sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

O REINO DOS BOZÓS, OU: O QUE ESPERAR DO GOVERNO BOLSONARO? -- Parte III: Geopolítica, Forças Armadas e o círculo ianque-sionista


Terceira parte da comunicação de André Luiz V.B.T. dos Reis, membro da Organização Popular -- Nova Resistência, em evento organizado com a Mobilização Islâmica, no Rio de Janeiro, dia 29 de novembro de 2018


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PARTE III: GEOPOLÍTICA, FORÇAS ARMADAS E O CÍRCULO IANQUE-SIONISTA



Adentrando um pouco mais no palácio que vai nos conduzir ao coração do Reino de Bolsonaro, temos um terceiro campo ocupado principalmente por parte da alta cúpula das Forças Armadas. Desde o início da crise que se abateu no país a partir de 2013, alguns generais passaram a se pronunciar mais ativamente. Passaram a fazer declarações sobre a política do dia. Algumas delas foram de tanto peso que chegaram a ser lidas como uma tentativa de tutelar a República. Alguns percebem na recente emergência dessas figuras do alto escalão do Exército uma busca por manipulação dos setores políticos. Exageram e chegam a dizer que se trata de um retorno das Forças Armadas ao poder.

Não chega a tanto. Mas é verdade que certa corrente do generalato resolveu intervir no processo político. A principal característica dessa corrente, que parece ser heterogênea, pode ser vista em sua figura mais famosa, o vice-presidente eleito Hamilton Mourão.

Hamilton Mourão entrou definitivamente no debate nacional no ano passado, quando um trecho de uma palestra do general em uma Loja Maçônica em Brasília vazou para as redes sociais. É provável que esse vazamento tenha sido intencional. Outros generais assistiam a palestra de Mourão, conferida em um lugar politicamente simbólico para a História da República e de suas conexões com agências políticas anglo-saxãs, a Maçonaria.

Na palestra, que mais tarde foi disponibilizada por inteira no Youtube, Mourão pregava um choque de liberalismo no Brasil em todos os âmbitos. O general defendia uma americanização das instituições brasileiras e criticava as matrizes étnico-culturais formadoras do nosso povo e cultura.  Segundo ele, as heranças lusitana, indígena e africana impediam nosso “progresso”. Um discurso, nesse ponto, semelhante ao realizado pelo procurador Daltan Dallagnol, da Força Tarefa da Operação Lava Jato, que em 2016 tentou explicar a corrupção brasileira pelo tipo de colonização empreendido entre nós pelos portugueses, por contraste aos “verdadeiros cristãos” que haviam colonizado os Estados Unidos da América.

O General Hamilton Mourão defendeu em palestra na Maçonaria que o Brasil passasse por um choque de liberalismo e que se modelasse segundo a cultura dos EUA



Notem mais uma vez a teia que une esses personagens aparentemente tão diferentes. Ambos fazem do modelo americano, de sua cultura e sociedade, o ideal em que o Brasil deveria se espelhar. Há um mesmo ímpeto por trás dos dois discursos, a procura pela americanização do Brasil em todos os níveis. Recentemente, o Vice-Presidente eleito mostrou ter orgulho do neto porque ele seria bonito, seria uma demonstração de “embranquecimento da raça”. Mourão é gaúcho, mas filho de amazonenses, e tem nítido fenótipo indígena. É óbvio que há aí um complexo de vira-latas que voltou a se manifestar em boa parte da elite política e da classe média tradicional.

Eis aí outra marca do governo Bolsonaro, indispensável para que consigamos entendê-lo: ele carrega na testa a marca do “vira-latismo”, do desprezo pelas próprias raízes étnicas e culturais, o desejo ressentido de emular os estadunidenses, de fazer parte do Ocidente. Esse complexo de “vira-latas” não é só um projeto político, ele trabalha até mesmo no inconsciente dos grupos que dão sustentabilidade ao novo governo. É uma disposição psicológica, que é discernível até no Presidente eleito. Uma falta de auto-estima, um complexo de “inferioridade”, o “complexo do bilau pequeno”.

Por outro lado, a corrente das Forças Armadas que resolveu embarcar na canoa do governo Bolsonaro parece possuir zelo pelos interesses estratégicos do país. Essa corrente aparentemente considera a política externa dos governos petistas deletéria. Diante do acirramento do conflito geopolítico a que já me referi, eles preferem um alinhamento com os Estados Unidos.

A política externa brasileira durante o governo Lula possuía traços contra-hegemônicos. Era uma política que tendia a pautas multipolares e a uma desvinculação do projeto globalista americano. Os generais parecem estar entre aqueles que julgam essa multipolaridade inviável, e entre a China e os Estados Unidos preferem uma aliança com este último sem considerar viável qualquer outra alternativa.

Estes generais foram atraídos para a candidatura Jair Bolsonaro por causa desses interesses estratégicos no setor de defesa nacional. É uma aliança de natureza geopolítica permeada pela mesma tendência de americanização. Em outros temas, os generais parecem discordar. A visão econômica deles não é clara.

Embora não tenham a perspectiva nacionalista e estatista, quase que autossuficiente, das Forças Armadas dos anos 1970, os generais que participam da canoa Bolsonaro tem apego por uma visão estratégica de certas áreas da economia e das instituições brasileiras. Há um enorme potencial de estranhamentos entre a visão militar e a de Paulo Guedes, por exemplo. E podem ocorrer, inclusive, embates e estranhamentos entre a visão desses generais e certos aspectos da política externa pretendida por setores mais neoconservadores e sionistas do novo governo.

E chegamos aqui no campo mais estreito e próximo do Presidente eleito, aquele que inclui até seu âmbito familiar, que mora dentro da própria residência de Bolsonaro. Esse campo possui uma visão ainda mais radical do alinhamento necessário com os Estados Unidos.  É uma corrente vinculada mais a relações de ordem pessoal do que a razões de Estado, bases sociais ou organizações político-partidárias. Trata-se de um conjunto de relações cuja influência atinge principalmente os filhos de Bolsonaro. Esse campo de orientação do novo governo poderia ser chamado de “olavético”, por causa do papel determinante que Olavo de Carvalho exerce nele. Mas, dentre outras coisas, Olavo de Carvalho é um agente de desinformação neoconservador e sionista. Por isso prefiro denominar esse círculo de “campo ianque-sionista”.

Olavo de Carvalho não pode ser subestimado. Suas ideias se difundem em quase todos os demais grupos citados até aqui. Sua presença se faz sentir entre lideranças evangélicas, oficiais militares, forças de segurança, organizações de propaganda liberal. Ele construiu uma narrativa que associou os adversários do neoconservadorismo e do sionismo ao marxismo e o comunismo, pelo menos no discurso público. Todos os adversários do “ianque-sionismo” se tornaram parte de uma conspiração comunista, agentes do “marxismo cultural”, assim diz Olavo de Carvalho e repetem seus adeptos. Ora, o cerne político da proposta “olavética” consiste em uma aliança radical do Brasil com o sionismo internacional e com o projeto neoconservador de novo século americano.

O círculo influenciado por Olavo de Carvalho, e cujo centro receptivo nas pessoas próximas a Bolsonaro é formado principalmente por seus filhos, foi responsável pela escolha de Ernesto Araújo como futuro Ministro das Relações Exteriores.

Ernesto Araújo considera Trump o salvador do “Ocidente judaico-cristão”, uma expressão usada pelos neoconservadores e sionistas na defesa da estratégia nacional americana. A ideia é fazer com que o Brasil se perceba parte da “civilização judaico-cristã”, que se encontraria em uma luta de vida e morte contra outras civilizações.

A proposta de Olavo de Carvalho, dos filhos de Bolsonaro e do futuro Ministro Ernesto Araújo vai muito além de um realinhamento estratégico com os Estados Unidos, tal como desejado pelos generais. O Brasil já se alinhou outras vezes com os americanos. Esse alinhamento é prejudicial, tem um caráter negativo, pois obstaculiza o escopo de uma ordem multipolar. Mas por si só ele não representa uma nulificação completa da voz brasileira no sistema internacional.

Jair Bozó em encontro com Netanyahu, primeiro ministro israelense, em sinagoga em Copacabana, Rio de Janeiro

A proposta desse grupo ianque-sionista é muito mais radical, trata-se da submissão completa e total do Brasil ao projeto “ocidentalizante”. O atual governo americano tem atacado os instrumentos multilaterais da ordem liberal internacional. Ele pensa que essas organizações favorecem mais a China e a Rússia do que aos Estados Unidos. A estratégia de Trump se explica, em parte, pelos interesses estratégicos de seu país.

O vetor ianque-sionista que conquistou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil faz o contrário. Não apenas se afasta de um projeto multipolar ao se realinhar estrategicamente com os Estados Unidos. Vai muito além, propondo a demolição da tradição diplomática brasileira e o abandono dos nossos interesses estratégicos de longo prazo.

Existem três exemplos da guinada histórica que o governo Jair Bolsonaro ameaça dar em nossas relações exteriores. Em primeiro lugar, a questão venezuelana. Os Estados Unidos pretendem afastar a Venezuela de Rússia e China. Para isso precisam derrubar o Presidente Nicolas Maduro e o atual regime bolivariano. Não é uma tarefa simples, já que Maduro possui apoio das Forças Armadas de seu país. O Brasil teria sido escolhido pelos americanos como elemento chave na nova etapa de pressão ianque contra o governo da Venezuela. É provável que essa pressão se dê por meio de mecanismos comerciais e diplomáticos. Mas fala-se, inclusive, na possibilidade do envolvimento de uma missão de paz da ONU caso o cenário venezuelano descambe para uma guerra civil.

Ora, guerras civis podem ser plantadas pelos Estados Unidos, como fomos testemunhas em outros casos. Se a situação chegar a esse ponto, o Brasil seria escolhido para liderar uma missão de paz no país vizinho.

Seria uma mudança cabal da relação brasileira com a América do Sul, e do papel tradicional de mediação que exercemos. Deixaríamos qualquer equidistância para nos tornamos intermediários, garotos de recados dos interesses estadunidenses entre nossos vizinhos. Abandonaríamos o princípio de que não devemos intervir nos assuntos internos de outros países nem trazer guerras de grandes potências para perto de nossas fronteiras.

O segundo e o terceiro exemplos são tão graves quanto, e estão interligados. Bolsonaro, tanto o pai quanto os filhos, declararam que pretendem mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, reconhecendo a cidade como capital do Estado sionista. Caso essa decisão fosse tomada, o Brasil jogaria na lixeira sua tradição diplomática de defesa da solução de dois Estados paro o conflito árabe-israelense. Nós apoiamos o status internacional de Jerusalém em 1947, e depois da divisão da cidade santa entre israelenses e jordanianos, mantivemos a posição de esperar um acordo final entre o Estado sionista e os palestinos a fim de decidir sobre a situação.

O Brasil possui um grande contingente de descendentes de árabes e uma longa história de amizade com o povo palestino. Além de atentar contra uma ordem multipolar, além de perpetrar uma injustiça, a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém faria terra arrasada dos trabalhos da política externa brasileira nesse tema central para o sistema internacional.

A trágica decisão nos colocaria também na contramão do que vem fazendo o restante do mundo, já que mesmo países alinhados a Israel evitaram esse passo catastrófico. As recentes ações do Estado sionista vem minando a legitimidade de Israel até mesmo na Europa. Para que se tenha ideia da gravidade da medida, somente dois países mantém suas embaixadas em Jerusalém: os Estados Unidos e a Guatemala -- O Paraguai voltou atrás. Com todo o respeito a nossos irmãos guatemaltecos, devemos perguntar se essa absurdidade tornaria a inserção brasileira no sistema internacional mais parecida com a dos Estados Unidos, ou com a da Guatemala, pelo menos na medida de nossa autonomia e pode relativos.

Não existem razões de Estado que justifiquem essa medida catastrófica. O que existem são veleidades ideológicas contrárias aos interesses brasileiros. O mundo muçulmano, não custa lembrar, é o destino de mais 40% das nossas exportações de carne e frango. O Brasil sofreria retaliações e tenderia a perder esse mercado, pelo menos em médio prazo.

Ora, o campo ianque-sionista que ameaça dominar a nossa política externa elaborou um plano maluco para amenizar esse problema. Na cabeça de Bolsonaro, tanto pai quanto filhos, a grave ofensa da mudança da embaixada seria resolvida com uma “compensação aos muçulmanos sunitas”. O Brasil aderiria à pressão que os Estados Unidos estão fazendo contra o programa nuclear do Irã.

Os Estados Unidos estão ignorando o acordo nuclear construído em 2015, e restabelecendo sanções contra o Irã. Ora, existe sentença da Corte Internacional de Justiça que proíbe os estadunidenses de reeditarem essas sanções, mas ela vem sendo ignorada por Trump. O governo Trump vem ignorando o Conselho de Segurança, a Rússia, a China, a União Européia, além da Agência Internacional de Energia Atômica, que garantem que o Irã vem cumprindo rigorosamente sua parte no acordo.
Ernesto Araújo, o Ministro das Relações Exteriores escolhido a dedo pelo agente ianque-sionista Olavo de Carvalho

É importante lembrar que o Brasil, junto com a Turquia, antecipou o acordo de 2015. Cinco anos antes, o governo do então Presidente Lula colocou o Brasil no centro da política internacional ao mediar um acordo de enriquecimento de Urânio no exterior com Teerã. Aquele momento foi celebrado como a afirmação da voz e do protagonismo da nossa diplomacia. Se o vetor ianque-sionista levar o Brasil a aderir à pressão que Trump pretende realizar contra o Irã, estará jogando fora essa voz e esse protagonismo, e dando um bico em nossa História.

Mais uma vez, além de atentar contra uma ordem multipolar, além de apequenar o Brasil no sistema internacional, essa decisão tresloucada estaria em oposição contra os mais básicos interesses estratégicos brasileiros. Temos a tradição de estar no centro da discussão sobre a proliferação da tecnologia nuclear, e isso desde os anos 1970. Igualmente, também é do nosso interesse direto a proliferação da tecnologia de mísseis, que também é alvo das acusações de Trump.

Essas propostas do campo ianque-sionista desagradam, certamente, correntes poderosas dentro do Itamaraty, e também não estão em consonância com o que pensam os generais das Forças Armadas, principalmente por causa dos interesses estratégicos na Defesa Nacional. O próprio general Hamilton Mourão tem se declarado a favor da continuidade do programa nuclear brasileiro.

Mas o círculo de poder ianque-sionista é próximo demais ao Presidente eleito. Como eu disse antes, essa teia de relações neoconservadoras, liberais e sionistas que qualifiquei de “olavéticas”, atinge de modo direto a própria intimidade de Jair Bolsonaro, e se espraia, ainda que de modo difuso, por grande parte dos demais grupos que se agregaram à candidatura que saiu vitoriosa nas eleições desse ano.

O vetor ianque-sionista, que ameaça fazer terra arrasada da diplomacia brasileira tornar nula qualquer estatura possível do nosso país no sistema internacional, representa a síntese das ameaças que nos aguardam no futuro governo Bolsonaro. É o verdadeiro núcleo do conjunto de políticas que nos aguarda a partir do ano que vem.

Muito mais poderia ser dito aqui. Mas eu pretendo terminar com essas reflexões graves, frisando mais uma vez que estamos vivendo tempos capitais para o nosso país. É um momento em que estamos sendo alvos diretos do mais audacioso projeto de ocidentalização por que já passamos. Podemos esperar do governo Bolsonaro um cenário de lutas. Mas que outro cenário poderíamos pedir, nós que ansiamos lutar pelo bem de nosso povo e de nossa Pátria?



por André Luiz V. B. T. dos Reis

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