quinta-feira, 4 de junho de 2020

O PDT QUE COSPE NA MEMÓRIA DE GETÚLIO, ou: a estratégia que causa vergonha alheia



Postagem do PDN Nacional cita características getulistas como exemplos de ''fascismo'' e não percebem que boa pare do que foi ''denunciado'' faz parte de uma cultura política legitimamente brasileira e popular
O PDT fez uma postagem elencando seis características que permitiriam reconhecer Bozó como fascista. Trata-se de verdadeiro tiro pela culatra e desprezo pela história do próprio partido.

A primeira característica seria um suposto discurso racialista do [des]governo. Lamento informar, mas os exemplos dados de piadinhas politicamente incorretas de natureza racista não são a mesma coisa que racialismo.

O discurso de Bozó é RACISTA de fato, nos termos em que a Quarta Teoria Política aponta. Não por causa de piadinhas, mas de visões fundamentais que orientam a perspectiva bozólouca. Quando Weintraub declara ódio aos ''povos indígenas'' porque só há um povo em nosso território, o ''brasileiro'', sem qualquer sutileza, distinção ou especificidades, está sendo efetivamente racista. Está caindo no mesmo erro de Getúlio Vargas, a quem o PDT remete a sua fundação.

O erro consiste em acreditar que no Brasil há uma etnia homogênea que corresponde à brasilidade e que está presente de Oiapoque ao Chuí. Foi baseado nessa crença racista que Vargas perseguiu comunidades alemãs no sul do país e não teve força pra alterar a política indigenista assimilacionista que norteou durante muito tempo o Estado brasileiro. A própria imposição de uma ideologia da mestiçagem em termos físicos é eminentemente racista, porque parte do princípio de que um não mestiço não pode ser brasileiro nem participar da brasilidade.

Se racismo é suficiente para apontar o fascismo, Getúlio, que impôs cotas para imigrantes, reduziu a entrada de estrangeiros, impediu o desembarque de judeus etc., seria muito mais racista que Bozó, que faz piadinhas de português e japonês.

Mas o racismo é um princípio basilar da Modernidade, não apenas do fascismo. Ele está presente em toda ideologia devedora do iluminismo, já que é indissociável do progressismo. Uma prova disso é que a República Velha, fortemente marcada pelo ideologia liberal, era fortemente racista. Oswaldo Aranha, grande aliado de Getúlio, acreditava em ''embranquecimento do Brasil'' pelo menos até o fim dos anos 1930. A sociedade norte-americana, de forte matriz liberal, é racista ao extremo, e não apenas contra pretos. O racismo é um elemento estruturante da falida sociedade ianque.

A modernidade é racista porque hierarquiza os povos segundo seus princípios etnocêntricos retirados da experiência histórica do Ocidente. Quem não participa desses dogmas e formas sociais é considerado ''primitivo'', ''bárbaro'', ''atrasado'', e portanto passível de ''reeducação''. Para o liberal, civilização é sinônimo de Ocidente. Assim, o racismo não é suficiente para delimitar alguém como fascista, pois servia tanto a Churchill quanto a Hitler.

A NR é anti-racista por princípio, e por isso mesmo nega o fascismo, o socialismo e também o liberalismo, considerando este último o racismo triunfante de nosso tempo.

A Era Vargas realizava uma propaganda oficial da imagem do Presidente. O personalismo, por sua vez, faz parte da tradição política não só do PDT quanto do Brasil. 

A segunda característica citada pela postagem do PDT Nacional seria o Culto ao Líder. Como os sequazes dos bozós gritam 'mito, mito!' babando na gravata, então seriam ''fascistas''. Mais uma vez se trata de um tiro no pé dado por um partido que se diz fundado por Getúlio. O imortal Presidente incentivou, a partir do DIP, um culto à sua personalidade.

O Trabalhismo se fundamentou nessa ligação direta entre o líder e sua massa, que muitos teóricos do populismo confundem erroneamente com demagogia. O personalismo foi uma marca não apenas de Vargas mas de seus herdeiros. Brizola, por exemplo, era um líder personalista, uma estrela em torno da qual girava o PDT.

De todo modo, o culto ao líder está longe de ser um elemento típico do fascismo. Ele existiu em países comunistas, que tem inclusive seu panteão de mártires. Tanto no Brasil, com o heroico Prestes e a mártir Olga, como no âmbito internacional: Trotsky, Stalin, Fidel, Che Guevara, Mao etc. foram, todos eles, líderes personalistas cuja figura atinge uma dimensão mitológica para determinados grupos.

Se estendermos nosso olhar, percebemos que o personalismo é atacado, principalmente, pelo liberalismo, que abraça fanaticamente a impessoalidade de mecanismos procedimentais como solução para a vida social. Fora da ideologia liberal, há uma tendência generalizada pela ênfase na relação pessoal dentro de um arcabouço cultural que oriente as crenças e práticas da comunidade.

O povo brasileiro é forjado em uma cultura política fortemente personalista. Confiamos mais em pessoas do que em instituições liberais tais como partidos políticos. As instituições em que nosso povo mais confia são aquelas que se organizam em torno de fundamentações pré-modernas, como o Exército e as Igrejas.

Como nosso povo também faz piadinha de japonês e é personalista, o PDT deve estar dizendo que o Brasil é fascista. O PDT está se propondo a combater o povo brasileiro?

A terceira característica seria o ultra-nacionalismo, uma menção que não deixa de ser engraçada por duas razões. A primeira é que Bozó é um dos presidentes mais entreguistas de nossa Historia. Ele bate continência para secretários de segundo escalão dos Estados Unidos, país pelo qual tem completa e explícita devoção. A Primeira Dama se emocionou quando se viu frente a frente com o Premier de Israel, a quem ela dá uma dimensão escatológica. Não há no governo atual nenhum traço de qualquer nacionalismo, a não ser uma propaganda superficial que visa polarizar com o ''comunismo''.

O mais destacado presidente nacionalista da República brasileira foi o fundador do trabalhismo, Getúlio Vargas. Não há qualquer comparação entre o nacionalismo de Bozó e aquele propugnado pelos revolucionários de 1930 e 1937. A Carta-Testamento de Getúlio é uma ode ao nacionalismo, sua política cultural era fortemente patriótica.

De modo que, mais uma vez, um item citado pela postagem cabe muito mais a Vargas que a Bozó. Dá a entender que, se Getúlio estivesse vivo hoje, o PDT cuspiria nele.

O quarto elemento é uma suposta ''exaltação à masculinidade'', que o autor das imagens retirou de algumas frases machistas do mentecapto-mor. Mas existe maior exaltação à masculinidade do que ser considerado um caudilho, como se faziam perceber Getúlio e Brizola? Do que dizer que ''constituições são como virgens'', frase atribuída por muitos ao Imortal Presidente?

A postagem do PDT tem medo de discursos que valorizem a virilidade. Curioso para um partido marcado por líderes caudilhistas da fronteira gaúcha.


As frases de Bozó não deveriam sequer ser consideradas uma exaltação à masculinidade, que é de toda necessária, já que não existe problema algum com a virilidade. Trata-se, antes de tudo, de depreciação da feminilidade, uma característica onipresente em qualquer movimento moderno, inclusive no feminista anti-essencialista, que pensa que mulheres tem de se comportar como homens burgueses para se sentirem cidadãs plenas.

De todo modo, esse tipo de preconceito contra a feminilidade transcende as fronteiras ideológicas e é herdeira da perspectiva burguesa liberal da mulher como uma dona de casa de mentalidade infantil e alma angélica, típica da era vitoriana. A inferiorização da mulher por Bozó lembra valores reacionários da sociedade liberal ianque dos anos 1950, não o fascismo.

Em quinto lugar está o anti-iluminismo, essa sim uma característica forte no fascismo. Mas não há nenhuma sistematização ou orientação explicitamente anti-iluminista no Reino dos Bozós. Assim como as piadinhas politicamente incorretas ou o discurso pseudo-patriótico em meio a um entreguismo generalizado, o anti-iluminismo de Jair se resume a apelos a uma base eleitoral religiosa e à relativização do discurso técnico-cientificista.

Os revolucionários de 1930 tomando o poder pela força e amarrando seus cavalos em Obelisco no Rio de Janeiro. Getúlio se orgulharia em seu Diário de ter subido ao Catete como Ditador. O Imortal Presidente possuía uma alma marcial.

Se essas posturas do mentecapto-mor são suficientes para caracterizá-lo como ''anti-iluminista'', o que dizer então de Getúlio Vargas? O Estado Novo possuía ideólogos que explicitamente afirmavam na Revista "Cultura Política'' que o país deveria se erguer em cima da alma nacional, que só poderia ser encontrada no ''inconsciente do povo'', não na razão. O discurso estadonovista era fortemente anti-liberal, denunciando essa ideologia por seus valores universais incompatíveis com a especificidade do inconsciente brasileiro. O PDT Nacional deveria reler o que escreviam Azevedo Amaral e Almir de Andrade em veículos semi-oficiais da Era Vargas.

Fernando Callage, outro ideólogo estadonovista, identificava a revolução de Getúlio com o estabelecimento de uma democracia social, acrescentando que as bases desse regime eram a cristianização da sociedade e a Doutrina Social da Igreja Católica -- conceito que estava plenamente presente em discursos de Getúlio. Trocentas vezes menos iluminista que qualquer coisa que se veja no Reino dos Bozós.

Antes que alguém cite as influências positivistas em Getúlio, cabe lembrar que elas também estão presentes na formação militar de Bozó e na de generais do atual [des]governo. Além disso, o positivismo também teve larga influência na emergência de fascismos europeus.

Parece que essa postagem do PDT Nacional não passa de uma auto-flagelação. O único motivo para que ela exista é o ódio do partido à sua própria história e ao seu fundador. Ou então, quem a produziu não é pedetista de fato. Parece o Lula se rindo de Brizola quando o caudilho o apresentou a Vargas no túmulo do Presidente em São Borja. Ou alguém duvida dos tons místicos messiânicos e cristãos da Carta-Testamento de Getúlio?

Por último, o autor da peça identifica fascismo em Bozó pelo desejo de retorno a um ''passado idílico''. Naquele jeito de forçar a barra pra fazer a realidade atual caber na “denúncia”, se sugere que o paraíso perdido dos bozóloucos seria o regime civil-militar.

Ora, o mesmo poderia ser dito do desejo trabalhista de retornar a uma era desenvolvimentista de estímulo à industrialização e de ampliação dos direitos sociais. Se a década de 1970 causa alguma saudade nos bozóloucos, é inevitável concluir que a Era Vargas também gera o mesmo tipo de sentimento em getulistas. Todos eles tem a Revolução de 1930 como momento mítico e as políticas e orientações estipuladas naquele período como modelos a serem ‘’redescobertos’’ e recuperados.

O imaginário brasileiro é profundamente marcado pelo sebastianismo, pela metafísica da saudade e pela busca do Paraíso Perdido. 

Mais uma vez, essas pessoas deveriam voltar os olhos para os ideólogos da Era Vargas, que afirmavam que sua revolução possuía caráter restaurador, não para repetir o passado, mas para se vincular de novo à alma popular. Esse conceito tem teor muito mais fortemente fascista do que o reacionarismo estéril de Bozó, já que o passado só se repete como farsa. Todo fascismo entendia revolução como restauração de certos princípios nacionais quebrados pela sociedade liberal.

Por fim, a saudade daquilo que foi perdido não é característica exclusiva do fascismo. O povo brasileiro está permeado por um imaginário da saudade: nossas artes todas a proclamam. Todos queremos recuperar a Guajupiá, que está não no passado, mas no futuro. Por isso caminhamos para ela, assim como os navegantes portugueses buscavam através dos Oceanos o Reino do Preste João, a Ilha de São Brandão e o Éden. Ou como os africanos escravizados sabiam que teriam de recriar seu mundo após sobreviverem à dor da travessia de Calunga grande. Somos todos fiéis aguardando e promovendo o desencantamento dessa terra, quando participaremos do Retorno de Dom Sebastião.

Quem criou essa postagem do PDT Nacional provou que nada tem de getulista. Todos as características que foram associadas ao fascismo cabem ao Pai do Trabalhismo, não a Bozó. E já que o autor se vê como um guerreiro anti-fascista, não resta nenhuma outra conclusão possível senão considera-lo um inimigo da herança de Vargas.

Pior ainda, ele mal entende o povo brasileiro e seu imaginário. Com essa postura pequeno-burguesa, falando para um público de DCE de universidade, cujo tempo mítico está não no sebastianismo nem na Terra Sem Mal tupi e sim na Guerra Civil Espanhola, eles não vão conquistar um só voto de quem realmente interessa, as classes populares.

Diferente do autor da postagem, nós brasileiros temos sim uma mentalidade mágica, somos nacionalistas, valorizamos a virilidade, colocamos relações pessoas acima do procedimentalismo, somos messiânicos, e temos uma crônica e insaciável saudade daquilo que ainda não vivemos.

O movimento que pode reivindicar a herança de Getúlio, levando-a para o século XXI, é o Nova Resistência.

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