaria ao Robertão e ao protótipo de um real campeonato nacional de clubes. Pentacampeão Mineiro 1965/66/67/68/69 e Campeão da Taça Brasil de 1966 atropelando o então Penta, nada menos que o Santos de Pelé. Time Base: Raul; Pedro Paulo, Fontana/William, Procópio e Neto; Wilson Piazza/Zé Carlos, Dirceu Lopes e Tostão; Natal, Evaldo e Hilton.




7 - VASCO DA GAMA 1945/1950




Equipe que representou a ascensão do futebol brasileiro no cenário continental e, por meio da seleção de 1950, da qual foi base, no cenário mundial. O Vasco pôs fim à hegemonia do Flamengo de Zizinho no Rio, levantou o Carioca de 1945, 1947, 1949/50, se sagrou o primeiro Campeão do Maracanã, e se tornou Campeão da América em 1948. Barbosa; Augusto/Wilson e Rafagnelli; "Príncipe" Danilo, Jorge e Ely; Lelé/Ismael, Friaça/Heleno de Freitas, Ademir Menezes/Jair da Rosa Pinto, Djalma e Maneca/Chico.




8 - INTERNACIONAL 1975/1980





Uma das mais poderosas e revolucionárias equipes da história do nosso futebol, mas que costuma ser relativizada por ter sido montada fora do Eixo Rio São Paulo. Depois de cansar de vencer o campeonato gaúcho [octacampeão entre 1969 e 1976], hegemonizou o Campeonato Brasileiro, eclipsando o Fluminense de Rivelino e tomando o lugar do Flamengo de Zico em 1979. Até hoje, é o único time a conquistar o Campeonato Brasileiro de maneira invicta. Foi vice campeão da Libertadores em 1980. Sua principal glória são os títulos brasileiros de 1975/76 e 1979 [invicto]. Manga/Benítez; Cláudio, Figueroa, Marinho Perez/Mauro Galvão e Vacaria; Batista/Carpegiani, Caçapava e Falcão; Valdomiro/Jair, Bira/Lula e Mário Sérgio/Escurinho.




9 - ATLÉTICO MINEIRO 1978/1982




Colocou fim à hegemonia do Cruzeiro em Minas e revelou um dos maiores times da história da América do Sul, que só não foi mais vitorioso porque seu maior jogador, o grande Reinaldo, enfrentou contusões sistemáticas, e pelo obstáculo do Flamengo de Zico. Hexacampeão Mineiro 1978/79/80/81/82/83. Time Base: João Leite; Nelinho/Orlando, Osmar, Luisinho e Jorge Valença; Geraldo/Chicão, Toninho Cerezo e Paulo Isidoro; Pedrinho, Reinaldo e Éder/Dario.




10 - PALMEIRAS 1993/1994




A Parmalat contratou Vanderlei Luxemburgo e ajudou o Palmeiras a montar um time histórico que colocou fim ao sofrimento de uma geração que tinha crescido apenas ouvindo as histórias da Academia no início dos anos 1970. Bicampeão paulista em 1993 e 1994, Bicampeão brasileiro 1993 e 1994, esta equipe costuma ser relativizada por causa do grande impacto dos troféus e do jogo do São Paulo de Telê, mas era tecnicamente impressionante e dominante no futebol brasileiro do período. Velloso; Mazinho, Antônio Carlos, Tonhão/Cléber e Roberto Carlos; Daniel/Flávio Conceição, César Sampaio, Edílson e Zinho; Edmundo e Evair.