DEFINIÇÃO
Essa posição, cujo significado parece bem óbvio para um brasileiro, também precisa de alguns esclarecimentos, que vão acabar por ajudar no entendimento das mudanças táticas ocorridas no futebol brazuca das últimas décadas.
As funções do típico Ponta de Lança se consolidaram com o WM à brasileira, implementado por Flávio Costa no Flamengo em 1938 a partir de modificações no sistema estabelecido, também na Gávea, pelo treinador húngaro Izidor Kurschner [chamado pela imprensa brasileira de Dori Kruschner].
Antes do WM imperava o 2-3-5, conhecido também como “Pirâmide”. O novo esquema atrasava um dos ‘centro-médios’ pra zaga, transformando o desenho em um 3-2-5, ou, de modo mais preciso, num 3-2-2-3 [três beques, dois centro-médios, dois meias, e três atacantes].
O gênio intuitivo de Flávio Costa, no entanto, deixou a rigidez europeia de lado e “entortou” o WM, inventando a Diagonal, um meio-caminho para o 4-2-4, e que dominaria o futebol brasileiro por mais de quinze anos.
A Diagonal funcionava da seguinte maneira: se no WM tradicional se recuava o centro-médio “central” para a primeira linha de defesa, que passava a contar com três zagueiros; no esquema de Flávio Costa, quem voltava em primeiro lugar era um dos centro-médios dos lados do campo [que mais tarde se tornariam os “laterais direito e esquerdo”]. Podia ser o centro-médio da direita [lateral direito] ou da esquerda [lateral esquerdo].
Foi criada uma “cultura futebolística” a partir dessas inovações. A numeração das camisas [de 1 a 11] obedecia a posição dos jogadores em campo. Na pirâmide [2-3-5], o número 1 pertencia ao goleiro. A camisa número 2 era entregue ao beque à direita, e a 3 ao beque à esquerda. A camisa 4 ia para o centro-médio à direita [futuro lateral direito], a 5 para o centro-médio central, e a 6 para o centro-médio à esquerda. Assim sucessivamente, da direita para a esquerda, até a camisa número 11 dada ao atacante que se posicionava na ponteira esquerda.
Já no novo sistema, a Diagonal, se o centro-médio posicionado na linha de zaga [3-2-5] fosse o “lateral direito”, ele recebia a camisa número 2. Os beques recebiam a 3 e a 4. Depois, na nova “linha média”, o centro-médio central ficava com a 5 e o centro-médio à esquerda [o “lateral esquerdo”] recebia a 6.
Essa numeração defensiva se cristalizou nas mentes e corações brazucas depois da consolidação do 4-2-4, nos anos 1950, mas tinha variações quando do nascimento da Diagonal. Porque se o centro-médio recuado pra linha de defesa fosse o da esquerda, ele recebia a camisa 3 e o “lateral direito” permanecia mais avançado com a 4.
Mas isso não explica ainda a inovação e a consolidação do Ponta de Lança. O esquema era “torto” no meio também. Se o centro-médio por um dos lados [direito ou esquerdo] voltava para a linha de defesa [se o direito, voltava com a camisa número 2; se o esquerdo, voltava com a camisa número 3], ele formava uma linha [Diagonal, daí o nome do sistema] com o centro-médio central e um dos meias, que ficava mais avançando e se tornava o armador da equipe. Se a diagonal começasse na direita, o meia armador ganhava a camisa 10. Se começasse na esquerda, ele ganhava a camisa 8.
O outro meia se tornava um atacante um pouco atrás do centroavante. O ponta de lança, que se infiltrava na área como uma flecha vinda de trás. Se abstrairmos os ponteiros, esse meia se tornava um segundo atacante pelo centro vindo um pouco mais atrás do homem de área, e entrando em diagonal seja da direita ou da esquerda [dependendo do tracejado da Diagonal].
Dependendo da Diagonal, ele jogaria com a 8, como Tostão no Cruzeiro, ou com a 10, como Pelé no Santos. Mais tarde, com o sucesso de Pelé e a consolidação do 4-2-4, a organização das camisas na organização ofensiva se faria de outra maneira.
Com o 4-2-4, a diferença entre o meia armador, que cadenciava e ditava o ritmo de jogo no meio campo, e o ponta de lança, que jogava próximo da área como um segundo avante [um avante atrás do centroavante], se firmaria definitivamente. Mas aqui é necessário fazer uma outra série de considerações.
As mudanças táticas nos anos 1980 e 1990 formaram quadrados no meio campo e puseram fim aos ponteiros [ponta-direita e ponta esquerda]. O fim dos pontas foi acompanhado também de esvanecimento da posição de centroavante típico e a formação da última grande revolução do futebol brasileiro, a criação do Atacante [que estou grifando com maiúscula pra diferenciar do conceito mais genérico].
O Atacante total não era ponteiro nem era centroavante, era um atleta que vinha em diagonal para o meio da área, jogava pelos lados, e se infiltrava para decidir o lance. Zagallo chamava o Atacante brasileiro dos anos 1980 e 1990 de Ponta de Lança. Está correto, porque o Ponta de Lança é, em muitos aspectos, o modelo ou protótipo desse Atacante total ou “Comandante de Ataque”.
Mas era um ponta de lança especial. Primeiro, porque ele se dava em uma nova disposição tática, com quadrados no meio campo. Segundo, ele não matou definitivamente a posição e função clássica de ponta de lança/meia-atacante [o meia que joga mais próximo da área], que conviveu comumente com ele; e sim a função de ponteiro [ponta direita e ponta esquerda].
Mesmo quando o novo Atacante [ou ponta de lança dos anos 1980 e 1990, segundo Zagallo] era um ponta de lança original [pensem em Bebeto, Rivaldo, Edílson “Capetinha”, Ronaldinho Gaúcho no Flamengo de Luxemburgo etc.] – e muitos eram ex-ponteiros, como Romário, Renato Gaúcho, Edmundo, Muller etc. --, ainda assim, a posição que morreu taticamente foi a de ponta direita e esquerda.
Não é à toa que, quando os ponteiros ressuscitaram na Europa nos anos 2000, com a adoção do 4-2-3-1, o Atacante começou a desaparecer e toda uma geração brasileira preparada pra essa função teve dificuldade de se adaptar às novas configurações, já que não eram formados pra ser nem centroavantes nem ponteiros.
Vou colocar Ponteiros e Atacantes [nesse sentido de ponta-de-lança dos anos 1990, ou Atacante total, ou ainda ‘Comando de Ataque’] juntos na próxima seção, e não com o Ponta de Lança tradicional, também chamado de Meia-Atacante, aquele Meia que joga mais próximo da área, se infiltrando nela como um centroavante.
Vamos então à lista de maiores Pontas de Lança/Meia Atacantes da História d’O Mais Querido.
Perácio foi o primeiro Ponta de Lança típico a marcar época não só na Gávea como no futebol brasileiro. Mineiro de Villa Nova, teve passagens relâmpagos pelo Fluminense e pelo Palestra Itália [atual Palmeiras] antes de se tornar jogador do Botafogo, em 1937, apenas aos 20 anos de idade.
Atuações magistrais o levaram direto pra seleção brasileira, em que teve atuação destacada na Copa do Mundo de 1938, marcando gols contra Tchecoslováquia e Suécia.
O sucesso não fez bem ao garoto, que se tornou um “baladeiro” no Rio, inventando mil desculpas para faltar aos treinamentos em General Severiano. O negócio de Perácio eram as noitadas. A perda do Carioca para o Flamengo, em 1939, manchou de vez sua reputação no alvi-negro, e foi questão de tempo até que tivesse seu contrato rescindido.
Em baixa, Perácio atuou em 1941 pelo Canto do Rio, recuperando sua forma e voltando a ser cobiçado por grandes clubes. No ano seguinte, estava na Gávea, pra fazer parte de um dos grandes esquadrões da história d’O Mais Querido, ao lado de Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia, Jayme, Biguá, Volante e outros.
No Flamengo, Perácio jogava na Diagonal, o WM inventado por Flávio Costa, e se consolidou como o primeiro grande Meia-Atacante do clube. Teve importância inestimável na conquistados campeonatos de 1942 e 1943, e só não participou inteiramente da campanha do tri porque foi convocado para a Segunda Guerra Mundial. Na Itália, foi motorista do General Cordeiro de Farias e esteve próximo às tropas que combateram em Monte Castelo.
Voltou ao Flamengo em 1945. O time perdeu o domínio do Rio para o então ascendente Expresso da Vitória vascaíno, mas Perácio continuou brilhando até a temporada seguinte, em que foi artilheiro do Carioca.
Seu prestígio n’O Mais Querido só foi abalado em 1947, pelas constantes festas e pela idade que chegava. O Flamengo contratou Jair da Rosa Pinto, e Perácio teve o contrato rescindido.
Figura folclórica, repleta de historietas deliciosas divulgadas por Mário Filho, Perácio se tornou chofer em São Paulo até fazer um último jogo de despedida do Flamengo em 1951.
Fez 97 gols em 123 partidas defendendo o Manto Sagrado, uma excepcional média de 0.79 tentos por jogo, que o leva a ocupar a 23ª posição como maior artilheiro da história d’O Mais Querido. Suas maiores conquistas sãos os Cariocas de 1942/43/44.
Clique nos links para ler os textos anteriores da série:
Meia-Armadores:
Volantes:
Laterais:
Zagueiros:
Goleiros:
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