domingo, 21 de maio de 2023

FAROESTES INDISPENSÁVEIS, Parte 7: The Naked Spur




NÚMERO 8: The Naked Spur [''O Preço de um Homem''], de 1953 -->


Os faroestes dirigidos por Anthony Mann são ao mesmo tempo uma continuidade e um contraponto aos de John Ford.

O ponto de concordância mais forte é o uso do panorama e do ambiente para expressar simbolicamente os estados psíquicos dos personagens e o significado interior da ação que vemos na tela. E apesar de todo caráter icônico da Monument Valley e das planícies dos filmes de Ford, é Mann quem atinge a maestria nesse quesito.

O principal contraponto está na temática principal. Enquanto Ford prefere trabalhar a polaridade mito/história no imaginário do Western, a abordagem de Anthony Mann se debruça sobre conflitos e embates psicológicos da relação de pessoas em processo de autodescoberta.

Eu destacaria três grandes faroestes deste mestre: o primeiro é Winchester '73, de 1950. O famoso rifle se torna quase que uma relíquia sagrada, o centro de toda a narrativa, enquanto ela se desenvolve em um enredo de vingança que passeia por diversos tópicos clássicos do gênero, cada um deles repletos de referências relidas de modo brilhante. Outro exemplo magnífico é Man of the West [''O Homem do Oeste''], de 1958. Um ex bandido que procura uma professora para sua cidade fica para trás com dois golpistas quando o trem em que viaja é assaltado. Encontrado pela bando que abandonou quando resolveu mudar de vida, tem de enganá-los, fingindo está voltando para a vida de crimes enquanto tenta escapar.

O meu escolhido, no entanto, é ''O Preço de um Homem'', lançado em 1953. Os elementos que marcam a obra de Mann atingem o ápice. Além disso, diferente d'O Homem do Oeste, temos aqui a parceria entre o diretor e o lendário James Stewart, e que rendeu cinco faroestes clássicos. A dupla Mann/Stewart se tornaria tão crucial quanto Ford/Wayne ou Kurosawa/Mifune.

Howard Kemp é um torturado e obcecado caçador de recompensas que está atrás de Ben Vandergroat, homicida procurado em Abilene, no Kansas. A contragosto, é ajudado na captura e na condução do bandido por um ex-garimpeiro e por um ex-oficial da cavalaria, com quem terá de dividir o dinheiro da recompensa. E tem de lidar com Lina Patch, filha de um amigo falecido de Ben e que ajuda o assassino na fuga.

O toque genial de Mann está na construção de inter-relações entre os cinco personagens. Cada um deles se liga aos outros de maneira diferente, significativa, tensa e dolorosa. O caçador de recompensa parece ter vergonha do que faz, de certo modo ele não queria estar ali. No meio da aventura descobrimos que perdeu o rancho durante a Guerra Civil: enquanto combatia, sua mulher vendeu a propriedade e fugiu com o amante. Roy Anderson, por sua vez, foi expulso da Cavalaria com desonra, e sabemos mais tarde que ele estuprou a filha de um chefe indígena. Jesse Tate, o garimpeiro, é também um ladrão de cavalos. Lina é uma romântica, que ajuda Ben porque não acredita na vilania do sujeito, tido por ela como vítima das circunstâncias. O homicida preso, por sua vez, se mostra um diabólico manipulador, que joga seus inimigos uns contra os outros durante a viagem e manipula Lina, usando-a para atiçar o desejo e a rivalidade entre os caçadores.

Lina é figura peculiar à trama. Jesse Tate a trata quase que como uma escrava, obrigando-a a lavar roupas, fazer comida e atender as necessidades de cuidado dos homens da trupe. Roy a vê como objeto sexual, bolinando a moça e desfiando grosserias. Ben, com quem ela tem uma relação de lealdade feroz, manipula a beleza da moça, e exerce seu poder sobre ela com simbólicos pedidos de massagem. Já Kemp se apaixona pela menina, vendo nela uma outra maneira de reconstruir sua vida, uma alternativa à tentativa de recomprar sua propriedade perdida com o dinheiro da caça ao bandido.

A jornada do grupo é expressa também pela interação com os cenários do Colorado. As costas rochosas, florestas, cavernas, chuva, e rios caudalosos são imagens das altercações e das paixões dos personagens. Paixões que não podem ser represadas para sempre e, como é comum nos filmes de Mann, explodem em crises e em violência cega e arrebatadora, que, no caso do protagonista interpretado por Stewart, lhe permite superar limites e emergir em um estado de integração superior. A costa rochosa que é obstáculo para ele no início do filme, já não pode mais deter a luta decisiva contra seu alter-ego.