sábado, 3 de agosto de 2019

Brincadeira de polícia e ladrão




16 pessoas foram decapitadas no presídio de Altamira. Não é novidade, decapitar inimigos políticos é prática até comum entre facções rivais dos presídios brasileiros. É um dos modos de vilipendiar o cadáver daqueles que foram executados, de comemorar o ato cometido. Deve ser também alguma forma de catarse maníaca, e também evoca elementos tribais e de desumanização do adversário.

É uma brutalidade similar à cometida pelo Estado Islâmico no Oriente Médio, o que parece revelar algumas disposições psico-sociais comuns.

É possível talvez compreender esse tipo de atitude por meio da mobilização de conceitos sociológicos, antropológicos, históricos. Claro que justificar são outros quinhentos, porque o vilipêndio de cadáveres ou a decapitação a sangue frio não são meios aceitáveis em uma civilização.

Por isso é impossível contemporizar com o grito de guerra que a unidade de elite da PM do Pará disparou em cerimônia na presença do Governador do Estado (!!!): ''Arranca a cabeça e deixa pendurada/pena de morte à moda brasileira''.

O Governador tinha, de imediato, abrir uma investigação sobre esse grito de guerra e punir TODOS os que o entoaram. As razões são óbvias demais: a pena de morte é proibida em tempo de paz pela Constituição brasileira, e é função da PM fazer cumprir a lei. E mesmo em tempo de guerra, a pena de morte é aplicada no Brasil apenas para deserção, e a execução estipulada é o fuzilamento, não cabeças arrancadas e penduradas onde quer que seja.

Pessoalmente, não sou contrário à pena capital. Mas óbvio que sou contrário a qualquer policial que pense que pode praticá-la ao arrepio da lei. Mais do que contra, esse policial tem tendências criminosas incompatíveis com o exercício de sua função.

Vamos combinar o seguinte: a polícia faz cumprir a lei, ainda que o indivíduo por trás da farda não goste dessa ou daquela lei específica. Essa é a função dele. É isso que significa policiar. Já ''bandido'' é o epíteto que conferimos a quem descumpre sistematicamente a lei. Esse é o cara que o policial tem de pegar e trazer às malhas da justiça, conforme o processo legal instituído. Perceberam a diferença? Não dá pra desenhar melhor do que isso aí.

Se essa diferença é suprimida, não estamos mais falando de ''policiais'' e ''criminosos'' [ou ''bandidos''], e sim de duas gangues, uniformizadas ou não, disputando espaço nas nossas cidades, trocando tiros e matando a esmo pra defender seus próprios interesses, que evidentemente não se confundem com os do Estado, ao qual não respeitam.

E aí não se trata mais de fazer cumprir as leis e respeitar as instituições, não se trata de impor uma ordem coletiva voltada ao bem comum, mas somente de participar de uma guerra movimentada por instintos sub-humanos e amor ao dinheiro.

Não é necessário concordar com a ordem legal vigente, com o arranjo institucional estabelecido -- e eu certamente não concordo -- para entender que um aparato policial descontrolado não passa da construção de uma máfia uniformizada, de posse de instrumentos letais e voltada para o crime. Evidentemente, quem fica no meio da merda é o povo mais pobre, ainda que por um momento ou em dada situação ele seja, por desespero ou por histeria, motivado a aprovar esse ou aquele justiçamento específico.

Repetindo: os PMs que entoaram esse canto tem de ser punidos. Se o Governador do Pará não fizer nada a respeito, estará sendo cúmplice do que ouviu na cerimônia.

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