quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

OS 10 MAIORES JOGADORES DA HISTÓRIA, NÚMERO 5: ALFREDO DI STÉFANO

Depois de uma briga entre Barcelona e Real Madri, em que a FIFA e o governo espanhol meteram a colher, foi parar no clube da capital, sendo o principal responsável por torná-lo sinônimo de grandeza e soberania no futebol. A Flecha levou o Real Madri a oito títulos na Liga Espanhola e a cinco títulos consecutivos na Liga dos Campeões, marcando gols em todas as finais. Fez do clube também o primeiro campeão mundial interclubes e se tornou para todos o ''Pelé antes de Pelé'', símbolo de completude técnica e tática.




NÚMERO 5: ALFREDO DI STÉFANO


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Entre os poucos que acompanham essa série de postagens há aqueles que esperam ver no top 5 da lista de dez maiores o nome de algum dos grandes ídolos da última década e meia, o ponta de lança Lionel Messi e o atacante Cristiano Ronaldo. Para estes faço alguns comentários que considero pertinentes.

Assim como em outras áreas, existe no futebol uma dinâmica der memória e esquecimento. Quando comecei a jogar peladas nos campinhos de terra e nas ruas de Senador Camará ainda na primeira metade dos cada vez mais longínquos anos 1980, a grande discussão sobre maior jogador de todos os tempos polarizava Pelé e Garrincha. Nós crianças repetíamos o que ouvíamos dos adultos, em quem a imagem de Mané, falecido por aquele tempo e que havia se retirado dos gramados há apenas dez, quinze anos, ainda se encontrava muito vívida. Diziam que ele era até melhor do que o Rei, mas não teve a ''cabeça'' de Pelé, não soube administrar a carreira.

Esse tipo de tema foi quase que totalmente apagado do debate público no futebol pátrio durante os anos 1990. Naqueles tempos a figura de Mané se embotou diante da de Zico, da ascensão de Romário, do Fenômeno etc. Ele saiu do topo da lista dos melhores entre os analistas do esporte a tal ponto de eu ficar um tanto surpreso quando na segunda metade daquela década um importante articulista escrever sobre seu desapontamento com o embotamento da imagem de Garrincha.

Esse esquecimento de Mané durou uns quinze anos. A partir do fim da década passada, a figura dele tem sido cada vez mais relembrada, engrandecida. É como se houvesse um estalo na ''memória coletiva'' -- expressão problemática, eu sei -- que trouxesse à tona mais uma vez a importância e excepcionalidade do ponta. Memória, esquecimento, memória.

Na segunda metade dos anos 1980 o grande debate era sobre Zico e Maradona. Quando Zico se despediu do futebol, na virada dos anos 1980 pros 1990, deixou os gramados com a aclamação de que havia sido o maior jogador brasileiro depois de Pelé. O próprio Rei acredita nisso. Em todas as entrevistas em que o vi se pronunciar sobre o assunto, inclusive declarações nessa década atual, Pelé diz que o jogador que mais chegou próximo dele no Brasil foi Zico. Telê Santana afirmou a mesma coisa em 1989, que o camisa 10 da Gávea havia sido o maior depois do Rei do Futebol. A grande discussão naqueles tempos de Diego Maradona era sobre quem havia sido melhor, se o Galinho ou o Moleque de Ouro. Muricy Ramalho deu entrevista recente no Sportv afirmando que considera Zico melhor do que Messi e até Maradona, e chegando a soltar um riso irônico quando lhe pediram pra comparar o ídolo rubro-negro a Cristiano Ronaldo.

Pois na segunda metade dos anos 1990 essa discussão também começou a se esvanecer diante da conquista de novas Copas pela seleção e do surgimento de Romário, que polarizou opiniões e brigas com Zico. No cenário mundial, a figura de Zico também se obscureceu nos anos 2000, e hoje já é comum que não se coloque o Galinho nem no top 10 dos melhores de todos os tempos -- algo que seria muito difícil nos anos 1980. Memória, esquecimento, memória.

É absolutamente comum na história do futebol que os ídolos da geração presente, ainda em atuação, sejam considerados sucessores dos grandes do passado, como sujeitos capazes de desafiá-los. Aconteceu com os grandes jogadores de todas as décadas que vivenciei. Romário terminou a carreira se dizendo inferior apenas a Pelé. Ronaldo Fenômeno a iniciou sendo comparado ao Rei-- e eu devo admitir que a memória do Fenômeno vem se agigantando com o passar do tempo, e que já se tornou muito comum considerá-lo entre os dez maiores num processo contrário ao que aconteceu com Zico, por exemplo, ou da oscilação que houve com Garrincha.

Essa longa introdução me leva ao quinto colocado da minha lista de melhores. Peço permissão pra mais uma vez partir da minha experiência pessoal. Nas discussões sobre futebol na segunda metade dos anos 1980, nas classificações feitas por analistas e publicações esportivas, ninguém, absolutamente ninguém tiraria Alfredo Di Stefano do top 3. O argentino naturalizado espanhol já havia se despedido dos gramados há vinte, vinte e cinco anos, mas continuava celebrado como o maior de todos depois de Pelé. O próprio Rei, quando queria espezinhar Maradona, brincava que primeiro os argentinos tinham de decidir quem havia sido o melhor do país, se Diego ou Di Stefano.

Pelé sabia que essa dúvida não existia somente na Argentina. Quando o ano 2000 se aproximou, as mais respeitadas publicações e organizações do futebol confeccionaram listas dos principais jogadores do século. A FIFA realizou uma eleição em que participaram dirigentes da entidade, técnicos, ex-jogadores e jornalistas de todo o mundo. Di Stefano ficou em segundo lugar, atrás apenas de Pelé e curiosamente à frente de Maradona. [Uma anotação interessante: Zico e Garrincha estavam entre os dez primeiros, empatados com o mesmo percentual de votos.]

A Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol [IFFHS] também fez sua lista, e Di Stefano conquistou o quarto lugar, também à frente de Diego Maradona. Na eleição realizada pela prestigiosa France Football, que distribui anualmente a famosa ''Bola de Ouro'', Pelé foi escolhido o jogador do século XX. Di Stefano ficou em quarto lugar, atrás de Maradona e Cruyff.

E, no entanto, na última década e meia houve um certo apagamento da figura de Di Stefano nos debates, um processo mais ou menos semelhante ao ocorrido com Garrincha nos anos 1990 e 2000. Não acredito que esse esquecimento vá durar muito, principalmente com o aumento da importância dos campeonatos continentais europeus e do ocaso cada vez mais próximo de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, objetos atuais das paixões da torcida e do marketing esportivo. É bem possível que na próxima década a imagem da ''Flecha Loira'' retorne com força ao seu devido lugar.

Di Stefano era muito jovem quando surgiu no River Plate, que possuía um dos melhores elencos já vistos. Sem lugar na panelinha d'A Máquina, partiu para a Colômbia, onde foi descoberto pelos espanhóis. Depois de uma briga entre Barcelona e Real Madri, em que a FIFA e o governo espanhol meteram a colher, foi parar no clube da capital, sendo o principal responsável por torná-lo sinônimo de grandeza e soberania no futebol. A Flecha levou o Real Madri a oito títulos na Liga Espanhola e a cinco títulos consecutivos na Liga dos Campeões, marcando golos em todas as finais. Fez do clube também o primeiro campeão mundial interclubes.

Sim, Di Stefano era líder de panela, um verdadeiro ditador no Madri, uma característica comum no mundo da bola e ainda mais entre desportistas argentinos. Quem quisesse jogar no time tinha de se enquadrar e aceitar o comando do camisa 9. Puskas se adequou às regras e ao papel de astro menor a gravitar ao redor do argentino; o nosso Didi, melhor da Copa de 1958, não aceitou, brigou, e voltou ao Brasil acusando Di Stefano de ter inveja de seu futebol. Além disso, o Real Madri acabou por se tornar também uma arma da propaganda franquista, o que muitos não perdoam.

Tudo isso é verdade, mas não toda verdade. Em campo, Di Stefano correspondia a todas as expectativas, com muitos tentos, vitórias, títulos e exibições épicas. Ele se tornou para todos o ''Pelé antes de Pelé'', símbolo de completude técnica e tática. Não possuía a habilidade e genialidade do Rei, ou de Maradona e Messi, mas foi o verdadeiro divisor de águas entre o futebol amador e a revolução tática que levaria à modernidade do esporte bretão. Ele foi o futebol total antes que a expressão fosse inventada. Era um centroavante que girava por todo o campo, caindo por ambos os lados, atuando em todas as posições do meio para a frente, e se destacando também como armador. Diziam que ''jogava de área a área''. Não era apenas goleador, mas grande passador e arquiteto de jogadas de ataque. Um jogador completo nos fundamentos, na movimentação, e pioneiro na capacidade física e atlética.


Infelizmente , nunca jogou um Mundial de seleções. E notem aqui a diferença entre ele e outros grandes ídolos que não se destacaram no maior dos eventos esportivos: A Flecha nunca teve a oportunidade. A Argentina decidiu não disputar as Copas de 1950 e 1954. Di Stefano se naturalizou espanhol em 1956, já com trinta anos de idade, mas a Espanha, que estava longe de ser uma potência no futebol, ficou de fora da Suécia por causa de apenas um ponto nas Eliminatórias. Em 1962, já com Puskas naturalizado, a Fúria foi ao Chile. Mas uma contratura muscular impediu que Di Stefano jogasse a fase de grupos. Os espanhóis não deram sorte, caíram junto com o Brasil e foram eliminados. E assim, Di Stefano não teve possibilidade de atuar em nenhuma partida de Copa do Mundo.

Se tivesse jogado, sua posição nessa lista poderia ser maior ou menor de acordo com o que fizesse. Sem poder atuar, no entanto, o que restam são especulações. Mas por sua completude, pelo testemunho dos que o viram, pelo impacto em seu tempo, pelos recordes, pela importância no desenvolvimento do esporte, e principalmente por ter triunfado sobre o tempo e o esquecimento, Di Stefano não pode ser retirado do topo da lista.

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