"As idéias do prof. Duguin são uma síntese complexa dos seguintes elementos: o marxismo-leninismo-stalinismo, a geopolítica de Halford J. Mackinder e Karl Haushoffer, o messianismo russo de Aleksei Khomiakov, Nicolai Danilevski, Fiodor Dostoiévski e Vladimir Soloviev, o islamismo, o esoterismo de René Guénon e Julius Evola, bem como o pensamento “revolucionário conservador” (protonazista) de Moeller van den Bruck e Edgar Julius Jung. Existe alguém, nos meios jornalísticos e acadêmicos deste país, que conheça todas essas áreas do pensamento pelo menos o suficiente para entender do que o prof. Duguin está falando? Não existia em 2003, não existia em 2011 e não existe agora."
Olavo de Carvalho, abril de 2014
Nos textos anteriores, descrevi
como a Era dos Evolianos emergiu de anos de interações em redes sociais, com papel de destaque para a
singular articulação ocorrida na comunidade de Orkut Olavo de Carvalho do B,
cujos membros tiveram papel crucial na ideia e execução do primeiro Evento,
organizado por Dídimo Matos na Paraíba. A partir do fim de 2010, no entanto, a Dubê foi eclipsada por outros círculos,
que levaram para outro nível o debate sobre os temas Tradicionalistas.
As trocas nas redes permaneceram importantes, mas se deslocaram para o Formspring, o Ask.fm, o Facebook, e a produção de vídeos no Youtube, enquanto o Orkut propriamente dito se esvanecia gradualmente. O fenômeno dos blogs também permaneceu poderoso, mas o dinamismo da Dissidência se encontrava no espaço acadêmico, o que ampliou enormemente o espaço de divulgação do Tradicionalismo, e acelerou o contato entre os estudantes deste tipo de esoterismo. A Era do Evolianos levou também a uma intensa atividade editorial que teve como marco a publicação, pelo IRGET, de Revolta contra o Mundo Moderno, de Julius Evola.
O “centro gravitacional” da
Dissidência neste período foi Dídimo Matos, verdadeira ponte entre Dugin e a Academia, editor de livros e, a partir de 2012, representante
oficial do Centro de Estudos
Conservadores da Universidade Estadual de Moscou e do Instituto Millenivm, da Itália. Estudante da UFPA e depois da USP,
Dídimo transpôs o Tradicionalismo e o Eurasianismo para as Universidades, e
estabeleceu ligações entre esoteristas dispersos
pelo Brasil, vinculando-os também a grupos estrangeiros. Não foi criada uma
organização que abrigasse todos estes interessados, e a tentativa de criar um Instituto Evola no Encontro Evoliano de 2010 não foi adiante. Mas alguns dos que
estavam em contato com Dídimo criaram núcleos estáveis, como o Grupo Austral, sobre o qual voltarei a
tratar muito em breve. E outros frutos surgiram com o tempo, como o Cristão Gibelino me contou em conversa
mês passado:
“E aí, dentre esse grupo grande, com muitas pessoas muito boas, de muito
destaque, muito interessadas, como você próprio, né, André Luiz? O Uriel, de
Brasília. E muitas outras pessoas que contribuíram de diversas maneiras. Mas a
gente nunca conseguiu formar um movimento único, consolidado, né? Entretanto,
surgiram daí coisas como estas editoras, movimentos políticos, e depois de
2014, que foi o último Encontro Evoliano, que inclusive trouxe o Alain Soral,
da França, pro Brasil; e trouxe o Dugin, reunindo os dois aqui no Brasil. Além
do pessoal da Itália, o André Virga, que era do grupo da Evrasia, lá da Itália.
Então, a gente acabou reunindo várias pessoas, de vários lugares do mundo, né?
Teve contato com o Flávio Gonçalves, que era de Portugal. A gente, inclusive,
fez uma revista internacional de Geopolítica. Ele lançou lá livro do Dugin...a
gente fez o trabalho de tradução de livros que foram lançados simultaneamente
aqui e lá, dentre outras coisas.”
Dídimo Matos trabalhando em casa, em 2011. Durante quatro anos, ele se tornou o principal eixo articulador do Tradicionalismo no país, e ponte entre estudantes brasileiros e europeus. |
Vou contar esta fase de
desenvolvimento da Dissidência Tradicionalista por partes. Nesse texto, foco no
impacto do anúncio do debate entre Dugin e Olavo de Carvalho. Os organizadores
eram bastante ativos nas rodas de debates Tradicionalistas, e frequentadores
assíduos da Dubê. Mas não só, eles se
conheciam também da comunidade René Guénon
e Tradição, moderada pelo já citado Malê Ibrahim, e outros fóruns com
temáticas próximas às do “filósofo da Virgínia”. Mais importante ainda, eram
amigos que conversavam por aplicativos de trocas de mensagens. Vamos a Giuliano
Morais e Ricardo Almeida.
6.1
Giuliano e Ricardo
Giuliano era uma das mais
importantes vozes sobre Tradicionalismo nas rodas que se formaram no Orkut. E continuou a sê-lo em outros
sites, depois que aquela rede foi abandonada. Frequentou por um ano paróquia da Jurisdição Grega da Igreja Ortodoxa, em Brasília, e esteve próximo da conversão, mas durante
os anos áureos da Olavo de Carvalho do B
concluiu que não era o seu caminho. Chegou a se aproximar teoricamente do Islã. Mas depois adentrou formalmente a organização Vishva Hindu Parishad, fundada pelo Swami Chinmayananda, e foi iniciado na Índia nas tradições Kaula e no Shri Vidya, e hoje pratica a religião shakta. Amplo conhecedor da obra de
Guénon, tornou-se referência nos estudos de Vedanta, e esteve na vanguarda das exposições do Shaiva Tantra nos grupos que
frequentávamos. Nunca teve envolvimento em política, suas preocupações eram
metafísicas, esotéricas e espirituais.
Diferente de Giuliano, o “Baiano”, como alguns o conhecem, enveredou pela militância política nos anos que se seguiram, e se tornou figura de destaque no MBL. Nascido em família com forte influência do Exército -- “Meu avô foi capitão do Exército na época do regime, é uma família muito hierárquica e conservadora, as pessoas são naturalmente conservadoras na minha família”, diz --, conheceu Guénon de modo incomum:
“Meu contato com o Guénon
se deu num trabalho de escola. Pra você ver que coisa engraçada. Eu estava lá
na sexta, sétima série, uma coisa assim. E tinha um trabalho sobre religiões,
uma coisa simples. Nessa época a internet estava aparecendo na minha casa. E aí
fiz a pesquisa. “O hinduísmo!” Pronto, achei. E aí eu achei uns trechos
traduzidos de um tal de René Guénon, que eu não tinha a menor ideia de quem
era, falando do sistema de castas. E eu li aquilo...como eu disse, eu sempre
tive uma mentalidade muito hierárquica, porque minha família é muito
hierárquica, mas muito, muito mesmo. Então, foi engraçado, porque eu li aquele
negócio, e disse, “uai, isso aqui é minha mentalidade”. Houve uma identificação
automática com ele escrevendo sobre o sistema de castas. E fiquei muito
fascinado. E aí achei aquele site, né? O Textos
Tradicionais [1], né, um site bem velho, que depois sumiu. E eu chegava da
escola e ficava lendo aquele negócio.”
Mergulhado em leituras clássicas e em filosofia desde a infância, Ricardo chegou a Olavo de Carvalho por meio de uma edição de obra de Otto Maria Carpeaux |
Dedicado à vida intelectual desde
cedo – “Eu não tive aquela
fase de leituras infanto-juvenis, sabe? Eu aprendi a ler e já fui ler coisas
adultas. Assim, com 8 ou 9 anos eu estava lendo romances adultos, clássicos.
Então, eu tinha uma vida intelectual desde criança”--,
soube de Olavo de Carvalho na adolescência, em um momento em que conhecia a
obra de Otto Maria Carpeaux, no início dos anos 2000. Ao procurar mais
informações na Internet, descobriu que Olavo também era leitor de Guénon:
“O Carpeaux escrevia com muita elegância. Eu fiquei muito impressionado e disse, "não, eu quero ler esse cara aí". Eu devia ter uns 13, 14 anos, muito novo. [...] E aí nesse processo encontrei o tomo dos Ensaios Reunidos que tinha saído pela Topbooks. E esse livro tinha um prefácio do Olavo de Carvalho. Até então eu não conhecia o Olavo de Carvalho. A minha cultura é uma cultura literária, filosófica, e não tinha nada a ver com Olavo de Carvalho, direita brasileira. Não conhecia essas coisas. Eu, desde sempre, tive uma antipatia pela esquerda. Minha família tem um envolvimento com o Exército forte. [...] Eu ouvia os professores quando era guri, achava tudo aquilo uma grande merda, não gostava daquela porra! Mas eu não tinha contato, não conhecia o Olavo. E aí li o Carpeaux, tinha lá o prefácio do Olavo, muito bom, aliás uma das melhores coisas que ele escreveu na vida. E fiquei muito impressionado. Porra! “Uai, esse cara tem alguma coisa!” Fiquei muito impressionado.[...] E aí fui atrás do Olavo na internet, topei com o site dele, o Sapientia, e comecei a ler os textos todos, vários e vários artigos. Li um monte de coisa dele no período, li os livros, o Mídia sem Máscara. [...] E descobri depois, no site do Olavo, que o Olavo gostava do René Guénon. E aí eu disse, “esse cara é foda, vou ler tudo desse cara aí”. E foi assim que eu comecei a acompanhar o Olavo. E fui acompanhando, acompanhando, acompanhando. Eu nunca tive um sentimento anti-americano, porque como eu falei, o discurso de esquerda era impermeável a mim. Minha família não era de esquerda, absolutamente nada a ver. [...] Eu entrei na oficial, inicialmente, na comunidade do Olavo mesmo. Aí surgiu a Olavo de Carvalho do B. Entrei na Olavo de Carvalho do B. E ficava debatendo muito. No período eu gostava...você lembra disso, né? Eu gostava muito de debater. Então ficava debatendo horas a fio no Orkut, falando daqueles temas todos. E tinha em relação à política, à religião, os temas principais da minha vida, basicamente as mesmas opiniões que eu tenho hoje. Não mudei muita coisa. O que fiz foi ler mais coisas e ampliar um pouco do meu horizonte. Mas fundamentalmente, eu tenho as mesmas crenças. Por exemplo, eu estou lendo agora René Guénon, depois de ter passado um tempo enorme seu ler, tipo, quase uns vinte anos sem ler Guénon...E parece que eu li ontem.”
Pouco depois, por volta de 2007, Ricardo começou a praticar uma via tradicional, o Budismo Vajrayana, da linha do Mestre Tibetano Chagdud Tulku Rinpoche, logo após se encontrar com a Lama Sherab Drolma, que visitava Salvador então: “Eu tinha bastante interesse em budismo na época. Mas levou muito tempo para me darem uma iniciação e tal. A coisa foi...eu namorava uma mulher que era budista, vinte anos mais velha do que eu, e era budista já há muito tempo. Cheguei a conhecer a Ani Zamba Chozom, também da linha do Chagdug [2]. E foi esse o meu contato com o Dharma no período. E desde então nunca mais. Passou-se algum tempo e eu entrei na tariqat.”
Em meados de 2012, o linguajar utilizado por Ricardo Almeida no Facebook já era típico de um muçulmano |
Ricardo não lembra a data exata de sua
‘reversão’ ao Islã. Concedeu entrevista em 2009 em que já não se apresentava
mais como budista, e sim como Tradicionalista: “Em termos de religião, eu sigo uma vertente muito estranha pra maior
parte das pessoas, que é o tradicionalismo, chefiado por René Guénon, Frithjof
Schuon… Basicamente, o tradicionalismo é uma teoria de explicação das religiões
que parte da ideia de que o que unifica todas as tradições é a base metafísica
comum.” [3] Mas em 2012 já falava como muçulmano em publicações no Facebook: “Eu não lembro exatamente a data, por
incrível que pareça”, conta, “mas lembro
o processo. Basicamente, vi duas palestras do muqaddam da tariqat [4]. E
na segunda ele me convidou para um almoço com os discípulos. Daí aconteceram
umas coisas muito estranhas, sabe? Previsões e clarividências esquisitas. E eu
disse, “uai, tem um negócio aí importante”, e aí entrei. E fiquei fazendo as
práticas esotéricas durante um tempo, e aí fiz a reversão mesma da shari’a. E eu lembro que eu tinha uma
certa resistência a fazer a reversão, porque a shari’a é uma lei pesada pra gente. Eu ficava pensando, “Vixe Maria,
Jesus! (Risos) Vou entrar nesse negócio e minha vida vai ficar um pouco
disciplinada demais e tal”. E foi o que aconteceu. Fiz a reversão, entrei, comecei
a seguir as coisas, e hoje tô aí, né? Um muçulmano meia boca, mas estamos com a
luz de Deus, espero eu.”
6.2 O debate
A
ideia do debate nasceu quase que com um chiste em conversa entre Ricardo e
Giuliano no MSN. Decidiram entrar em
contato com Olavo e Dugin e promover o encontro, estabeleceram as regras e criaram
um blog para publicação dos artigos: “Foi
muito casual, na verdade, quase uma piada.
Estávamos conversando sobre questões gerais. Eu sou bem amigo do
Giuliano, desse pessoal aí do Orkut é a pessoa mais próxima, e já era na época.
Daí a gente pensou que eles poderiam debater, dado que tinham tantas coisas em
comum. A ideia pareceu meio doida, mas resolvemos fazer. Giuliano foi atrás do
contato do Dugin. Bem acessível, pareceu. Daí imaginamos o formato exato, do
que parecia fazer sentido nessa estrutura.”
A iniciativa repercutiu e gerou bastante expectativa nas rodas Tradicionalistas, especialmente na Dubê. O que começou como uma brincadeira ganhou ares sérios, a tal ponto que o próprio Olavo de Carvalho sentiu a pressão e, semanas depois de ter aceitado o desafio, criticou com veemência os organizadores, alegando que sua vida estaria em risco por causa dos supostos vínculos entre Dugin e a “KGB”. O filósofo desconfiava que Ricardo Almeida e Giuliano estivessem envolvidos em algum complô que o eliminaria fisicamente, ou, pelo menos, assassinaria sua reputação.
Na
comunidade “para-oficial” eram publicados postagens no seguinte tom: “Esse debate com certeza abrirá de vez o
território brasileiro para as intervenções russas, e isto já está acontecendo!
Estes organizadores fizeram isto sem pensar nas conseqüências diversas... Foram
manipulados pela oratória esquerdista e agora não tem resposta sequer que
encubra esta verdade! repito eles foram manipulados e agora estão sem ter como
retroceder a parada em uma explicação plausível e segura das conseqüências que
há de vir contra o professor Olavo de Carvalho! Pois empurrar um homem de
alma pura onde só existe demônios, é praticamente um julgamento de morte!
Espero que nada de mal possa acontecer ao professor, se for ter debate é bom,
com tanto que não condene a vida do rapaz!”
As
“olavetes” citavam também Gilberto Múcio como prova de alguma conspiração sinistra.
Múcio morava na Rússia, país em que cursava Medicina, mas tinha linha
ideológica trotskysta e pró-americana, passando muito longe de apoiar o
Nacional-Bolchevismo de Dugin. Ateu e materialista, ele
tampouco tinha a ver com o Tradicionalismo.
As reclamações de Olavo foram muito mal recebidas na Olavo de Carvalho do B, consideradas um estratagema para tirar o corpo fora antes que fosse tarde. Mas poderia ser também uma mera tática do filósofo para valorizar sua participação na contenda, se saísse ou não bem na dita cuja. De certo modo, a imagem de um Olavo de Carvalho enfrentando não um oponente intelectual, mas a encarnação da “KGB” e do próprio Estado russo, funcionou entre seus seguidores, foi explorada em meio ao debate, e ganhou terreno na imaginação de parte considerável de seus discípulos ao longo do tempo. O que não significa que Olavo estivesse mentindo sobre seus medos. De todo modo, coube a Ricardo acalmar o escritor: “Lembro que quando Olavo começou a encher a paciência, Giuliano ficou agoniado. Queria que eu ficasse muito antenado, mas eu estava no ritmo baiano (risos). O fato é que tive uma longa troca de e-mail, apaziguei o cidadão e concluímos o debate. Depois o Grimaldo entrou em contato e pediu pra fazer o livro.”
Diferente
de grande parte das expectativas criadas no início, Olavo não apenas sobreviveu
como pareceu aos olhos de seu público ter se saído muito bem no debate. Na
conclusão do enfrentamento, o filósofo fazia questão de mostrar que estava se
deliciando. Se Olavo tinha ou não razão em fazer uma dancinha da vitória é outra
questão, que tratei minuciosamente em outro espaço [5]. Mas ainda que não tenha
convencido os “duginistas” nem parte considerável dos Tradicionalistas que
acompanharam a discussão, Olavo causou boa impressão naqueles que o
seguiam, reforçando seus laços sectários. Sílvio Grimaldo entrou em contato com Giuliano e Ricardo, e publicou o
confronto em livro, que foi inclusive vendido em Eventos Evolianos.
Apesar
de insistir ter reduzido as ideias do russo a pó, a paranoia de Olavo
quanto às circunstâncias do debate não se esgotou em 2011. Três anos depois, o filósofo publicou artigos no Diário do Comércio denunciando uma
ampla coalizão de forças, que com participação de centenas de acadêmicos, e
financiada pelas agências de inteligência da Rússia, estariam promovendo o
Duginismo no Brasil. Uma lista de nomes com supostos agentes de influência da
“KGB” começou a circular em meios “olavetes”, em um arremedo de “macarthismo” levado
adiante por alguns alunos do filósofo. [Era muito comum que pedissem
para que cristãos “denunciassem” a presença de “duginistas” às autoridades religiosas, alegando que o russo era nada mais que um satanista
excomungado pela Igreja Ortodoxa [6]]. Não era surpresa que Dídimo Matos ou
Rodolfo S. Souza aparecessem na paranoica lista. Mas os nomes de Giuliano Morais e
Ricardo Almeida também entraram na roda. O próprio Giuliano divulgou
nota, repercutida por mim e por outros, desafiando a narrativa de Olavo:
“O Olavo está claramente forjando a criação
de uma “História do Duguinismo” [...]. No entanto, a “História do Duguinismo”
do Brasil, pelo menos até a ocasião do debate, era algo meramente acidental e
coincidente. [...] Pode ser que após o debate, e após a vinda de Dugin ao
Brasil, a história tenha tomado outros rumos e as conexões se estabelecido
estruturalmente. No entanto, eu sei quem trouxe o Dugin ao Brasil (Dídimo
Matos), sei o contexto, e sei dos mirrados grupos (pelo menos ainda) sem
relevância política que o “segue” e é notório que, além do fato de que mantenho
relações cordiais com algumas pessoas envolvidas, não tenho relações
ideológicas com nada disso. [...] Nem eu nem o Ricardo estivemos presentes nos
tais eventos posteriores promovidos por ocasião dos Encontros Evolianos (esses sim, um marco fundamental e não citado
na cronologia objetivo do “fenômeno” e que nenhuma relação teve com o debate).
[...] O Olavo sabe que não sou duguinista e nem o Ricardo é. Essas questões
foram todas debatidas por e-mail. Inclusive, ele pediu desculpas publicamente
por ter declarado também publicamente que eu e o Ricardo Almeida tínhamos
conspirado contra ele (Na ocasião inclusive errou por outro lado, dizendo que
tanto eu e o Ricardo éramos, ao invés de duguinistas, “alunos” dele, o que não
é fato tampouco, ao menos no meu caso). O único dado factual substancial do
artigo, no sentido da constituição de uma cronologia da presença do Dugin no
Brasil, seria o debate em si, e esse dado não é retratado corretamente, mas de
forma distorcida convenientemente. Um indivíduo se diz um pensador que é dócil
aos fatos, que é um “contemplador amoroso” da objetividade e faz tudo o contrário.
Pega os fatos e impõe sua coerência à força para que eles façam sentido.”
A nota de Giuliano Morais foi publicada no Facebook por diversos amigos. O próprio Dídimo Matos a levou para o perfil de Olavo de Carvalho, dando início a uma discussão com o Filósofo da Virgínia |
A troca de farpas entre Olavo e outros Tradicionalistas começou na Olavo de Carvalho do B, conforme expliquei na Parte IV [7]. Caio Rossi, que havia saído do Orkut, pedia a Uriel Araujo que publicasse respostas a Olavo na Dubê durante a publicação de réplicas e tréplicas do debate. Começava um trabalho conjunto entre Rossi e os irmãos Velasco que revelaria, em 2014, dentre outras coisas, o passado muçulmano que Olavo fazia tanta questão em negar. As informações levaram o Filósofo a processar Rossi, mas também a uma teoria neurótica que desbordou para as acusações em torno do debate [8]. Olavo também não se furtou a discutir publicamente com Dídimo Matos em postagens do Facebook, acusando-o de trabalhar ingenuamente e de graça para a “KGB”.
Para além da crescente inimizade e rivalidade entre grupos Tradicionalistas olavetes e supotamente anti-olavetes, convém comentar alguns pontos da nota de Giuliano Morais. Segundo ele entendia: 1) O marco fundamental do crescimento do “duginismo” foram os Encontros Evolianos, o que parece estar fundamentalmente correto, desde que se inclua a Dubê na gestação dos eventos; 2) Dugin foi trazido ao Brasil por Dídimo Matos, o que faz justiça ao papel central do Cristão Gibelino na difusão do Tradicionalismo, do Eurasianismo e na conexão dos interessados nestes temas na primeira metade da década passada; 3) Os grupos "duginistas" eram ainda pequenos e irrelevantes politicamente. A afirmação era adequada aos dados que Giuliano tinha em 2014. Como veremos, nenhuma organização vinculada ao pensamento do russo chegou a ter mais que duas centenas de membros nos anos que se seguiram à Era dos Evolianos [9]. Mas Olavo não estava totalmente destituído de razão ao apontar a importância dos debates sobre o Eurasianismo na Academia. Por certo, ele exagerava enormemente os números de professores universitários e estudantes de pós-gradução envolvidos com o pensamento Tradicionalista e a Geopolítica de Dugin. Mas a circulação formal destas ideias e a profusão de livros provaria ter efeito fundamental no desenvolvimento da Dissidência Tradicionalista no Brasil. Não custa frisar uma vez mais a origem, digamos, brâmane deste processo.
Igualmente, Olavo era malicioso ao sugerir um financiamento da “KGB” por trás dos Evolianos, mas havia um fundo
de verdade na afirmação de que Dugin não era só um professor desinteressado, como o próprio Olavo faria
questão de ressaltar no início do debate. O russo era um defensor dos interesses políticos de
seu país, algo que ele não escondia tampouco. O que o “Filósofo
da Virgínia” não falava, nem esclarecia, no entanto, era sobre seu papel nada
desinteressado na defesa das posições pró-americanas, uma defesa realizada a partir da Virgínia. Como agente de influência de uma potência do Norte Global, Olavo não
estava tão distante assim do russo quanto tentava aparentar.
É fato também que nem Giuliano nem Ricardo eram “duginistas”. Mas os laços dos Tradicionalistas no Brasil permitiam entrecruzamentos que tornavam complexos os novelos da História. Houve “alunos” do Olavo que se envolveram com os Evolianos. E o próprio Ricardo cogitou participar de alguns eventos. Mas há tramas ainda mais curiosas, como veremos.
6.3 O Centro de Estudos Conservadores
Diferente
de Cesar Ranquetat e Marco Vinícius Monteiro, mais próximos ao pensamento de
Olavo de Carvalho e que palestraram em Evolianos,
Ricardo Almeida nunca chegou a participar de nenhum dos Encontros: “Os Congressos
Evolianos, confesso que nunca tive grande interesse. Tinha um ou dois que
eu queria ir, mas acabou que não coloquei energia suficiente pra ir e tal.
[...] Tinha o Dídimo também que organizava. Mas eu sempre via aquilo como uma
coisa um pouco distante da minha orientação.”
O
“Baiano” foi um dos fundadores de um Grupo de Estudos Conservadores criado na Universidade Federal da Bahia quando começou
a cursar Filosofia na instituição [Ricardo tem Mestrado em Filosofia da Mente].
O grupo lhe possibilitou conhecer diversas pessoas da direita baiana. Foi
também uma ponte para que, anos mais tarde, entrasse em contato com o MBL. Na
época, Ricardo participava do blog Acarajé
Conservador, que contava com Pedro Ravazzano entre seus integrantes, também
estudioso Tradicionalista que frequentava fóruns do Orkut, e que seria ordenado padre católico-romano.
“Eu conheci um menino que fazia História, o
Vinícius, e este Vinícius estava com a ideia de fundar um grupo de estudos
conservadores na UFBA, sem
pretensões politicas nem nada. [E no período, você bem sabe, essa coisa da
direita era um ‘ovo’, era um negócio assim minúsculo, não se conhecia ninguém.
Nós sabíamos que não iríamos fazer nada político na universidade, não teria
nenhuma condição de fazer isso. E a gente de repente se reúne, em quatro
pessoas no início...quatro, não, cinco. Eu, o Vinícius, o Fabrício, o Marcelo e
o Fernando. [...]E a gente ficava se reunindo semanalmente, quinzenalmente. E
aí o grupo começou a crescer, começou a atrair outras pessoas. Conheci a gente
da TFP, católicos, olavetes de outras denominações [protestantes]. O próprio
Malê Ibrahim frequentou o grupo durante
um período. E aí tínhamos esse grupo, e isso ficou vários anos. Durante um
certo tempo, tivemos neste grupo o Pedro Ravazzano, que você deve lembrar assim
muito vagamente, um baiano, católico. Criamos um blog, o Acarajé Conservador.
Que a gente devia postar e tal (risos), mas eu escrevia muito poucos textos.
Até hoje eu tenho muita preguiça de escrever um texto que não seja, sabe, com
um objetivo específico. E aí a gente tinha esse blog, fazia as coisas.
Passaram-se vários anos.”
O Blog Acarajé Conservador tinha vínculos com um circuito de estudos conservadores que conectou a direita da Bahia, e que depois foi importante para a entrada de Ricardo Almeida no MBL |
Voltaremos
a falar da trajetória de Ricardo Almeida, inclusive de suas opiniões sobre o
Tradicionalismo político e da militância conservadora e pró-EUA. Em linhas
gerais, ele mantém as mesmas posições da época em que debatia nas redes sociais
[Em entrevista publicada no Acarajé
Conservador, Ricardo definia assim o Conservadorismo: “Conservadorismo é,
basicamente, uma vertente política que toma a existência da tradição como um
dado positivo. Agora, você tem uma variabilidade muito grande: há conservadores
de vertente monarquista, outros são conservadores “liberais”. Todas as
vertentes partem da idéia de que se deve reportar a essa tradição, porque ela
possui um conhecimento, uma sabedoria que transcende os indivíduos e pode ser
acolhida como um cabedal de informações importantes”].
Almeida afirma que sua atuação se vincula diretamente ao que compreende e
vivencia no Islã, confirmando assim as diversas possibilidades de atuação
Tradicionalista no âmbito estritamente político.
Nesta altura de nossa História, porém, cabe
enfatizar um dos partícipes do Grupo de
Estudos citado por Ricardo: “Este
Fernando tem uma coisa bem interessante a respeito dos Congressos Evolianos. [...] Talvez você tenha visto ele. Era um
menino branco, meio gordinho e tal, se chamava Fernando. E ele era
neopagão, e gostava muito dessas coisas de paganismo! Ele já naquela época lia
Evola e tudo mais. E ele sim foi a um ou dois Congressos Evolianos.”
Era mais do que isto. Fernando Fidalgo fez parte do “círculo interno” do Grupo Austral, cujos membros ajudaram a organizar três Encontros Evolianos. É hora de nos debruçarmos sobre os eventos de 2011 e 2012, e dos meandros da primeira vinda de Dugin ao Brasil, que segundo Giuliano Morais alteraram substancialmente o nível de circulação de ideias do Tradicionalismo político no nosso país.
Capítulo do livro "A Rainha do Meio-Dia", com uma análise sobre diversos elementos do famoso debate entre Olavo e Dugin |
ERRATA: Fiz algumas retificações sobre o caminho espiritual de Giuliano, que não chegou a se converter à Ortodoxia, embora tenha divulgado a religião positivamente nas redes sociais, segundo ele próprio gentilmente me corrigiu.
________________________________
[1] O site disponibilizava centenas de obras dos autores Tradicionalistas, quase sempre em espanhol. Curiosamente, um dos autores mais ausentes no acervo era Julius Evola
[2] Inglesa que viveu na Índia, onde foi iniciada em diversas linhagens tibetanas, Chozom mais tarde fixou moradia no Brasil.
[3] Entrevista do Acarajé Conservador à Revista Lupa [clique no link.]
[4] Representante de uma tariqat sufi, autorizado a auxiliar os discípulos em nome do Sheykh
[5] Analisei o debate em capítulo do livro "A Rainha do Meio-Dia. Ensaios sobre a cultura brasileira e outros temas", lançado Frente Sol da Pátria este mês.
[6] Tratei deste tema no post Das mentiras que olavetes contam [clique no link.]
[7] Olavo chegou a denunciar alguns partícipes da Dubê de fazerem parte de uma tariqat que controlaria todas as paróquias ortodoxas do Brasil. Fazia parte de sua tese de que o Perenialismo era uma conspiração para islamizar o Ocidente, conforme já expliquei. Meu nome foi citado junto a de outros Tradicionalistas em um dos programas de rádio de Olavo: Infiltração Tradicionalista na Igreja Católica e na Igreja Ortodoxa [Clique no link.]
[8] Neste texto, aponto algumas das sutilezas por trás das denúncias de Olavo de Carvalho e da polêmica com Caio Rossi e os Irmãos Velasco: A Conspiração mundial da KGB contra Olavo de Carvalho, ou: atirem meu 'masbaha' em um rio da Virgínia [clique no link]
[9] Não se deve confundir os Encontros Evolianos com eventos "duginianos", nem mesmo em termos estritamente acadêmicos ou geopolíticos [o Meridionalismo, do professor André Roberto Martin, da USP, certamente não é um "eurasianismo", por exemplo]. Como vimos, havia intensa participação de Tradicionalistas de outras vertentes, inclusive daqueles mais próximos a Olavo. O livro com o debate entre Olavo e Dugin foi lançado e vendido nestes eventos, como falarei no próximo texto. Muitos Tradicionalistas, inclusive, nada tinham a ver com esta disputa.
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