quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Ícaro Alves Leal e o cheiro de mofo analítico, ou: a QTP não cabe em fôrma restritas

 




Está rolando um artigo de Ícaro Leal Alves sobre a QTP. O artigo busca uma análise séria a partir de um paradigma marxista-leninista, que consideramos limitado.


Tão limitado que nada mais faz senão repetir jargões retirados daquela fôrma marxista ortodoxa que não comporta realidade nenhuma e acaba fazendo com que seus defensores acabem como cegos dando com a cara na parede, pra parafrasear Raul Seixas.


Para começar, o autor diz que reduzimos ''toda a história'' a uma sucessão de universais [liberalismo, comunismo, fascismo] sem notarmos o teor de classe por trás deles.


Essa alegação está equivocada em diversos níveis. Primeiro que essas três teorias não comportam a história toda, mas somente o desenvolvimento do mundo moderno/contemporâneo, a marcha do que chamamos de Ocidente. Segundo, não abordamos o mundo criado pelo Ocidente sem levar em conta os aspectos materiais da existência, o nascimento da sociedade de classes e a luta entre Trabalho e Capital.


Vamos deixar claro de uma vez: Sim, concordamos com a existência da luta de classes, de mecanismos de expropriação e alienação capitalista, e com a existência de uma dominação cultural, ideológica e econômica da burguesia.


O que não concordamos é que este seja o ''motor da história'', nem o fundamento por meio do qual todos os povos do mundo podem vir a ser libertados da opressão em que foram aprisionados pelo surgimento e pela marcha do Ocidente [cuja face vitoriosa é liberal, burguesa e capitalista].


Não somos materialistas, não somos marxistas. Mas os aspectos materiais da produção e distribuição de bens e os conflitos sociais fazem parte de nossa abordagem.


Outro equívoco monumental, e que também é uma contradição do artigo, se dá quando expõe a posição de Savin sobre o fascismo, o compara com o sujeito político da QTP, e mesmo percebendo que são diferentes, conclui que a proposta de Dugin se trata de um 'neofascismo'.


Ora, o fascismo se fundamenta em uma identidade nacional homogênea que se configura por meio de um Estado Nacional chauvinista. A QTP critica os fundamentos dessa teoria, e se Ícaro Leal Alves pretende de fato analisar as distinções nessas propostas não pode simplesmente varrer a óbvia diferença para debaixo do tapete, passando a sinonimizar ''povo'' com ''raça'' ou ''Estado''. 


A QTP coloca no núcleo de sua reflexão as identidades comunitárias, orgânicas, que se expressam por diversos modos de ser e por um imaginário. É a partir dessas identidades que se pode compreender, inclusive, as necessidades e as perspectivas econômicas adequadas das populações, sem cair na fôrma abstrata defendida por muitos marxistas ao longo dos últimos séculos, e que levou diversos países à catástrofe.


Não adianta falar em ''luta de classes'' quanto tudo o que se pretende é entregar todos os frutos do trabalho nas mãos de uma casta burocrática encravada em um aparato estatal superdimensionado e sufocante de toda a vida cultural, intelectual e orgânica da população. Ou Ícaro vai negar, acriticamente, que este foi um dos problemas concretos existentes nas experiências marxistas? Se a construção do socialismo prescinde das comunidades em que existimos, produzimos e vivemos, então estamos falando de espoliação, e não de libertação dos povos. 

Para vinho novo, odres novos. Ícaro Alves tenta encaixar em uma visão restrita uma teoria que é muito mais abrangente e complexa


O autor parece também ter repulsa à palavra etnia: mas povo não é sinônimo de etnia na QTP, para começar. E o conceito de ''etnia'' é um dos elementos chaves de toda a antropologia, não se confundindo inclusive com o de raça. O autor troca os pés pelas mãos em sua crítica. Chega a dizer que 'trocar o Estado pelo Povo' é um sintoma de ''neofascismo'', o que não posso encarar senão como piada, ainda mais vindo de um autodeclarado ''materialista''.


Não se mostrando capaz de tecer uma crítica direta a conceitos da QPT, o artigo finge que Povo significa Estado. Trata-se de uma distorção intencional do autor, uma ''mentirinha'', que compromete seu texto e inclusive sua honestidade intelectual.


De resto, a QTP entende muito bem a dinâmica do capitalismo financeiro, e se posiciona de modo anti-burguês. Quem não consegue teorizar ou analisar os verdadeiros desafios econômicos, políticos, culturais e geopolíticos de nosso tempo é justamente o marxismo-leninismo ''ortodoxo'', criado para pensar outro tempo, e derrotado nos embates da História.


A análise de Ícaro Alves, infelizmente, cheira a mofo. Hoje em dia, nem os aspectos econômicos do Imperialismotraz problemas exatamente iguais àqueles enfrentados por Lênin. O autor precisa urgentemente atualizar sua própria visão de marxismo antes de pensar em refutar teorias mais abrangentes, como as de Savin, Dugin e NR.



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