quarta-feira, 3 de junho de 2015

A Era que chega ao fim e o Mito que persiste

Unfathomable Sea! whose waves are years,
      Ocean of Time, whose waters of deep woe
Are brackish with the salt of human tears!
      Thou shoreless flood, which in thy ebb and flow
Claspest the limits of mortality!

   And sick of prey, yet howling on for more,
Vomitest thy wrecks on its inhospitable shore;
      Treacherous in calm, and terrible in storm,
         Who shall put forth on thee,
            Unfathomable Sea?
(Time, by Percy Bysshe Shelley)
Depois de seis derrotas para Rafa em Roland Garros, o dia de Novak Djokovic


Ontem eu falava sobre Nole e o Monstro da Philippe Chatrier, chamando a atenção para o ponto crucial que impediu até aqui que Djokovic reclamasse o destino que desde 2011 parecia ser seu.


Há quatro anos Djokovic é um jogador melhor do que Nadal e destinado a superá-lo tecnicamente e, talvez, até em números; mas falhava em momentos chave de sua carreira quando tinha de se defrontar com o mito de Rafa. Não é verdade que ele seja hoje um melhor tenista que Nadal no saibro. Ele é melhor desde pelo menos 2013. Mas sua cabeça era sempre engolida pelo dragão da Philippe Chatrier


A diferença abissal que existe hoje entre os dois jogadores nesse ponto da carreira ficou nítido no grande palco das glórias do espanhol. O jogo foi fácil, é necessário que seja dito. Nadal engrossou o primeiro set, que perdia por 4 a zero, mas depois não ameaçou mais a vitória de Nole. O sérvio poderia ter dado um pneu na última parcial causo não relaxasse a mão em respeito ao grande campeão que havia do outro lado da quadra e passasse a arriscar bolas que não tentaria em pelejas mais disputadas. A vitória foi completa, porque no aniversário de Rafa. Foi completa porque com dupla falta de seu rival, que respeitou seus winners de devolução e retribuiu os mesmos presentes que Novak lhe havia dado em 2012 e 2014. Foi o sinal definitivo de que o domínio mental e emocional mudou de lado.

Rafa completamente dominado no palco de suas maiores glórias


E assim uma era termina. De uma maneira um tanto melancólica, sem emoção, quase que de modo burocrático. Termina sem grande reações de Rafa. Não houve um jogo épico e que mantivesse todos em suspenso, como na final de Wimbledon de 2008, quando Nadal teve de superar seu dragão particular na figura de Roger Federer. Djokovic já havia assassinado o monstro e enterrado seu cadáver fundo, embora ainda ao seu alcance para que pudesse moldar a história. Na quadra central se encontraram apenas dois indivíduos de carne e osso, e a diferença física e técnica entre ambos se expressou de forma natural e previsível no placar. 


Todo respeito a Rafa. Ele não deixou de ser o dono da Philippe Chatrier. Isso é impossível a essa altura. O esporte dos reis é assim, coroa e destrona seus grandes campeões. Ele está em uma grande lista, digna e memorável e olímpica. Não voltará a ser o que era. Ele não tem físico nem tempo. Mas tampouco precisa, porque já possui a imortalidade reservada aos maiores. O fim de uma era não é de modo algum o fim de uma lenda; o caráter corruptor do tempo derrota a humanidade mas se quebra diante do nome dos heróis que escalaram a montanha da glória.

O mais temido jogador da história do saibro cumpre seu ciclo


Quanto a Novak, lhe falta algo muito importante: o título. E ele será muito tolo se pensar que o conquistou hoje. Embora tenha matado seu dragão pessoal, derrotou um tenista que não era o adversário mais difícil dessa edição atual do major francês. É bom que tenha consciência de que o pior ainda está por vir. Essa percepção é fundamental para que Novak não deixe de novo que a história lhe escape por entre os dedos.

4 comentários:

  1. Excelente texto! Sintetizou com extrema felicidade o que foi o jogo, e, mais especificamente, o momento vivido pelos dois jogadores, e, de forma mais abrangente, o momento vivido pelos tênis masculino.

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  2. Assim como vc disse um dia desses, eu tenho pressentimento de que Djokovic não vence esse Roland Garros. Ótimo texto, meu bem. Vc devia ter um site especializado nisso.

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  3. Muito bom texto. E não é que deu Wrawrinka ! Estava esperando seus comentários a respeito..

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  4. Caraca, e não é que eu acertei? Djoko foi derrotado pelo Wawrinka! =D Lívia.

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