"E a parte de esquerda pra mim, na faculdade, a mais importante, além de ter essa práxis, né, de entender o anseio do povo, foi essa reconexão com minha raiz. Porque o adolescente é rebelde, né? E quando eu era criança, o meu pai me colocava na aula de viola, com oito, nove, dez anos. Porque o pessoal da família dele arranhava, né? Ninguém era violeiro profissional, mas arranhava nas Folias de Reis. E o pai quer sempre que o filho seja. E eu fiz um pouquinho, mas quando fiquei um pouquinho maior fui pro Metal. E aí eu renegava, eu criticava. E essa ligação de começar a frequentar os lugares, os quilombos, os assentamentos, foi também uma reconexão com a viola, com a cultura caipira.[...] A parte da esquerda me ajudou a me reconectar com isso, né? A ter orgulho disso"
Luiz Campos
Em outubro de 2021, fui apresentado no II Congresso Nacional da Nova Resistência como o “coordenador” ideológico do grupo, responsável pela linha teórica adotada em textos e vídeos. Era uma formalidade, pois de certa maneira eu exercia essa função desde fins de 2018 por conta da minha ênfase no Trabalhismo, no Getulismo e na cultura popular inscrita no carnaval, nas escolas de samba e na bossa nova. Ainda assim, o epíteto estava longe de contar toda a verdade. Tão ou mais importantes que minhas contribuições eram as influências e as orientações trazidas para a Dissidência por Ewerton Alípio e Luiz Campos.
Das
mãos de ambos dependeu o “abrasileiramento” da temática e do foco do
Tradicionalismo político, com abordagens que partiam desde um campo cultural
mais estrito, como a música e a literatura, até alcançar patamares teóricos e
filosóficos mais amplos, de ordem Estética e Metafísica. A eles se deve a ênfase
cada vez maior e mais fundamental em aspectos da cultura mística e luso-brasileira
do Nordeste, nas profundidades do sertão, na natureza esotérica do folclore,
nos estratos metafísicos de Guimarães Rosa, Ariano Suassuna e Vicente Ferreira
da Silva. Não bastasse isto, Luiz e Ewerton tinham uma história de militância
muito mais marcante que as minhas tímidas participações em greves de professores do Estado do Rio e
em protestos de rua. Eles tingiram a Dissidência com os tons do socialismo de
terceiro mundo, das ocupações urbanas lideradas por grupos comunistas, das
lutas camponesas, dos movimentos estudantis. Não há dúvida de que se tornaram a
face mais radicalmente revolucionária de todo o campo dissidente tradicionalista,
tanto no âmbito teórico quanto prático.
9.1 O Mestre Alípio
Não há qualquer exagero em afirmar que a imensa modéstia de Ewerton torna ainda mais evidente seu imenso carisma, cultura e capacidade de mobilização e liderança. Foram qualidades forjadas desde a adolescência, vividas no Rio Grande do Norte do fim dos anos 1990, em uma intensa militância em círculos marxistas-leninistas, que o levaram a participar da refundação do Partido Comunista Revolucionário [PCR] em seu estado. “Minha linha era esta. Gostava do Luís Carlos Prestes, e tinha contato com outras organizações também. Uma organização chamada PCNL. Uma organização muito parecida com o chamado Partidão da época da fundação, da década de 1930. E um coletivo chamado Coletivo Comunista Luís Carlos Prestes”, conta.
O Mestre Alípio tem experiência direta em movimentos político-partidários, estudantis, sindicais e de ocupação urbana. Marxismo-leninismo, nacionalismo e trabalhismo dissidentes. |
Envolvido com o movimento estudantil e com os congressos de entidades ligadas à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas [UBES], Alípio teve papel de destaque e liderança nos protestos de março de 2002 em Natal e em Parnamirim: “Houve uma guerra geral contra a flexibilização da CLT, em meados de 2002...Fui um dos líderes de uma grande mobilização estudantil que apoiou este movimento. Houve uma grande manifestação. Marcou muito a cidade de Natal na época. A região metropolitana, porque Parnamirim também apoiou. Foi uma das primeiras adesões da cidade de Parnamirim a passeatas de estudantes”. Participou também de Congressos da Associação Potiguar dos Estudantes Secundaristas [APES], vinculada a UBES, e foi fundador e um dos diretores da União dos Estudantes Secundaristas Potiguares [UESP], ligada ao PCR.
Mestre Ewerton ensinando à dissidência sobre os aspectos tradicionais da cultura nordestina e de obras como a de Suassuna |
Ewerton
continuou semeando, e integrou, em 2003 e 2004, o Movimento de Lutas nos
Bairros, Vilas e Favelas [MLB], responsável por famosa ocupação urbana em Natal:
“O MLB participava da CMP, Central dos
Movimentos Populares. É a “CUT” dos movimentos populares. Tive breve contato
com um pessoal do MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto] lá em São Paulo.
Cheguei a me hospedar em uma ocupação deles, num prédio em São Paulo. Então, eu
fundei aqui, em Natal, na capital do meu Estado, fundei uma ocupação de sem
tetos, que hoje é uma espécie de conjuntos mesmo, a Leningrado.” Alípio se afastou da ocupação e entrou na Faculdade de Letras, de onde saiu como professor concursado
do Estado do Rio Grande do Norte e, depois, supervisor do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência [PIBID], do
Ministério da Educação. As lutas populares tiveram continuidade na atuação em prol da Educação Pública. Antes, porém, Alípio se decepcionou
com os ambientes de esquerda e buscou novas vias de atuação.
“Me desiludi com a esquerda e tive um flerte
lamentável com as direitas. Vou usar aqui o plural mesmo, as direitas. Eu tinha
conflitos com a liderança do PCR, eles não gostavam do meu gosto literário, por
assim dizer, eclético. Eu lia autores como Herman Hesse, Camus...e eles
ridicularizavam, achavam que eu tinha apenas que ler realismo socialista,
literatura marxista em sentido estrito. Bom, sobre a ocupação, eu vi muitas
práticas que me incomodaram. [...] E eu fui adquirindo ojeriza pela esquerda em
geral. Porque eu via uma certa esquerda vivendo de forma nababesca enquanto eu
apenas me sacrifiquei. Vícios da esquerda que testemunhei, sectarismos. [...] Conheci a obra do Olavo de Carvalho e
pensei que a crítica que o Olavo fazia à esquerda tinha sentido. O que mais me
levou a dialogar com a direita foram essas desilusões que tive com as esquerdas.
. Já que eu me desiludi com a esquerda, pensei, vamos ver o que a direita tem a
oferecer pro povo, para o país. Sobre as "direitas", como falei,
dialoguei com várias correntes, o
pessoal do Instituto (ou think tank) Ordem Livre, que organizou o evento
Liberdade na Estrada (palestraram na UFRN).
Lucas Mafaldo, que eu, Alex e Uriel seguimos no Twitter, Diogo Costa e aquele
Bruno Garschagen palestraram em tal evento. Nessa época, dialoguei também com
católicos antissionistas, do tipo
sedevacantistas, várias correntes liberais, inclusive olavetes, até travar
relações com Dídimo Matos, conhecer os Evolianos (os encontros), Marcílio Diniz. Por isso "direitas", conforme disse. Acho que existe uma diversidade nesse rol de tendências direitistas.”
Em meio ao seu flerte com tendências mais liberais, Ewerton realizou uma pesada crítica ao blog Legio Victrix, que já era então meio de propaganda dos autores mais bem quistos por Raphael Machado, mostrando repúdio a uma tradução de Stalin e qualificando stalinismo e nazismo como duas faces do mesmo problema. Não demorou muito, porém, para que se afastasse dessas vertentes. Ele assistiu à análise do debate entre Olavo e Dugin feita por Dídimo Matos, e discordou do canto de vitória dos discípulos do “filósofo da Virgínia”. O passo seguinte foi mergulhar em obras evolianas e se interessar pelo reconstrucionismo pagão. Alípio já conhecia o nome de Marcílio Diniz, embora não soubesse que se tratava de um organizador dos Encontros Evolianos. Os rios corriam para o mar na forma de co-incidências.
Ewerton em momento de descontração. Um dos grandes responsáveis por tons armoriais na Dissidência |
Não demorou muito para que Ewerton voltasse de novos os olhares para as figuras do Trabalhismo histórico: “Voltei a combinar o evolianismo com elementos das minhas raízes ideológicas na esquerda. Sendo que me voltei mais para a esquerda trabalhista. Para o nacionalismo, o trabalhismo. Eu também tive uma fase efêmera brizolista antes de me tornar direitista. Tenho ainda aqui comigo um jornalzinho de um diretório do PDT, acho que do Rio de Janeiro, e chegaram aqui uns exemplares. E eu distribuí para conhecidos. Tenho ainda comigo aqui. [...] Nesta fase, eu já tinha voltado a me identificar e defender o legado de Jango, Brizola e Getúlio Vargas.”
Envolvido em projeto interdisciplinar do Pibid, Ewerton visitou São Paulo em setembro de 2014 para participar de um Congresso de Educação na USP. Era a semana de realização do V Encontro Nacional Evoliano: “O Marcílio Diniz eu conheci pessoalmente lá no Evoliano, em São Paulo, junto com Dídimo, com Rafael Aires. Me tornei amigo dos três, até hoje. Tinha ouvido falar do Marcílio Diniz porque eu tinha uma curiosidade sobre movimentos pagãos, politeístas. Eu não tinha ideia que ele tinha ligação com o Dídimo e com os Evolianos. O Marcílio é um tipo de evoliano...se é possível isso...um tipo de evoliano mais ortodoxo, mais de direita.”
Alípio em um dos Encontros Tradicionais organizados por Dídimo Matos. Na foto se encontram também professores já citados, como Marcílio Diniz, Rafael Aires e Carlos Bezerra |
9.2 Luiz, o Caipira Armorial
Luiz em momento de descontração. Dono do canal do Youtube "Caipira Armorial", seu pensamento é um dos pilares da temática dissidente, tanto no âmbito filosófico, quanto cultural e político |
Ewerton e Luiz em São Paulo, 2019. |
Esse
mundo que lhe era natural foi pensado de outra maneira quando entrou para a Universidade,
em 2001. Luiz conheceu uma militância que o levou para pesquisas e trabalhos sociais -- como lecionar -- em quilombos e assentamentos. “E aí eu comecei a ter contato
com o pessoal de esquerda mesmo, né? Do Maoísmo, como eu disse, da Liga dos
Camponeses Pobres, o pessoal do MST, fiz estágio nestes lugares, né? Foi minha
grande formação. Estudamos muito Gramsci, Mao Tsé Tsung...”, conta. O envolvimento
com a esquerda foi fundamental para que Campos redescobrisse sua identidade
caipira. Na adolescência, ele se afastara dela, caminhara as trilhas musicais do Metal pesado, participou de bandas de Rock.
“E a parte de esquerda pra mim, na faculdade, a mais importante, além de ter essa práxis, né, de entender o anseio do povo, foi essa reconexão com minha raiz. Porque o adolescente é rebelde, né? E quando eu era criança, o meu pai me colocava na aula de viola, com oito, nove, dez anos. Porque o pessoal da família dele arranhava, né? Ninguém era violeiro profissional, mas arranhava nas Folias de Reis. E o pai quer sempre que o filho seja. E eu fiz um pouquinho, mas quando fiquei um pouquinho maior fui pro Metal. E aí eu renegava, eu criticava. E essa ligação de começar a frequentar os lugares, os quilombos, os assentamentos, foi também uma reconexão com a viola, com a cultura caipira. Eu voltei a ouvir as coisas que ouvia com meu pai no carro quando eu era criança. Que eu lembrava, que eu adorava. Porque era basicamente assim, minha mãe era ligada à MPB, a Milton, né, até porque era de Três Pontas, juventude de lá. E meu pai, aqui de Maria da Fé, é ligado a essa coisa do campo mesmo, da raiz, da viola, à Tião e Carreiro. E essas foram minhas grandes escolas. A parte da esquerda me ajudou a me reconectar com isso, né? A ter orgulho disso
Da esquerda para direita: Camila Milk, Luiz Campos, André Luiz dos Reis e Lívia dos Reis |
Redescobrindo
as próprias raízes, Luiz passaria por uma crise que em alguns círculos
esotéricos poderia ser qualificada de “iniciática”, mas que pode ser abordada
de outros ângulos também. Estudando filósofos platônicos e neoplatônicos, e em
contato com as crenças e os valores do povo a que sua militância se dedicava, notou
a incompatibilidade entre suas tendências profundas e o materialismo.
“E aí, na faculdade, estudei também os
autores mais metafísicos mesmo...Platão, a grande influência...E aí eu tinha esse
conflito, né? Estava num meio de esquerda, em que os militantes, na sua
maioria, eram materialistas, eram ateus. Mas as pessoas com as quais eles
trabalhavam, com que faziam militância, os trabalhadores, os produtores do
campo, não eram. Ninguém era. E eu não era também. Era ligado a estas
tradições. Então, eu tinha esse conflito, né? Meu Deus, eu adoro o que eu leio
do Mao Tsé Tsung, no Gramsci, no Mariátegui, no Darcy Ribeiro, no Fidel, o
pessoal da Coréia Popular...esses eram os nomes que realmente me formaram.
Basicamente, o que o pessoal na minha época chamava de Socialismo do Terceiro
Mundo. Essa foi minha grande escola. Eu não conhecida Dugin, Evola, nada, isso
foi muito tardio pra mim, camarada, isso foi bem depois. Mas eu passei muito
tempo neste conflito. E aí no meio musical tinha uma gente que se interessava
por esoterismo. E aí eu comentando com alguns conhecidos sobre esse conflito, o
pessoal me recomendou Guénon...O Guénon foi o primeiro autor tradicionalista,
fora os metafísicos que eu conhecia na faculdade, como Platão. O primeiro
‘’renegado” que eu conheci foi o Guénon. (risos). E daí do Guénon foi pro Evola
e tal, e daí pro Dugin. Mas isso foi em 2013 e 2014.”
|
Luiz
já pesquisava o politeísmo desde 2008. Em fins de 2013, entrou em contato com o
professor Marcílio Diniz, da Paraíba, especialista em druidismo ibérico, e que foi
citado em outros textos como partícipe da rede de contatos de Dídimo Matos e um
dos principais organizadores dos Encontros Evolianos. [Como dito acima, o
professor Diniz também se tornaria amigo de Ewerton a partir do V Nacional, em
2014]. Luiz e Marcílio foram alguns dos responsáveis pela criação de diversos
grupos de reconstrucionismo da religiosidade iberocelta. A narrativa de
Campos aponta para a centralidade dos Encontros Evolianos na articulação de
diversos grupos de estudos afins espalhados pelo Brasil.
“Eu comecei a estudar a sério o politeísmo
por volta de 2007, 2008; e comecei a praticar de fato por volta de 2010. Conheci
o Marcílio no final de 2013. Eu criei, aqui no sul de Minas Gerais, um grupo de
estudos e práticas iberoceltas, chamado Dakro-Monyoi (em proto-celta, "Montanha
que chora" - que é o significado do nome Mantiqueira) e entrei em contato
com com o Brigaecoi, o grupo
reconstrucionista do Diniz. Foi assim que o conheci. Com o tempo surgiram os
primeiros cursos online sobre a fé e a ritualística iberocelta. A gente
desenvolveu, além desses cursos, a Assembléia Iberocéltica do Brasil, um
círculo de grupos reconstrucionistas em estados como Minas, Pernambuco, Ceará,
Rio de Janeiro, São Paulo, e Santa Catarina. Trabalhamos no desenvolvimento de
uma liturgia e uma ortopraxis unificada e baseada numa intensa pesquisa. Além
disso, criamos o site da Frente
Iberocelta. Os Evolianos eu descobri por conta própria mesmo, na Internet,
procurando material sobre Evola e Guenon. Independente desses contatos no
politeísmo, eu tinha alguns amigos aqui que se interessavam por esoterismo e
filosofia, então os Evolianos eram um assunto comum por aqui. Até cogitamos a
possibilidade de ir a algum dos encontros, mas naquela época a Internet era um
mundo diferente de hoje, ainda mais para jovens do interior de Minas. Tudo
parecia muito distante de nós. Aqui foi se desenvolvendo um Tradicionalismo
paralelo e sui generis, uma mistura de politeísmo, esoterismo, socialismo e
agrarismo (risos). Infelizmente só sobrou eu dessa época, a maioria dos meus
camaradas dessa época acabou enveredando para o bolsonarismo.”
Luiz Campos militando: atuação política vinda das bases, da área rural e do socialismo do terceiro mundo |
Mais tarde, Luiz se afastaria do reconstrucionismo. Hoje está ligado ao Candomblé, que também tem raízes em sua família: “E acabei me afastando porque acho que, não tenho preconceito nenhum, mas são muitas lacunas no reconstrucionismo. Muita lacuna, muito improviso. A interrupção nessa tradição me incomodava. [...] Meu avô paterno, que eu infelizmente eu não conheci – quando eu nasci ele já era falecido--, então meu avô era de umbanda e candomblé etc. e tal. Então, parte da família de meu pai já herdou. Eu cresci já nesse meio sincrético. E essa foi minha grande formação. Alguns tios frequentam candomblé e umbanda. Eu nunca frequentei. Minha aproximação foi recente, de dois anos pra cá, algo bem novo, apesar de já ter essa aceitação na família, né.” Mas foram os meios ligados ao reconstrucionismo iberocelta que colocaram Luiz em contato direto com movimentos do Tradicionalismo político. Nestes grupos, conheceu Amaryllis Rezende [1] e descobriria círculos que liam autores semelhantes aos que ele se dedicava. Contarei esta história mais para frente.
Luiz Campos: dedicação às dimensões profundas do folclore e da cultura do Brasil |
Os debates do Orkut eram coisa do passado. E, no entanto, não podemos dizer o mesmo do papel das redes sociais, que continuaram como meios de interação dissidente e difusão de ideias Tradicionalistas.
9.3 O papel das redes entre 2011 e
2014
As respostas de Alex Sugamosto no Formspring se tornaram apostila. Nítida ascendência intelectual em meios vitais para a difusão do pensamento Tradicionalista |
A
Dubê se esvaneceu neste período, acompanhando a decadência do Orkut. À parte alguns
tópicos de comentários sobre o debate entre Olavo e Dugin, ela perdeu dinamismo
e se esvaziou. Os nomes mais conhecidos do fórum, e de outros meios de
interação na Internet, migraram para o Facebook nos anos seguintes. Conversavam em
tópicos, conviviam em comunidades com temas diferenciados, como a já citada
Do Mau Gosto da Matéria, em que se discutia e propagandeava ideias
Tradicionalistas, duginistas, de Geopolítica, sobre a política nacional, e
outras que davam continuidade ao arsenal desenvolvido nos tempos da Olavo de
Carvalho do B. Outras eram ainda mais discretas, voltadas para o debate sobre
aspectos bem específicos das obras Tradicionalistas, incluindo críticas aos principais
autores da “escola”. Surgiram também fóruns de debate sobre experiências
espirituais e algumas pequenas iniciativas de matiz político. Alex Sugamosto,
Rodolfo Souza, Uriel Araujo, Caio Rossi, Jorge Faria [o “Rudra”], Giuliano
Morais, Rafael Daher e muitos outros participavam desses núcleo de interação virtual.
Mas antes que o Facebook atingisse um peso incomensurável no compartilhamento de ideias dissidentes, outros sites se destacaram na troca de informações sobre Tradicionalismo, esoterismo, de “caminhos da mão esquerda”, e de discussões políticas “fora da caixinha”. O mais marcante, entre 2010 e 2014, era o Formspring, mais tarde substituído, com repercussão bem menor, pelo Ask.fm. O formato de perguntas e respostas, com a possibilidade de envio de questões anônimas, permitia chistes sem fim mas também pequenas “palestras” e aulas. Embora destinados a um nicho de convivência bem específico, as interações nestes sites deram continuidade às principais temáticas da Olavo de Carvalho do B e influenciaram uma nova geração de jovens esoteristas. Perfis do Formspring, como o de Alex Sugamosto, se transformaram em apostilas que circularam nesses meios. Havia um tom de brincadeira em ações deste tipo, mas também o sinal de ascendência intelectual inegável. Circulavam também vídeos e áudios postados no Facebook e cursos on-line, além da continuidade do fenômeno dos blogs e dos textos mais elaborados em “notas” do Facebook. A Era das Redes nunca chegou de fato ao fim, mesmo depois que a Dissidência se fez presente nas ruas.
Artigo de Rafael Daher no blog de Alfredo R.R. Sousa: a continuidade do fenômeno dos blogs e das redes virtuais |
No
ano de 2013, imensas manifestações, protestos e greves tomaram conta do país, originando
um processo de mobilização política e social de vastas consequências, e que não
deixaram a Dissidência incólume. As marchas, que incluíram os movimentos contra
a Copa e as polarizadas eleições de 2014, a grave crise institucional de 2015,
e o impeachment de 2016, fervilhavam as ruas e os meios de intercâmbio político.
Os envolvidos no Tradicionalismo político viram no período uma série de
fissuras no establishment, capazes de propiciar novas oportunidades de atuação
contra as forças do consenso. O cenário internacional era igualmente conflituoso,
envolvendo revoluções coloridas e a guerra no Donbass.
Este
foi o berço que ninou parte da geração dissidente atual. Mas o parto destes
novos militantes foi realizado no V Encontro Nacional Evoliano, que impactou sobremaneira o imaginário deste campo político. Realizado como evento unificado
na maior metrópole do país, ele trazia Dugin de volta ao Brasil, reunia intelectuais e acadêmicos, além de boa parte dos principais personagens da nossa história, e trazia duas novidades
que, cada uma a seu modo, alteraram a dimensão e o cenário do Tradicionalismo
político. A primeira delas era a vinda de Alain Soral ao Brasil, fazendo com que um lobby de sionistas levasse a polícia às portas do Encontro, história em que
tive participação indireta, conforme vou esclarecer. A segunda, era a presença de
Flávia Virgína ao lado de Alexander Dugin. No próximo texto, a Era dos
Evolianos atinge seu ápice, quando então origina novos desdobramentos na Dissidência.
Duas imagens distintas de minha atuação no período: um vídeo criticando o politicamente correto da esquerda progressista, e a participação em movimento grevista |
meu olhar...
Apesar de participando sempre dos círculos de debates Tradicionalistas, não estive presencialmente a nenhum Evoliano, com exceção do evento unificado realizado em São Paulo, em 2014, de que vou tratar na Parte seguinte desta História. Foram três os motivos desta ausência: 1) problemas pessoais, inclusive um certo estrangulamento na renda, já que na época terminei um longo relacionamento, iniciei outro, casei e fui morar de aluguel; 2) aversão a contatos sociais; 3) dedicação a outras atividades de cunho religioso e também político. É verdade também que dei alguma contribuição para este momento da vida do Tradicionalismo Político, ajudando em cotas para eventos, na propaganda ideológica, traduções etc. Esta contribuição é reputada como importante por pessoas que considero centrais neste período, ainda que na minha própria opinião eu não tenha exercido papel central na organização direta dos Evolianos.
Minha presença nas redes era bem conhecida, tanto no Facebook, quanto no Formspring e Aks.fm. Também era bastante conhecida minha divulgação ininterrupta da Igreja Ortodoxa, e a tendência de marcar uma diferenciação entre os ensinamentos da Igreja e os autores Tradicionalistas [cheguei a frequentar uma Escola de Teologia à época]. O que não se conhece tanto é minha atuação nas ruas nesse período. Tive participação ativa na base de todas as greves de professores da rede estadual e municipal do Rio de Janeiro entre 2009 e 2014, apesar do meu sempiterno repúdio ao Sindicato de professores do Rio [Sepe]. Aliás, eu e minha mulher começamos a namorar em meio a uma greve contra Sérgio Cabral, em 2011.
Politicamente, eu adotava posições marcadas por certo conservadorismo moral, forte adesão ao Trabalhismo, e críticas ferrenhas ao que eu qualificava de "esquerda pós-pós" e "paulistocentrismo", querendo me referir, no primeiro caso, à esquerda progressista e liberal, e no segundo caso ao establishment político-partidário, midiático e econômico mobilizado a partir da principal metrópole do país. Era igualmente óbvio meu radicalismo contra qualquer religiosidade que eu não considerasse tradicionalista. Em todo caso, eu era, sob o meu próprio olhar, um cristão ortodoxo trabalhista e Tradicionalista, estudioso da Quarta Teoria Política, e com uma retórica explícita e fortemente antiliberal, além de contrária ao mundo secular e Moderno.
Da esquerda para a direita: Alex Sugamosto, Ewerton Alípio, Luiz Campos e André Luiz dos Reis |
[1] Militante do grupo Nova Resistência.
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