domingo, 24 de maio de 2015

Sobre o Vampirismo

But first on earth, as Vampyre sent,
Thy corse shall from its tomb be rent;
Then ghastly haunt the native place,
And suck the blood of all thy race;
There from thy daughter, sister, wife,
At midnight drain the stream of life;
Yet loathe the banquet which perforce
Must feed thy livid living corse
(The Vampyre, a Tale)




Sérvio se protege: rumores de 2012 davam conta do retorno à atividade do vampiro Sava Savonic

Falo agora de um tema que parece um tanto diferente dos assuntos a que me dedico nesse espaço, mas que na verdade tangencia algumas questões que já foram tratadas aqui. Trata-se de um tópico de demonologia e diz respeito a um tipo de fenômeno que no Ocidente contemporâneo ficou conhecido como vampirismo. Não o vampiro tal como retratado na literatura contemporânea ou no cinema do século XX [1], mas de entidades que, atestadas na cultura de povos de todos os continentes, apresentam características similares o suficiente para que sejam classificadas sob um mesmo rótulo. 

O termo 'vampiro' tem provavelmente origem turca. Seu uso não era comum na Europa, ou talvez nem mesmo conhecido, antes do século XVIII. A palavra é só uma das formas usadas para se referir à possibilidade de retorno de indivíduos que, após a morte, tornam-se espectros e/ou cadáveres sugadores de energia vital -- e por vezes sangue [2]. Sob diversos nomes, essa forma de ''demônio'' aparece no conjunto de crenças das mais diversas populações e em [quase] todas as épocas. O romenos possuíam os strigoi; os gregos os vrykolakas e tympaniaios; em certas regiões das Américas [México, Porto Rico, Chile etc.] existem os 'chupa cabras'; no interior do Brasil há histórias sobre o 'corpo seco'; os antigos persas falavam do Pisaca, e na Índia o tema recebe o nome de vetala; na antiga Mesopotâmia acreditava-se na existência de lilitu e estries; na Antiga Roma havia as lamia; na África negra os sasabonsam e os ramanga; no sul da Ásia os ghoul.

A crença popular na existência dos vampiros se encontra fortemente enraizada no seio da população dos países ortodoxos, principalmente no leste da Europa e nos Bálcãs. O vampirismo possuiria mais de uma origem [3]: a prática da feitiçaria em vida; a maldição, sendo a pior delas a dos pais e a excomunhão [4]; ou o contágio do contato e ataque de outros vampiros. Um exemplo é o strigo romeno: ''Os vampiros na Moldávia, Valáquia e Transilvânia (agora parte da Romênia) são comumente chamados de strigoi (cuja forma singular é strigo). Os strigoi eram geralmente considerados espíritos que retornavam dos mortos. Diferente do upir ou vryrolakas, os strigoi passavam por diferentes estágios depois de ressurgirem do túmulo. O strigo é invisível no começo, atormentando os membros vivos de sua família ao mover objetos e roubar comida. Depois de algum tempo, ele se torna visível, parecendo com a pessoa quando viva. Mais uma vez, o strigo retorna para sua família, roubando gado, implorando por sustento e trazendo doenças. Os strigoi vão se alimentar dos humanos, primeiro dos membros de suas famílias e depois de qualquer um que encontre. Em alguns relatos, os strigoi às vezes sugam o sangue de suas vítimas diretamente do coração. Os strigoi são corpos reanimados que predam os vivos. No início, um strigo precisa retornar ao túmulo regularmente, da mesma maneira que um upir. Se o povo suspeita que alguém se tornou um strigo, exuma o corpo e o queima. Mas depois de sete anos, se o strigo continuar rondando, pode então viver onde bem entender. Diz-se que há strigoi que viajam para cidades longínquas para começarem novas vidas como pessoas comuns, e que esses vampiros clandestinos se uniriam. Além do strigoi morto-vivo, chamado de strigoi mort, o povo também temia os vampiros vivos, ou strigoi viu. Eles eram pessoas vivas amaldiçoadas que estavam condenadas a se tornar strigoi mort quando morressem. Se um strigoi mort vivendo entre humanos tivesse qualquer filho, a descendência era tida como carregando a maldição dos strigoi mortos-vivos no além. Quando um conhecido strigoi viu morria, a família destruía seu corpo para garantir que não se levantaria do túmulo.''
 
A existência de vampiros é crença enraizada entre as populações ortodoxas
Um dos mais bem documentados casos de vampirismo na era contemporânea, muito famoso pela confirmação que teria recebido de magistrados locais e de um comandante militar, é o do camponês sérvio Pete Plogojowitz, que viveu em Kilisova no início do século XVIII. Depois de falecido, seu espectro apareceu ao filho implorando por comida. Na segunda vez em que isso ocorreu o rapaz se recusou a atender o pedido da aparição. No dia seguinte apareceu morto em condições misteriosas e com significativa perda de sangue. Foi o início de uma série de mortes na aldeia, em circunstâncias semelhantes, e cujas vítimas haviam reportado sonhos com Plogojowitz seguidos de exaustão física e mental. Nove mortes ocorreram ao longo de uma semana, levando a investigações oficiais que acabaram por concluir que se tratava efetivamente do ataque de um vampiro. O corpo de Plogojowtiz foi desenterrado e destruído e as mortes cessaram [5]. A dessacralização de corpos e a cremação, muito usadas na área rural da Grécia e do leste da Europa como forma de combate ao vampirismo, receberam críticas e sanções graves da Igreja [6], contando inclusive com condenação de São Nicodemos o Hagiorita no Pedalion [7]. Mas sempre foi comum que sacerdotes realizassem exorcismos em situações semelhantes [8].
 
Túmulo do século XIII encontrado em mosteiro búlgaro contendo corpos trespassados por estacas de ferro no coração: solução radical contra o ataque de vampiros
No Ocidente, um dos mais famosos casos de vampirismo e de exorcismo ocorreu na Londres no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. Relatos da aparição de um espectro que exauria as forças de quem o encontrava no cemitério de Highgate associada a suspeitas de ação ritualística de uma seita satanista na região levaram a uma histeria e caça ao vampiro por parte de sociedades ocultistas, praticantes de magia, aventureiros e também sacerdotes católico-romanos [9]. O Bispo da ICAR Séan Manchester teria realizado um exorcismo contra o demônio baseado no antigo Rito Romano. Sua ação foi exposta em um livro sobre o tema, que consta com fotos do vampiro que teria sido destruído na ocasião [10].

A sensacionalista cobertura midiática do Vampiro de Highgate Cemetery, que gerou uma fenômeno de histeria


Também no Brasil há contos que, embora não usem o termo 'vampirismo', acabam se remetendo a fenômenos similares -- embora também acrescidos da presença de antigos símbolos tradicionais na mentalidade popular na forma de folclore, o que é comum em casos de relatos sobrenaturais transmitidos oralmente. Um deles é o 'Corpo Seco', espectros que retornam dos mortos e atacam desavisados em estradas e beira de rios [11]. No Rio de Janeiro temos também a história da portuguesa Bárbara dos Prazeres, prostituta e homicida que vivia no Arco dos Telles no fim do século XVIII e início do século XIX, e que lembra em alguns aspectos a história da Condessa psicopata Elizabeth Bathory [12]. Assim como a nobre húngara, Bárbara buscava na magia uma forma de evitar o envelhecimento; a solução encontrada incluía o assassinato ritualístico de crianças e a ingestão do sangue das vítimas. A prostituta homicida teria fugido para o outro lado da cidade quand seu envolvimento no desaparecimento de crianças foi descoberto. Há testemunhos ainda hoje de seu aparecimento nos atuais Arcos de Telles e no centro do Rio de Janeiro, uma figura espectral e sedenta de sangue ainda pronta a atacar inocentes [13].

Arco do Telles, local de residência de uma das psicopatas mais tenebrosas da história brasileira, Bárbara do prazeres, prostituta, homicida, feiticeira e espectro sedento por sangue


Longe de se constituírem em meras reuniões de superstições que acometiam sociedades tradicionais, os casos de vampirismo são manifestações de atividades demoníacas ligadas à prática de magia negra e à invocação de espíritos do mundo das potestades do ar -- chamado de psíquico ou astral no esotericismo contemporâneo. Por outro lado, a possibilidade do retorno espectral ou semi-corpóreo  também se liga ao mistério do processo da morte, terreno de perigosa dissolução em que a alma se vê diante das próprias paixões e dos tipos de entidades com as quais se vinculou ainda em terra. Os elementos principais do ''folclore'' e dos casos registrados são entremeados por uma coerência descritiva que aponta que a atividade demoníaca pode ser exercida por meio de fantasmas ou restos psicossomáticos de indivíduos falecidos. A descrença no fenômeno cresceu na idade contemporânea por causa da crescente inconsciência sobre os processos de morte e da necessidade de que sejam acompanhados por ritos específicos, a incapacidade de perceber a eficiência e os fins e algumas vezes até a existência de certas práticas de magia e de satanismo, e uma profunda restrição da mentalidade hodierna aos fatos mais brutos do domínio corporal. O cidadão atual se deixa afetar pela ponta do iceberg de casos de homicídio em série, tornando-se cego, no entanto, para os aspectos mais tenebrosos daquilo que chega ao conhecimento público.




_______________
___________________________________


[1] A  figura do vampiro vendida pela indústria começou a se popularizar de fato com a publicação da obra ''O Vampiro'', de John William Polidori, em 1819. Desde então passou por uma intensa romantização que agregou elementos das crenças ocultistas européias oitocentistas -- como é o caso de Bram Stoker, que era membro de organizações esotericistas e parece ter realizado pesquisas para a criação de seu Drácula -- bem como características da civilização hedonista, urbana, cosmopolita e sexualizada do século XX, cuja principal expressão é a versão de Anne Rice que comanda hoje o imaginário ocidental. Para a leitura do clássico e excelente conto de terror de Polidori: The Vampyre: a Tale.

[2] Outra importante diferença a ser considerada entre essas entidades tal como retratadas nas tradições ancestrais e as figuras reelaboradas na contemporaneidade é aquela realizada pelo ocultismo ocidental. As crenças esotericistas europeias imaginaram o vampiro como uma forma de entidade astral ou como um sujeito vivo que possui a singular capacidade psicológica ou psíquica de absorver a energia de quem estivesse ao seu redor. Essa imagem não é totalmente equivocada, mas é bastante restrita e já se trata de uma racionalização feita em cima de parâmetros permeados por uma abordagem moderna do fenômeno. Uma das características marcantes do fenômeno vampírico é sua base corporal e sua associação com o processo da morte ou às tentativas de sustá-lo. 

[3] ''Lawson lista os seguintes tipos de pessoas que se encontram em maior risco de se tornarem mortos-vivos: 

(1) Aqueles que não recebem os ritos funerários completos e apropriados;
(2) Aqueles que tem morte repentina ou violenta (incluindo suicidas), ou, em Maina, onde a vendeta ainda está em voga, aqueles que foram assassinados mas não foram vingados; 
(3) Crianças concebidas ou mortas em uma das grandes festas da Igreja ou natimortas;
(4) Aqueles que morrem sob uma maldição, especialmente dos pais ou auto-invocada, como no caso de um homem que, ao cair em perjúrio, joga sobre si toda sorte de danação caso o que estivesse dizendo fosse falso;
(5) Aqueles que morrem excomungados;
(6) Aqueles que morrem sem batismo ou apóstatas;
(7) Pessoas de vida má e imoral em geral, mais particularmente os que lidam com magia negra e feitiçaria;
(8) Aqueles que comem a carne de uma ovelha que foi morta por um lobo;
(9) Aqueles cujo cadáver foi pisado por um gato ou outro animal.'' Fonte: [Que a terra não os os receba]

[4] Na Grécia há a crença em dois tipos de 'atividade vampírica', a do Vrykolaka e a do Tympaniaios. O primeiro deles estaria ligada à prática de magia e a mortes violentas e traumáticas. O segundo, cuja existência era mais passível de aceitação pelas autoridades eclesiásticas, era o destino do indivíduo que foi excomungado ou anatematizado pela Igreja. Também há a crença generalizada de que a apostasia pode levar à transformação do indivíduo em um vampiro após a morte, crença que foi aproveitada por Bram Stocker na figura do Conde Vlad Tepes, que apesar de herói romeno na luta contra os turcos chegou a aceitar a comunhão católica-romana como forma de conseguir um exército.

[5] A página oferece um resumo rápido da história de Peter Plojogowitz

[6] O medo do vampirismo se devia não apenas ao parasitismo da entidade, mas também a sua capacidade a um só tempo homicida e contagiosa. Arqueólogos encontram sinais de combates ao vampirismo até mesmo próximo a mosteiros [Túmulos de vampiros em mosteiro búlgaro]. Era comum que uma estaca fosse colocada na boca ou no peito do cadáver suspeito. A decapitação e a cremação também eram alternativas. O caso citado na Bulgária traz um detalhe importante: os pesquisadores ficaram surpresos ao notarem que os cadáveres de 'vampiros' eram todos masculinos, o que demonstra a falha das interpretações do fenômeno como algum tipo de superstição misógina.

[7] Para a passagem do Pedalion em que São Nicodemos da Santa Montanha ataca a crença na existência de vrykolakas e condena a prática de exumar e destruir corpos: Superstição e violação de tumbas

[8] Sobre a posição historicamente mais comum dos sacerdotes gregos quanto ao Tympaniaios''atitude da Igreja Ortodoxa oficial quanto ao segundo tipo de morto-vivo discutido por Allatios era bem diferente daquela mostrada quanto aos vrykolakas. Enquanto a Igreja marginalizou os vrykolakas, o tympaniaios era uma criação eclesiástica, consequências da excomunhão [...]'' [Sobre a crença dos gregos: Leo Allatios e a Ortodoxia popular]

[9] Para maiores informações sobre o passo a passo do caso do Vampiro de Highgate Cemetery, acompanhe a descrição dos eventos feita por David Farrant, que fazia parte de uma associação ocultista inglesa que esteve no centro do furacão de toda a publicidade midiática e histeria sobre a existência do fenômeno em Londres. Convém notar que a leitura propiciada por Farrant se insere na perspectiva dos movimentos esotericistas e mágicos da Inglaterra: Como tudo começou.

[10] O Bispo Manchester dá uma interessante descrição sobre a capacidade de metamorfose do vampiro e sobre a destruição daquele que atacava no cemitério: ''A forma corpórea ,através da atividade demoníaca, tem a habilidade sobrenatural de se desmaterializar e re-materializar fora dos arredores de sua tumba. Isso se aplica a todos os tipos de metamorfoses, como descrevi em meu livro. Ele pode assumir outra aparência, e reter mais do que somente a figura espectral quando retorna à forma corpórea a partir de alguma outra, seja ela qual for. Graças às palavras que pronunciei durante uma prolongada cerimônia de evocação e exoercismo no ''Great Northern London Cemetery'' há três décadas, o vampiro tomou a forma do que aparentava ser ''um vapor nebuloso'' que se dirigia para mim. O ritual continuou por quase uma hora antes que uma misteriosa mudança no ambiente ocorresse e levasse ao contorno de uma figura sobre o túmulo diante de mim. Estivesse ou não se metamorfoseando naquilo que eu veria em breve, a próxima manifestação foi de fato uma abominação diabólica do tamanho de um grande gato, que corria para trás e para frente do modo mais aterrorizante e ao redor do perímetro que havia sido intercalado com sal e taças de água benta. Esta forma foi empalada na medida em que o exorcismo atingiu seu clímax. Imediatamente ele voltou a se metamorfosear mais uma vez em um estado corpóreo, mas agora verdadeiramente morto e requerendo um novo enterro e orações. A fórmula que usei se encontra no Ritual Romano anterior ao Vaticano II''. Nesse link [Metamorfoses demoníacas] pode ser lida a explicação do Bem Aventurado Santo Agostinho para essa capacidade dos demônios, segundo descrição de Tomás de Aquino.  O texto de Sean Manchester citado acima pode ser lido por inteiro em Metamorfose

[11] De maneira significativa, o Corpo Seco teria se originado por causa da maldição pronunciada pelos pais a um filho de vida dissoluta e perversa. Um resumo sobre os contos pode ser encontrado em 'A maldição' e  'O ataque do corpo seco'. Uma reportagem interessante sobre esse caso recente: Corpo seco aterroriza sul de Minas

[12] A história da condessa húngara envolve sadismo, homicídios, psicopatia e práticas mágicas que revelam um espírito atormentado por demônios. Bathory torturou e matou centenas de mulheres, e uma das razões seria a de se banhar no sangue das vítimas a fim de manter a própria juventude por meio da absorção de sua força vital: A condessa sangrenta.

[13] Mais uma vez há aqui a conexão de homicídio, feitiçaria, absorção de sangue: A bruxa do Arco do Telles. O sangue, cujo consumo é proibido por Deus nas Sagradas Escrituras, está vinculado a certos elementos vitais da alma que são, inclusive, passíveis de transmissão ancestral e que se ligam ao poderes irascíveis e à parte animal do homem.






quinta-feira, 21 de maio de 2015

A PÁTRIA EDUCADORA — PARTE I: O PROJETO DE BRASIL DE MANGABEIRA UNGER

Originalmente publicado no blog Brasil Multipolar.


A presidente Dilma Rousseff pediu ao professor Roberto Mangabeira Unger que elaborasse um novo projeto para a educação brasileira. Missão dada, missão cumprida, foi publicado no início desse mês o documento ”Pátria Educadora: A qualificação do ensino básico como obra de construção nacional” [1], que delineia os principais objetivos e medidas a serem tomados para mudar radicalmente o panorama da rede pública de ensino. A proposta se divide em três pontos principais, o primeiro e mais fundamental deles, aquele que vai orientar todos os demais, o estabelecimento de um ideário, de um projeto de nação que proporcione um norte para as políticas públicas.
Mangabeira Unger é um intelectual poderoso e original. Embora não faça reivindicações de pertencimento ideológico, seu pensamento se dedica a encontrar meios de impulsionar a modernidade progressista através da democratização cada vez maior da economia e da política das sociedades ocidentais. Crítico do neoliberalismo e das medidas a ele vinculadas, nem por isso se acomodou com as alternativas em que desembocaram os críticos da sociedade capitalista. Tanto a esquerda social-liberal quanto a social-democrata se tornaram para ele estéreis, principalmente quando se trata de abordar e intervir na realidade nacional [2]. A ideologia que moveria os principais partidos e movimentos políticos brasileiros teria por escopo a construção de uma impossível ‘Suécia tropical’, a importação de um modelo alienígena incapaz de dar conta da energia do país.
Essa energia vital pátria teria sido quase sempre reprimida e desperdiçada por causa de elites e instituições que não lhe proporcionariam meios de expressão. Seria esse o principal drama da história brasileira, o cerne de sua ”frustração democrática”. Durante algum tempo, Mangabeira Unger viu na classe média tradicional o agente sócio-cultural capaz de romper esse estado perene de malogro. Teria sido ela a principal responsável pelo avanço da modernidade no país, ainda que por vezes tenha se aliado a uma plutocracia deletéria e ao colonialismo. Até o início da década passada, suas esperanças de mudança estavam na inclusão dessa classe média nos sistemas públicos de educação e saúde, a fim de que ela se visse instada a exigir uma crescente democratização e qualificação das instituições, que, talvez, despertasse a mobilização necessária à reconstrução da nação. Mas as expectativas de Unger nas possibilidades desse grupo social se modificaram desde então, ele passou a enxergá-lo como esgotado e por demais permeado pelas tendências eurocêntricas que teriam sido sempre uma de suas maiores seduções e desvios. [3]
Mangabeira pensa discernir uma nova expressão histórica da energia fundamental brasileira, um novo agente sócio-cultural: uma pequena burguesia emergente, setor das camadas populares que é portador de uma nova mentalidade e ethos, marcado pelo empreendedorismo, a iniciativa individual, a desconfiança da política, e a construção de redes de auto-ajuda [4]; e que se expressa na vida social por uma multiplicidade de pequenos e micro-negócios que pendem entre a economia formal e a informal e uma nova religiosidade — ligada à expansão das igrejas evangélicas, a adesão a elementos da teologia da prosperidade, e ao sentimentalismo carismático que vem mudando a face do catolicismo nos principais centros urbanos [5]. Segundo Unger, esse novo agente sócio-cultural já é o centro do imaginário popular; embora proporcionalmente pequeno na população, a maior parte das massas já almejaria pertencer a esse setor dinâmico da sociedade.
O projeto de reconstrução brasileira deveria ser pensado em torno dessa nova classe média empreendedora, vanguarda da política e do imaginário do povo, manifestação atual de sua vitalidade. As instituições seriam reformuladas para que essa pequena burguesia pudesse realizar todo o seu potencial, pondo um fim em nossa ”frustração democrática”. Essa reformulação passaria pelo ‘Produtivismo Includente’, uma transformação da base econômica do país, que passaria a ter o foco em uma miríade de pequenas empresas que, com acesso ao crédito e à tecnologia de ponta, se converteriam na fundação do novo ciclo de desenvolvimento nacional. O escopo é democratizar a economia de mercado, de modo a incluir a população brasileira pelo lado da oferta, da produção. [6]
É dentro dessas linhas que Unger esboça seu plano para o sistema de educação, encarado com um dos meios de capacitar a classe média emergente para seu novo papel econômico e social. O discurso escolhido para expor o diagnóstico e mudança necessária ao sistema se vincula à  ‘Escola Nova’, teoria da educação cujo maior expoente no país foi Anísio Teixeira, homenageado no texto com a proposta de uma rede de escolas federais que levaria seu nome. A escolha da retórica ‘escolanovista’ não é casual, já que suas origens e pressupostos teóricos nos levam mais uma vez ao cenário liberal-progressista norte-americano do início do século XX e às idéias do filósofo John Dewey, que não escondia o conteúdo político de suas propostas pedagógicas e da psicologia que lhe serviam de base: a democratização da sociedade de trabalho americana por meio da construção de um capitalismo inclusivo e de um cidadão com disposições democráticas. [7]
Antes de analisar de forma mais pormenorizada as iniciativas defendidas pelo documento para adequar a educação aos objetivos acima definidos, convém refletir no ideário e no projeto de país que vem sendo exposto por Mangabeira Unger — e que, diz ele, seria a única alternativa à disposição dentro do debate político brasileiro . O professor de Harvard pode estar correto quanto ao caráter único de seu projeto no atual cenário nacional, mas isso não o torna por si só desejável.
O professor aposta em um agente sócio-cultural que possui traços mais antigos do que ele dá a entender. O brasileiro pobre das grandes cidades é intrinsecamente empreendedor; ele tem de se virar desde a época do Império, quando ”escravos de ganho” sobreviviam nas cidades brasileiras sob os olhares nem tão próximos nem tão distantes de seus senhores. Isso não refuta as considerações de Unger, já que esse pobre urbano passou realmente por uma transformação nas últimas décadas, tornando-se exposto às influências da sociedade capitalista globalizada e da cultura média americana. [8] Nesse sentido, é de fato um elemento novo na paisagem social brasileira e cuja existência é inquestionável.
Coisa diferente é admitir que esse fenômeno se encontre no centro do imaginário brasileiro e que deve ser o fim para o qual todo o povo deve tender e no qual tem de se transformar. A emergência desse novo tipo sócio-cultural é muito mais forte nas periferias das grandes metrópoles, de modo que se trata de um recorte arbitrário considerá-lo como eixo em torno do qual giram as aspirações da população. Pior ainda tê-lo como manifestação mais autêntica da energia vital e fundamental do país. Para que isso possa ser levado a sério, é necessário antes que conheçamos essa energia de base, que, segundo Unger, foi sempre frustrada em sua expressão institucional e nacional. Sua análise passa ao largo desse problema, sua perspectiva se move dentro de parâmetros modernistas e progressistas que não vislumbram nenhum dinamismo que não o da contínua integração brasileira ao fluxo sócio-político-econômico que construiu o Ocidente contemporâneo. Unger critica o papel conservador e passivo que o país assume nesse fluxo, mas não questiona seus fundamentos. [9]
Só uma ampla análise cultural e filosófica da identidade brasileira permitiria que identificássemos quais são as características da energia de base do povo brasileiro. O Brasil talvez tenha menos a ver com os Estados Unidos da América do que pensa o professor Unger. Os agentes sócio-culturais que ele vislumbra como pioneiros e impulsionadores da modernidade no país podem ser justamente aqueles que mais nos afastam de nossas aspirações algo inconscientes e mais sufocam nosso verdadeiro dinamismo.
Unger critica a classe média tradicional por seu eurocentrismo, o sistema político partidário pátrio por sua ideologia social democrata, e nossas formas institucionais por sua importação de parâmetros estrangeiros pouco adequados a nossas reais necessidades. Mas não problematiza as próprias metas e horizontes de sua visão; a razão da frustração democrática brasileira pode estar na insistência de seus intelectuais e elites na busca por integrar o país a um Ocidente que não reconhece o Brasil como tal e com o qual sua população pouco tem a ver.
O sistema educacional brasileiro precisa ser pensado nesse patamar, como meio de realizar um encontro do país consigo, e não a partir de um projeto nacional economicista que nos daria mais do mesmo e cada vez menos de nós. Não basta ser potência, temos de ser Brasil. E o ideário e projeto nacional com que Unger pretende orientar a educação brasileira é, com perdão do trocadilho, por demais subdesenvolvido nesse ponto. [10]
_________________________________________________________
[2]  “O que prevalece nos dois lados do Atlântico, na cabeça das elites mais iluminadas, é o projecto de fazer uma espécie de síntese entre a protecção social dos europeus e a flexibilidade económica dos americanos. Uma flexibilização da social-democracia tradicional. E portanto é o mundo imaginativo em que todo o mundo finge ser social-democrata ou social-liberal. O que é o social? Social é o açúcar, o açúcar com que se pretende dourar a pílula do modelo económico.” A origem disso, adianta, está no compromisso histórico da social-democracia, tomado em meados do século passado, que levou “ao abandono de qualquer esforço de reinventar a organização institucional da produção e do poder, e em troca disso permitir ao Estado atenuar as desigualdades através de políticas compensatórias, manejar a economia por políticas contracíclicas keynesianas e assegurar o lucro das empresas”. Mantendo-se este compromisso, não há solução possível para “nenhum dos problemas fundamentais das sociedades contemporâneas… Temos de reabrir os termos desse compromisso, inovar nas instituições que organizam a economia de mercado e a democracia política”. [O Profeta da Nova Esquerda]
[3] Mangabeira Unger descreve a classe média tradicional como branca — embora implicitamente mestiça –, eurocêntrica, formada por funcionários públicos e profissionais, liberais ou não, da sociedade de trabalho.
[4] ”Hoje a vitalidade brasileira está encarnada sobretudo no surgimento de uma segunda classe média. A classe média tradicional sempre foi o principal agente político na história do país. Tudo que de mais importante ocorreu em nossa história aconteceu nos momentos em que essa classe média tradicional se desgarrou da plutocracia de orientação colonial e passou a protagonizar uma outra ideia para o futuro do Brasil em nome de todos. Assim foi com a abolição, o movimento republicano, a aliança liberal, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e a redemocratização. Essa classe média tradicional está fragilizada, econômica e espiritualmente. Espiritualmente porque ameaça assimilar dos países ricos do Atlântico Norte a cultura do desencanto com a política. Não somos a Suíça ou a Dinamarca. Em nosso país, tudo continua a depender do encaminhamento coletivo de soluções coletivas para problemas coletivos. Precisamos desesperadamente de política. Surge ao lado da classe média tradicional uma segunda classe média, composta de milhões de brasileiros vindos de baixo. Que lutam para abrir ou para manter novos empreendimentos. Que estudam à noite, que se filiam a novas associações e igrejas, e que inauguram uma cultura de auto-ajuda e de iniciativa. Esta outra classe média já está no comando do imaginário popular. É o horizonte que a maioria do nosso povo quer seguir.” Um adendo: a razão porque Unger aposta que a nova pequena burguesia brasileira seria uma solução para o desencantamento com a política — um problema grave enfrentado por todos os sistemas liberais no Ocidente — ainda não está clara; ela parece repousar em uma vaga esperança de associação comunitária que se vislumbra na sociabilidade religiosa das novas igrejas. Há um tanto de ingenuidade aqui, já que o próprio Unger admite que essa nova camada popular vem se vinculado politicamente ao projeto econômico social consumista levado adiante pelos governos do PT. Talvez daí as críticas de Mangabeira Unger a esse aspecto dos governos Lula e Dilma, porque frustra algumas de suas esperanças nesse novo segmento social [Alternativa Nacional]
[5] ‘‘A vida política do povo brasileiro é pobre, mas sua vida religiosa é rica. Trava-se hoje entre nós conflito desconhecido de formas de fé. Surge nova cultura de auto-ajuda e de iniciativa. Seu maior protagonista social é uma classe média de emergentes, que desenvolve, longe da política, exemplos de vida que representam a antítese daquela mistura de subjugação e de doçura — aquela sentimentalização das trocas desiguais — que marcou a sociedade brasileira tradicional. Cultuam o esforço e a responsabilidade individuais ao mesmo tempo que revelam pendor para as práticas de associação. Abraçam uma fé que dispensa intermediários entre Deus e a humanidade e que insiste no sacerdócio de todos. Procuram uma teologia de sacrifício e de libertação que não se esgote em sectarismo de esquerda. Avançam tanto por obra do movimento evangélico quanto por meio de de uma tentativa, ainda sem voz ou doutrina, para reconstruir o catolicismo brasileiro.” [Religião e Política]
[6] Um exemplo da democratização da economia de mercado seria a união entre bancos regionais e pequenos produtores rurais nos Estados Unidos do fim do século XIX, uma forma de ”concorrência cooperativa” — expressão que ele usa para a relação entre as pequenas empresas no ‘Produtivismo Includente’ — que Unger gostaria de ver aplicada ao Brasil: ‘‘Exemplo histórico mostra o quanto está em jogo. Além da lua a respeito da escravidão, os dois grandes conflitos de economia política na primeira metade do século 19 nos Estados Unidos versaram agricultura e finanças. Os americanos rejeitaram o caminho da concentração agrária, que a Inglaterra tinha vivido e que Karl Marx sustentaria ser inerente ao capitalismo. Distribuíram terras. Organizaram coordenação estratégica entre os governos e os produtores rurais de padrão familiar, com políticas de garantia de preço e extensionismo tecnológica. E estimularam entre esses produtores práticas que hoje chamaríamos de concorrência cooperativa: cooperando ao mesmo tempo que competiam entre si, ganhavam acesso a economias de escala. O resultado foi, por muito tempo, a agricultura mais eficiente do mundo. Nas finanças, destruíram e proibiram os bancos nacionais, substituindo por instituições locais de crédito. Com isso, construíram o sistema mais descentralizado de crédito para o produtor que havia existido, até aquele momento, em qualquer lugar.” [Aprofundamento do Mercado pelo Estado]
[7] No período entre o fim do século XIX e o início do século XX, os Estados Unidos atravessaram a chamada ‘Progressive Era‘, um conjunto de movimentos no campo econômico, político e social que criticava o suposto desvio que a sociedade de trabalho americana passava após a Guerra de Secessão, com a hegemonia de grandes oligopólios e de Robber Barons, ausência de proteção trabalhista adequada, falta de integração dos ex-escravos, concentração de renda etc. A sociedade americana se tornava majoritariamente urbana e vivia uma onda de imigração que mudava aspectos de sua composição cultural, com a chegada maciça de irlandeses, poloneses e alemães. Esse pano de fundo permite uma melhor compreensão do alcance político das novas teoria psicológica e pedagógica de John Dewey.
[8] Os novos grupos emergentes das camadas médias populares das metrópoles brasileiras tem de ser alvo de intensa pesquisa sociológica e antropológica, mas é fácil notar que a descrição realizada por Mangabeira Unger não passa da transposição de certa sociabilidade e mentalidade evangélica americana, com uma mistura de traços individualistas e comunitaristas, para a periferia brasileira. Não é surpreendente, pois a classe média tradicional, segundo admite o próprio Mangabeira Unger, também havia sido modelada por traços estrangeiros, no caso a Europa.
[9] Unger critica o aprisionamento do Ocidente em uma dicotomia ideológica marcada pelo liberalismo e pela social democracia porque seria um obstáculo ao aprofundamento da revolução modernista e progressista, não porque discorde dessa última. Da mesma forma, a busca por uma política externa brasileira independente não escapa de uma análise economicista da qual fica ausente ou é minimizada qualquer análise mais ampla sobre os aspectos culturais das disputas e conflitos no interior da ordem global.
[10] Daí não se conclui que as idéias de Unger sejam todas elas descartáveis. Pelo contrário, tamanho é o seu vigor intelectual que seus diagnósticos, ainda que intencionalmente apegados aos limites estreitos aqui criticados, portam também vários pontos positivos. Alguns deles serão discutidos nos próximos textos dedicados ao documento ”Pátria Educadora”, mas convém adiantar que a crítica ao reducionismo do projeto educacional de Unger não significa discordância quanto a necessidade de uma maior distribuição e acesso aos meios de produção no seio da sociedade.

sábado, 9 de maio de 2015

Tratado sobre a Práxis -- Evágrio Pôntico III


Continuação do ''Tratado sobre a Práxis''. Evágrio trata agora das paixões da acídia, vanglória e orgulho.





Contra os Oito Logismoi [pensamentos apaixonados]: Continuação




27 Quando caímos nas mãos do demônio da acídia, devemos então, entre lágrimas, dividir a alma em duas partes, uma que consola e a outra que é consolada, semeando boas esperanças em nós mesmos e entoando esse encantamento do Santo Davi: ''Por que te deprimes, ó minha alma, e te inquietas dentro de mim? Espera em Deus, porque ainda hei de louvá-lo: Ele é minha salvação e meu Deus.’' [Sl 41, 6.] [1]

28 Não se deve abandonar a cela no momento das tentações, tecendo pretextos supostamente razoáveis, mas antes deve-se sentar dentro da cela e suportar paciente e corajosamente todos aqueles [demônios] que vem para cima de si, e, mais especialmente, o demônio da acídia, que, sendo o mais pesado de todos, seguramente testa extremamente a alma. A esquiva de tais lutas ensina a mente a ser inábil, covarde e fugitiva. [2]


29 Nosso maior e mais santo mestre [na vida prática] [3] costumava dizer: ''Assim, o monge deve se preparar como alguém que vai morrer amanhã; e então, mais uma vez, usar o corpo como um companheiro [do monge] com quem estará junto por muitos anos. Aquela [prática] corta os pensamentos da acídia e torna o monge mais zeloso, enquanto esta última guarda o corpo inteiro e em igual medida preserva a continência para com ele''. [4]

30 É difícil escapar do pensamento da vanglória. Pois aquilo que você faz para destruí-lo se torna para você o início de um outro [pensamento de vanglória]. Os demônios não se opõe a cada um de nossos retos pensamentos, mas alguns dele sofrem oposição também daqueles vícios com o qual temos nos conformado. [5]

31 Vi o demônio da vanglória sendo atormentado por todos os demais demônios e permanecendo de pé, insolente, sobre o cadáver dos demônios que o perseguiam, e manifestando ao monge a grandeza de suas [do monge] virtudes. [6]

32 Aquele que alcançou a gnose e colheu o prazer que dela vem não será mais persuadido pelo demônio da vanglória ainda que lhe sejam apresentados todos os prazeres do mundo -- pois o que o demônio pode apresentar que seja maior do que a contemplação espiritual? [7] Na medida em que não temos o gosto da gnose, trabalhemos na vida prática de boa vontade, mostrando a Deus que nosso objetivo em tudo é a busca de Sua [de Deus] gnose. [8]



33  Traga à recordação seu modo anterior de vida e suas falhas antigas e como você, que era apaixonado, passou, por Misericórdia de Cristo, para a impassibilidade e como mais uma vez deixou o mundo que havia te humilhado em muitas coisas. E também avalie isso para mim: quem é que te guarda no deserto e quem expulsa os demônios que rangem os dentes para você? Pois, por um lado, estes pensamentos trabalham a humildade; e, por outro lado, eles não admitem o demônio do orgulho.

 _______________________________________________


[1] O conselho é dirigido para aqueles que estão sendo tentados pelos demônios e não apenas por seus próprios hábitos apaixonados. Essa distinção é exposta por Evágrio mais adiante. Os próximos parágrafos terão por foco o logismoi da acídia. A salmodia aqui citada não é exatamente a oração incessante, embora alguns vejam na passagem sinais disso.

[2] Segundo o comentário de um monge athonita, ''podemos discernir a fisiognomonia do asceta realizado. Ele possui uma perseverança adquirida na batalha; possui um auto-controle que lhe permitir direcionar seus pensamentos de acordo com as boas práticas ascéticas e contra os demônios que o atacam; possui um auto-controle que lhe impede de tolerar a paixão da ira contra seus irmãos; ele possui uma amabilidade sincera que o torna atrativo aos demais. Um homem difícil de ser derrubado pelos demônios. Nenhuma tolice aqui. Nenhuma auto-indulgência. Nenhum sentimentalismo. O homem escolheu a estrada -- ascetismo -- com conhecimento pleno dos perigos, e ele viaja com amor como um guerreiro que busca pelo Deus de Abraão, Isaque e Jacó.''
[3] São Macário de Alexandria.
[4] O asceta deve viver com a contemplação da morte, de modo a espantar os pensamentos da acídia; mas deve possuir o discernimento necessário na realização do ascetismo para não comprometer seu corpo em vãs e imoderadas mortificações.
[5] Evágrio passa a tratar de um novo logismoi nesse ponto, a vanglória. Ele aproveita para notar que nem toda tentação tem por origem o ataque de um demônio, ou seja, de uma inteligência angélica decaída. A origem dos pensamentos apaixonados podem ser hábitos mentais arraigados e com os quais nos deixamos modelar ao longo de nossas vidas.
[6] Passagem muito importante, pois o demônio da vanglória ataca aqueles que possuem realizações e conquistas espirituais. Essas realizações, adquiridas pela vitória sobre outras paixões, podem não ter sido objeto da luta de uma vontade direcionada para Deus e sim para a própria auto-glorificação.
[7] Evágrio fala do 'prazer espiritual' que advém da intuição direta dos logoi dos entes visíveis, dos anjos e das energias divinas, resultado da purificação das paixões e da iluminação do Nous, que é implicitamente contrastado com os prazeres e satisfações oriundos das sensações e, de forma mais ampla, das paixões decaídas.
[8] Aquele que ainda não possui a experiência da gnose deve se concentrar na luta espiritual pela purificação das paixões, a vida prática, mas de boa vontade, tendo por objetivo o amor a Deus, de modo a não ser enganado pela vanglória. O asceta deve purificar suas intenções, confrontando-as continuamente em meio à vida de oração.