''Chegou, chegou.
Chegou com Deus.
Chegou, Chegou.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas.''
Ponto do Caboclo das Sete Encruzilhados, em sua primeira manifestação em 15 de novembro de 1908
"Se querem saber meu nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim."
Caboclo das Sete Encruzilhadas
No Congresso Nacional do Nova Resistência, fiz uma exposição em que defendi que há dois pilares mais gerais de constituição do Brasil.
O primeiro pilar é o da mestiçagem -- que se deu em diversos graus,
raciais e culturais -- entre três raízes: a portuguesa, a indígena e a
africana. Essas ''raízes'' são como as gunas da matéria prima na metafísica
hindu, são tendências da argamassa fundamental de nossa gente, vetores cuja
mistura formaram a base de sustentação da brasilidade.
Os principais pensadores e explicadores do Brasil tinham consciência da
potência dessa mescla mas a valoravam de modo distinto. Uns a lamentavam,
outros tentavam conter seus ''efeitos deletérios'', outros tantos pensavam que
uns componentes dessa mescla eram bacanas e outros horrendos.
Houve aqueles, claro, que viram que essa mescla não era ruim, e sim a
constituição de um ''povo novo'', diferente de todos os que antes já haviam
existido, e destinado a formar uma grande civilização. Essa é basicamente a
ordem de ideias de Darcy Ribeiro: da aculturação de portugueses, indígenas e
africanos em meio à mestiçagem e à violência do processo colonial se forjou um
vazio que foi o berço do brasileiro.
Nem Darcy, desconfio, estava plenamente consciente da profundidade
dessas considerações.
Mas um outro tema importante em alguns desses pensadores era o de
definir qual dos vetores, tendências ou elementos dessa matéria prima serviu de
ponto de equilíbrio da ''fervura'', ou ponto de fundamentação para a formação
da brasilidade.
Eu não fico em cima de muro: mais uma vez como Darcy Ribeiro, e um pouco
como Capistrano de Abreu e Manoel Bonfim, eu penso que esse ponto de equilíbrio
das ''gunas'' das matéria prima brasileira é dada pela cultura indígena.
Isso não significa, como alguns podem pensar, em menosprezar as origens
lusitanas ou africanas, porque sem elas nem se falaria de uma matéria prima
como base de formação de um povo específico.
E isso também não significa que depois dessa mistureba toda sejamos, no
fim, indígenas, porque é óbvio que não somos. Somos é ''indianizados'',
''americanizados''. Os indígenas não precisavam de maiores adaptações para
viver na América, como não precisam ainda hoje em dia. Os outros povos que aqui
chegaram sim precisavam aprender e adotar as adaptações indígenas. O que tem a
ver com o papel exercido pela terra, que no caso é a América, na conformação
dos povos.
Talvez, melhor do que dizer ''indianização'' seja falar de
''acaboclamento'', já me apropriando de um conceito de Luiz Antônio Simas em outra situação e amplitude. O ponto médio ou eixo de equilíbrio dessa
mescla original foi acaboclamento. A brasilidade é, em algum grau, cabocla no sentido de incorporação existencial das deidades da terra.
[isso me faz pensar em alguns movimentos gaúchos que pensam que não são
brasileiros. Como não, se os pampas são acaboclados?]
O segundo pilar de modelação do Brasil é sócio-institucional. E aí
falamos do papel das instituições portuguesas, principalmente do Estado
Imperial, ou então do peso da Igreja Católica ou do sistema escravista.
Assim como as raízes étnicas, todas essas instituições foram
determinantes na modelação do nosso país, umas com maior ou menor força. O
Estado, por exemplo, foi estabelecido de cima para baixo por uma elite que
olhava para fora do país e não se percebia como parte da América do Sul. O que
não significa que o Estado, por inteiro, não tenha nada a ver com o imaginário
do povo que as elites negavam.
No entanto, estou do lado aqueles que consideram que a instituição mais
determinante na formação do Brasil foi o escravismo. Se existe um elemento que
podemos considerar deletério, uma herança do passado que é, no fundo,
extremamente presente, e que macula e obstaculiza a realização plena das
potencialidades da nossa Pátria, ela é a escravidão.
Gilberto Freyre percebeu intensamente esta questão, embora eu discorde dele em diversos outros
pontos. Florestan Fernandes, com quem tenho também sérias divergências, também
estava correto quanto à sobrecarga da escravatura. E Jessé Sousa, mais recentemente, acertou em cheio ao
dizer que o berço do Brasil [talvez não o berço, mas com certeza o principal
processo dinamizador das formações institucionais] não estava em Portugal [nem
na cultura, nem nas instituições lusitanas], mas no sistema escravista.
O escravismo brasileiro é anti-tradicional, construído em
torno de determinado sistema-mundo comercial primeiro centrado em torno de
Amsterdã e depois de Londres. Ele é que forjou uma elite litorânea que olha
para fora e não se sente parte do povo brasileiro. Os traidores que escolheram
não ser parte do nosso país, e sim elos do processo de espoliação a que se
referia Brizola.
Somos caboclos lutando por independência e liberdade.
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