terça-feira, 27 de agosto de 2019

A Amazônia é brasileira, mas não como pensam Bozó e o Exército


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A percepção do governo Bozó sobre a Amazônia é exatamente aquela vendida pelas Forças Armadas desde sempre. Eles pensam que a história da colonização no território brasileiro é a da ''integração'' [forçada] dos povos indígenas, ocupação por eurodescendentes [eles se vêem como continuadores da colonização portuguesa] e exploração econômica.

Daí as críticas que Augusto Heleno fez na década passada à política indigenista, declarando que ia em sentido contrário à construção do país. O oficiais superiores do Exército não parecem perceber que, desse modo, confessam o caráter genocida e predatório que a presença luso-brasileira muitas vezes representou para os povos nativos.

Os generais dão assim razão a Aílton Krenak, que tem dito que a guerra contra os índios nunca parou um dia sequer no Brasil desde a chegada dos europeus. Que nesse momento mesmo os indígenas lutam pela sobrevivência física e cultural, e pela manutenção de suas terras ancestrais contra uma série de agressões, invasões e morticínios. ''Estamos em guerra", continua o ex-deputado.

O Exército se ressente que a Constituição de 1988 tenha dificultado esse processo de extermínio. Eles não conseguem enxergar qualquer outra solução para a soberania brasileira em que a floresta permaneça de pé. ''Projeto Bandeirantes'', de fato.

Daí que nessa visão, a política indigenista, o discurso preservacionista e a intervenção estrangeira sejam sinonimizados. A depredação para a exploração econômica, destruição das comunidades e culturas ancestrais é vinculada, no raciocínio dicotômico, ao nacionalismo.

Se é verdade que o imperialismo e os interesses econômicos internacionais podem se utilizar de ONGs ambientalistas, movimentos indígenas e preservacionismo como forma de intervenção política e econômica, é evidente também que muitas vezes a equação que se faz com esses elementos não fecha.

Historicamente, sempre existiram projetos econômicos de outros países na exploração dos recursos da região. As lembranças do projeto Jari e as tratativas de Rockfeller para a construção de empreendimentos industriais na Amazônia ainda estão muito vívidas. O próprio governo Jair Bozó quer vender terras a estrangeiros e permitir que mineradoras do Canadá, EUA e outras nações atuem em reservas indígenas, atraindo forte oposição dos povos nativos e de ambientalistas.

A demarcação de terras indígenas, com a utilização de nativos em tropas do Exército brasileiro, é uma solução engenhosa para a manutenção da nossa soberania na Amazônia. As terras indígenas pertencem à União, e são dadas como posse coletiva -- sem possibilidade de propriedade individual -- às comunidades ancestrais. O acordo não impede a exploração do subsolo pela União, desde que com consentimento dos habitantes do local e com a divisão com eles dos possíveis frutos da exploração.

É risível que o Exército pense a sério que a defesa do território brasileiro dependa de atividades econômicas caóticas e destruidoras deste mesmo território e dos povos que nele vivem. Muito mais inteligente seria exigir um investimento na indústria de monitoramento por satélites e tecnologia militar na fronteira. A visão dos generais, nesse e em outros campos, é míope, curta e rasteira.

A Amazônia é brasileira e sul-americana não porque temos direito a destruí-la antes que europeus, norte-americanos e chineses. Não se trata de uma competição pra saber quem achincalha primeiro o meio ambiente e mata os indígenas e seus complexos culturais.

A floresta é brasileira e sul-americana porque nosso processo civilizacional -- em grande parte herdeiro dos povos nativos cujo sangue e cultura vivem em nossos corpos e almas -- é capaz de guardá-la, conviver com ela e mantê-la e aos povos que ali interagem, de maneira orgânica e singular. Porque somos capazes de vê-la para além de uma mero conjunto de recursos materiais, fonte de lucro ou museu. Porque ela é elemento indissociável de nossa identidade.

Qualquer ''uso'' dos recursos amazônicos tem de obedecer estes princípios. Mesmo a consideração de que a biodiversidade da região é a maior do planeta e que ela pode gerar mais riqueza de pé do que detonada tem de se submeter aos parâmetros acima.

A Amazônia é nossa, sim, sempre foi. O que implica dizer que ela não é ocidental, e não agiremos nela como colonizadores, imperialistas e estrangeiros de toda ordem acabariam por fazer.


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