Certamente você já ouviu o nonsense de que o Flamengo não dá ''sorte'' para a Seleção Brasileira. Nesta série sobre os maiores da História d'O Mais Querido, apresentados por posição e em ordem cronológica, refuto também essa "acusação" dos adversários. Tivemos a primeira dupla de zaga da história do escrete, o primeiro capitão/treinador. O primeiro artilheiro em Copas. Por duas vezes seguidas jogadores do Flamengo se destacaram como os melhores da Copa. Hoje, vamos falar de dois campeões mundiais: os imortais Zagallo e Joel, partícipes da Copa de 1958 [Mundial em que o Flamengo foi o clube que mais forneceu jogadores]. Além disso, esses dois pontas marcaram época no futebol carioca e no Maracanã, tomando parte do Rolo Compressor dos anos 1950, cuja fama se tornou internacional. De quebra, apresento dois textos que escrevi em homenagem a Zagallo e que foram publicados noutros locais.
3) ZAGALLO, A “FORMIGUINHA” [1950/58]
"Não havia dúvidas daquela vez", escreveu Glanville, "de que o melhor time tinha vencido". Feola* disse que a chave para o sucesso tinha sido o papel de Zagallo, oferecendo equilíbrio ao brilhantismo anárquico de Garrincha. Inicialmente um atacante que jogava por dentro, Zagallo se converteu em ponta porque percebeu que era sua única chance de atuar pela seleção, e mostrou-se o jogador ideal para a função de avançar e recuar continuamente pelo lado esquerdo do campo." Jonathan Wilson sobre a Copa de 1958, "A Pirâmide Invertida"
*Vicente Feola, técnico da seleção
A história de Mário Jorge Lobo Zagallo e de seu famoso número 13 se confundem com boa parte das conquistas da seleção brasileira e da Era de Ouro do nosso futebol. Ele estava plenamente justificado quando dizia ser uma lenda vida, que no mundo todo só uma pessoa era capaz de ostentar quatro Copas do Mundo, ele próprio. Mas a trajetória do Velho Lobo está inextrincavelmente ligada também ao Mais Querido do Brasil, e a camisa preta e encarnada bate fundo no peito desse gênio. Nascido em Maceió e criado no Rio desde criança, Zagallo vem da elite. Sua família era dona de um fábrica de tecidos. O garoto teve de convencer o pai que não tinha nada demais treinar nas divisões de base do América. Na época, o futebol já tinha perdido o charme burguês e se tornado efetivamente popular, e mais do que popular, um esporte profundamente nacional.
Logo mudou de clube, indo para os juvenis do Flamengo, e então mudou de posição. O meia-esquerda se aproveitou de uma contusão do titular Esquerdinha para tornar sua a ponta.
Habilidoso e disciplinado taticamente – característica que lhe valeu o apelido de “Formiguinha”, já que trabalhava para a equipe --, rapidamente assumiu a titular do famoso ataque que se tornou “dono do Maracanã” e que foi inteiro para a equipe canarinho.
Zagallo não queria sair do Flamengo depois da Copa da Suécia. Mas, dono de seu passe, preferiu ir para o ascendente Botafogo, se tornando parte de uma das maiores equipes do século passado, e na qual se aposentou em 1965.
[Mas a história dele com O Mais Querido não terminou por aí. Foi técnico do clube em três ocasiões, e em todas elas abocanhou algum título. O mais marcante, talvez, o do tricampeonato carioca em 2001, aquele mesmo do gol do Pet, em que se debulhou em lágrimas com um terço e uma imagem de São Judas Tadeu em mãos.]
A relação da Formiguinha com a seleção é tão umbilical que trabalhou como segurança na final da Copa de 1950, vendo toda a tragédia do gramado. Sua estrela o levou à Copa, em 1958, já que Canhoteiro foi cortado por medo de avião, e Pepe sofreu um estiramento muscular. Bicampeão no Chile, foi o pivô da criação do 4-3-3, abandonando a ponta para marcar no meio campo, como em seus tempos iniciais de meia-esquerda.
Depois de aposentado, Zagallo se tornou um técnico de sucesso. Liderou o Brasil em três Mundiais, incluindo a mítica seleção de 1970. Tem também uma final, em 1998, e um quarto lugar, em 1974. Era coordenador da seleção de 1994, tetracampeã do mundo nos EUA. Impossível ser mais vitorioso.
O Velho Lobo nunca admitiria em público, já que tem estátua em sua homenagem em General Severiano. Mas aposto que seu coração é rubro-negro. Suas lágrimas e títulos do Flamengo são genuínas e transcendem a questão profissional. A ida ao Maracanã para ver o time de Jorge Jesus, em 1994, tampouco é fruto de curiosidade em cima do trabalho do português. Ele não diria nunca, mas Zagallo era Mengão.
Como jogador, suas principais conquistas são os Cariocas de 1953/54/55. Como treinador, venceu as Taças Guanabara de 72/73, 84 e 2001, o Torneio do Povo de 1972, os Cariocas de 1972 e 2001, a Taça Sesquicentenário da Independência [1972], e a Copa dos Campeões em 2001.
* Quando do falecimento de Zagallo, no início desse ano, escrevi um texto em sua homenagem, publicado noutros locais, mas que reproduzo no fim dessa postagem. É acompanhado de um segundo texto, também meu, e escrito cinco meses antes do adormecimento do Velho Lobo.
4) JOEL [1951/58; 1961/63]
Um colega de infância do bairro em que moro, e que no início dos anos 1990 treinou por um tempo nos juvenis do Flamengo, me disse certa feita que os treinadores apresentaram os meninos a um velhinho de bengala, dizendo: “Esse é o Seu Joel, e ele colocou o Garrincha no banco”. O idoso era Joel Antônio Martins, carioca que foi profissionalizado pelo Botafogo em 1948, mas que era rubro-negro de coração e mudou de clube em 1951 – uma das históricas batalhas por atletas entre a Gávea e General Severiano, que tiveram em Leônidas da Silva e William Arão outros capítulos marcantes.
Ponta driblador e com um fantástico cruzamento, Joel deu o toque final no ataque do Rolo Compressor, que se tornaria lendário no Brasil e fora dele, com inúmeras taças conquistadas em torneios internacionais, como o Internacional de Lima, o Troféu Juan Domingo Perón, o Torneio Internacional do Morumbi, o Octogonal da Argentina e outros.
Seus principais feitos, no entanto, são os cariocas de 1953/54/55 e 1963, e o Torneio Rio São Paulo de 1961. Joel é também o 16º jogador que mais defendeu o Manto Sagrado, com mais de 410 partidas pelo rubro-negro; e também o 18º maior artilheiro d’O Mais Querido, com 116 gols.
Chegou à seleção em 1957, e fez parte do elenco que levantou a Copa do Mundo de 1958. Foi titular nas duas primeiras partidas. Afinal, ele deixou mesmo Mané no banco. Depois do Mundial, foi vendido para o Valencia, da Espanha, só retornando ao Flamengo em 1961.
Joel é um dos grandes patrimônios da Gávea, um apaixonado que dizia em entrevistas, “Joguei no Flamengo, que mais posso querer da vida?”
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Por André Luiz dos Reis
Publicado originalmente em 06 de janeiro de 2024 em Sol da Pátria [clique]
Um ano depois de perder Pelé, o Brasil se despede de Mário Jorge Lobo Zagallo. Espero, sinceramente, que a grande mídia lhe preste em morte todas as devidas homenagens que parte ruidosa dela teimavam em contestar durante a carreira dessa lenda brasileira.
Zagallo foi um gênio. Em campo, foi responsável pelo azeite do escrete de ouro, o mítico time que nos deu o primeiro título mundial. Vicente Feola, técnico da seleção de 1958, declarou que Zagallo foi a verdadeira chave do sucesso da equipe.
Não contente em revolucionar o futebol em campo, o velho Lobo também o fez como técnico. A esquerda sempre tentou retirar os méritos dele em relação à seleção de 1970. Preferia atribuir a montagem da equipe a João Saldanha, comunista de carteirinha. Trata-se de uma das maiores falsidades da história do esporte, uma narrativa abjeta que só podia mesmo sair da pena e da voz de representantes da mídia corporativa do nosso país, uma das mais desonestas que existem.
A verdade é que, enquanto Saldanha buscava jogar num insosso e comum esquema dos anos 1960, e ainda inventava mentiras para tentar tirar Pelé do time titular e quiçá da seleção, Zagallo criou novidades estrondosas cujos desenvolvimentos táticos ainda repercutiam nesse século: transformar volante em zagueiro pra ganhar na saída de bola, pontas que atuavam por dentro como meias, falso nove e o escambau. O resultado foi o recital mais fenomenal, o time mais poderoso, aniquilador, original e belo de que já se teve notícia, ainda mais mais lendário porque as partidas foram transmitidas por TV para países de todos os continentes.
Se a seleção de 1970 consolidou a imagem do futebol brasileiro como a quintessência da genialidade, do improviso, da técnica e da vanguarda, a carreira de Zagallo em clubes não foi menos desprovida de vitórias. Ganhou títulos importantes à frente dos grandes do Rio de Janeiro, e também no exterior, em uma época em que o Brasil exportava treinadores.
E, ainda assim, o mais marcante de sua trajetória talvez não esteja em nada disso. E sim em sua figura nacionalista, agarrada em lágrimas à camisa da seleção ["a amarelinha!", como a chamava], proclamando para os quatro ventos que ela era superior aos céus e à terra. Esse patriotismo inflamado, que desaguava em um dos maiores símbolos populares, a seleção, se abraçava a um misticismo genuinamente nosso. O emotivo Zagallo cultivava a imagem de homem favorecido pela forças do além. Ele era querido pelos deuses, o homem do número 13, da sorte, do imponderável, que comemorava títulos abraçado a figas e a imagens de santos.
Zagallo é como o Brasil: um narciso apaixonado que crê, de modo inabalável, na própria grandeza, no próprio destino, e é competente o suficiente para materializá-lo em conquistas que ele próprio proclama dos telhados com festa, barulho e desafio. O falecimento de Zagallo torna o Brasil um pouco menos brasileiro.
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Por André Luiz dos Reis
Acordo e vejo Zagallo nos topics. Tremo pensando no pior. Mas é só uma horda criticando o velho lobo por ter brigado com o meia Giovanni, que atuou no Santos em meados dos anos 1990.
Cresci ouvindo horrores de Zagallo. A grande mídia o detestava, e muitos populares repetiam os jargões vindos do rádio e TV. Depois dos anos 1990, a moda foi falar mal do Pelé: que Pelé não derrubou a ditadura; que Pelé não acabou com o racismo; que Pelé não reconheceu uma filha;que Pelé não militou a favor dos gays; que Pelé não era socialista como Maradona.
Nelson Rodrigues já tinha identificado esse viés na alma brasileira. O de certa ingratidão, como ele chamou em distante artigo publicado em 1959. Não sei se é bem ingratidão, mais parece uma reação impulsiva do vira-latismo inoculado na nossa mentalidade, e que sempre emerge pra negar mérito aos nossos heróis.
Voltando a Zagallo, diziam que ele era ''retranqueiro''. Foi a imagem que ficou, com o péssimo desempenho da seleção na Copa de 1974, quando marcamos apenas 6 gols em 7 partidas [metade deles na risível seleção do Zaire]. A mídia corporativa [corporativismo em mais de um sentido aqui] gostava de atribuir a seleção de 1970 ao grande parceiro João Saldanha.
Um absurdo completo: quando assumiu a seleção, Zagallo mudou não só a convocação, mas a escalação e, principalmente, o esquema. Saldanha, sim, era biruta: queria barrar Pelé, e pra isso inventou que o Rei do Futebol estava ficando ''cego'', tinha um problema ''de vista''. Não custa dizer que Pelé foi eleito o melhor jogador da Copa de 1970.
Foi Zagallo quem decidiu escalar Wilson Piazza de quarto-zagueiro. Meio século depois, diversos técnicos europeus acharam bonito escalar volantes na zaga pra melhorar a saída de bola. O Lobo também decidiu escalar Jairzinho e Rivelino nas pontas. Praticamente inventou o 'meia-ponta', que não jogava aberto nas extremas, mas caía pro entrelinhas [Jairzinho era ponta de lança de origem, Rivelino era meia armador]. Tostão foi a primeira versão de falso nove da história. Uma criação bastante original, em vez de fazê-lo disputar posição com Pelé, o escalou jogando como pivô na frente da área e caindo para os lados. Tostão era ponta de lança de origem e não tinha corpo algum pra trombar com zagueiros na área. Mas sua posição permitia a entrada em facão de Jairzinho, que acabou marcando gols em todos os jogos da Copa, algo nunca mais igualado. Essa manobra se tornou comum na Europa quarenta anos depois da seleção de 1970.
Quando fez tudo isto, Zagallo já era considerado um gênio, já tinha deixado seu nome na História. Era um ponta esquerda habilidoso mas não especial. O que tinha de singular era a inteligência tática. Ele recuava para acompanhar os meias adversários, e acabava se tornando um terceiro homem de meio campo. Foi sua atuação nos gramados que criou DE FATO o 4-3-3.
Então, anotem aí: Zagallo criou o 4-3-3 como jogador, e criou uma penca de novidades significativas na espetacular seleção de 1970, não por acaso considerada pela maioria dos analistas como a maior já montada.
Mas a mídia corporativa preferia dizer que o cérebro da seleção de 1970 era Gérson, que nunca foi treinador de nada na vida. Ou Saldanha, o ''gênio'' que queria barrar Pelé. Riam de Zagallo quando ele dizia em 1998 estar inventando um novo sistema tático, o 4-3-1-2. Mas é porque não entendiam que era justamente esta a discussão vigente então na Europa, a ressurreição do ponta-de-lança.
Zagallo é o único homem a levantar quatro Copas do Mundo. É um ícone vivo, um monumento da nação, uma glória do país. Sempre foi ufanista, como o povo é ufanista.
Mas estão discutindo sua briga com Giovanni, como se houvesse qualquer comparação possível ou imaginável entre os dois nomes. Giovanni quem?
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Ponteiros/Atacantes:
Meia-Atacantes:
Meia-Armadores:
Volantes:
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