terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Bruxarias Passadas e Hodiernas

Gerald Gardner: o fundador da Wicca mentia à vera sobre as origens de sua nova religião, mas tinha larga experiência em práticas de tradições diversas, desde a OTO até cultos indianos à deusa Kali


Gerald Gardner, o fundador da 'Wicca', o mais conhecido movimento da ''bruxaria moderna", era maçom, iniciado na OTO por Crowley, envolvido com cultos a Kali na Índia, tinha conexões sufis, e fazia parte da Irmandade de Crotona [da filha de Annie Besant].


Mas boa parte da nova religião que ele criou [e estou sendo um tanto irônico aqui, porque Charles Leland a chamava de ''Antiga Religião" -- Old Religion] se deve a uma mistura de thelema com as obras de Leland, de Graves e, principalmente, de Margaret Murray.


Esses autores alegaram que existia um paganismo sobrevivente na Europa, com um culto organizado e um sistema doutrinário e de prática bastante coerente e consistente, que atravessou os tempos e resistiu à pressão do cristianismo hegemônico. As autoridades cristãs teriam chamado essa religião subterrânea de 'bruxaria' e 'culto diabólico'.


Charles Godfrey Leland foi uma das principais fontes da crença, há muito refutada, de que a Bruxaria da Era Moderna era, na verdade, uma religião estruturada e não cristã que enfatizava a liberdade e que foi oprimida pela sociedade hierárquica europeia


Enfim, as teses de Murray sobre essa religião da fertilidade baseada na polaridade sexual não valem um níquel e foram completamente desmoralizadas nos anos 1960 e 1970. Mas se tornaram ''dogmas'' da 'Wicca'. Gardner jurava ter sido iniciado por um ''coven secreto'', mas quando confrontado por Doreen Valiente, uma de suas adeptas mais criativas, admitiu que as ''tradições'' que recebera eram ''fragmentárias'', e que as preencheu com noções aprendidas principalmente em Crowley.

Valiente sabia que Gardner era um tremendo mentiroso. [O sujeito a apresentou a jornalistas como se ela fosse representante de uma das ''tradicionais famílias de bruxos'' que ele descreveu em "A Bruxaria Hoje", o que ela sabia ser lorota.] Mas em geral deixava passar. Só que não curtia Crowley, e reescreveu boa parte d'O Livro das Sombras pra livrar o 'movimento' da influência thelemita, que considerava nefasta. Ela mais tarde romperia com Gardner.


  A egiptóloga Margaret Murray dedicou sua carreira à defesa e descrição da Religião "Matriarcal" e de polaridade sexual, de culto à ''Deusa", que teria sido oprimida pelo cristianismo. Suas alegações se tornaram dogmas para alguns dos movimentos contemporâneos de "Bruxaria", embora já tenham sido refutados pela pesquisa acadêmica desde os anos 1960


Outro "cisma" veio de Alex Sanders, que também dizia descender de uma ''família tradicional de bruxos'', e inventou sua própria tradição, introduzindo aspectos de Cabala, Hermetismo e magia cerimonial. A maior ruptura, no entanto, foi a admissão dos homossexuais, que não eram bem vistos por Gardner, que tinha muito mais noção da importância da relação complementar entre os sexos para as práticas espirituais e mágicas. Sanders chamou sua corrente de "Bruxaria Alexandrina".

Apesar da invencionice, as ideias por trás desses 'neopaganismos' e 'bruxarias' não são desprovidas de sentido, nem muito menos podem ser menosprezadas. Sua metafísica, práticas, perspectivas e ritos são colagens e parasitismo de tradições, essas sim mais antigas, e de conceitos que foram distorcidos por agendas ocultistas do tempo. Mas existem verdades em meio a tudo isso.
Valiente é uma das ''mães'' da Bruxaria Contemporânea: discípula de Gardner, logo descobriu o imenso conjunto de invencionices do criador da Wicca, se desagradou da imensa influência de Crowley, e reescreveu 'O Livro das Sombras', remodelando a figura da Wicca em moldes celtas. Levou a efeito o primeiro grande ''cisma'' da tradição garderiana.


Além disso, esses movimentos se associaram com grupos políticos defensores do feminismo radical, da ideologia de gênero, e ambientalismo pós-pós [vejam a "Bruxaria Diânica" e a "Reclaiming Tradition"]. Também tem papel essencial no movimento ecumênico, dos quais se tornaram xodós nos anos 1990.

Para se ter uma ideia, parte dos estatutos da United Religions Initiative, fundada em 1995 pelo bispo anglicano William Swing com o objetivo de ser a faceta religiosa das Nações Unidas, foi escrito por membros do 'Covenant of Goddess' [COG], criado na Califórnia nos anos 1970 e bastante influente no 'Parlamento Mundial das Religiões' -- que há pelo menos uma geração coloca a 'culpa' pelos problemas mundiais e ambientais nas religiões tradicionais, especialmente no cristianismo.


Z Budapest inicia uma tradição rival dos garderianos a partir dos anos 1970: A Bruxaria Diânica é fortemente feminista, se opondo não só ao patriarcado, mas ao militarismo. Tem vínculos ecológicos fortes e era restrita às mulheres, consideradas ''bruxas naturais''.


[Aliás, a perspectiva fortemente anticristã é elemento fundamental da identidade da Wicca, por mais que falem de tolerância e bla bla blá.]

Por trás da mais superficial cultura pop existe um iceberg de tendências e agendas ao mesmo tempo espiritualistas e políticas.