Os dados de religião do Censo 2022 começaram a ser divulgados essa semana, revelando algumas surpresas. É verdade que os números são diferentes daqueles 'vazados' por Gerson Camarotti na Globonews há pouco mais de um mês. É possível que o jornalista tivesse em mãos o dado de um recorte populacionais [as informações dele batem exatamente com a proporção de católico-romanos e evangélicos na população de cor/raça branca], e não do quadro populacionais geral. Apesar disso, o Censo também frustrou algumas das principais projeções que vigoraram entre especialistas sobre o campo religioso do nosso país.
Por anos, cientistas, institutos de pesquisa de opinião, e grande mídia abraçaram a tese do professor José Eustáquio Diniz Alves. Segundo esse importante estatístico e ex-funcionário do IBGE, existiriam sinais de aceleração das tendências observadas entre os censos de 1991 e 2010. O professor cravava, assim, que os católico-romanos declinariam a uma velocidade de 1,2% ao ano, enquanto os evangélicos aumentariam seu peso na população a um ritmo de 0,8%.
Eram projeções ousadas, já que as médias de queda e de crescimento desses grandes grupos religiosos nunca atingiram este patamar nas décadas anteriores. Entre 1991 e 2010, a perda católica-romana foi estrondosa, mas em uma média que gravitou de 0,9 a 1,0 ponto percentual por ano. Os evangélicos, por sua vez, cresceram no período a um ritmo entre 0,65 e 0,7%.
A previsão do professor Eustáquio era a de que a proporção de evangélicos superaria a de católico-romanos por volta de 2032. A alegação ganhou a grande mídia, universidades, e até a conversa de bar. Foi considerada como informação tão segura quanto previsões das ciências naturais. Mesmo os pesquisadores mais cautelosos quanto à tese de aceleração das tendências acreditavam que o cenário mais geral desenhado pelo estatístico era o mais correto. Se o número de evangélicos não superar o de católico-romanos em 2032, provavelmente o faria até 2040, pensavam. No fundo, ninguém ia saber o ano exato, já que o censo só ocorre de dez em dez anos, na melhor das hipóteses.
O grande problema desse tipo de abordagem é que se referem não a objetos físicos ou matemáticos, mas a dinâmicas sociais. Ou seja, interações entre pessoas, que ocorrem em diversos níveis, e se associam com movimentos políticos, ideológicos, culturais, econômicos e demográficos de difícil mensuração.
O Censo de 2022 nos lembrou dessa verdade óbvia, mas muitas vezes negligenciada. É verdade que a perda de fiéis católica-romana permaneceu muito acentuada nos 12 anos abarcados pela publicação do IBGE, mas o ritmo de queda caiu. A linha de tendência do declínio da religião hegemônica suavizou para uma média de -0,70% de fiéis ao ano. Como se trata de uma curva de desaceleração, é seguro dizer que no início da década atual, o peso do catolicismo no país estivesse diminuindo na faixa -0,5% ao ano. Está longe de ser uma estabilização, mas é suficiente para cravar que o catolicismo-romano vai permanecer como a religião da maioria dos brasileiros em 2030 [ou seja, continuará como a religião de mais da metade da população].
O crescimento evangélico, por sua vez, continuou robusto. O grupo avançou cerca de 5 pontos percentuais em 12 anos. Mas isso não é novidade. O relevante é que a expansão perdeu fôlego. A média de 0,65% de aumento ao ano declinou para 0,39%. E como estamos falando de uma curva de desaceleração, é bastante seguro afirmar que os evangélicos não vão alcançar a fatia de 30% da população em 2030. A média indica que a expansão já estaria na faixa dos 0,2% ao ano nos anos finais aferidos pelo Censo.
Alguns acadêmicos tentam justificar a perda de fôlego a partir do fenômeno dos desigrejados. Mas não saberiam identificar exatamente onde eles se localizariam no censo. No grupo de "outras religiões"? Mas elas cresceram apenas 1,1% [de 2,9% para 4%] entre 2010 e 2022, e seus sub-grupos, que incluem cristãos orientais e não-cristãos, podem ser aferidos pelo IBGE. Não há margem para suficiente para validar essa hipótese.
A verdade nua e crua é que pelas linhas de tendência do ritmo de queda católica e de crescimento evangélico, é bem razoável supor que o peso dos dois grupos esteja respectivamente por volta de 53% e 28% no próximo Censo. Talvez com erro de 1 pp para baixo ou para cima de qualquer um dos dois grupos, mas tudo indica que será por aí.
É uma previsão bem mais cautelosa e sóbria, mas também menos midiática. Há jornalistas que preferiram revisar a conta do professor Eustáquio e prever que a ultrapassagem evangélica foi adiada de 2032 para 2049, se esquecendo que é altamente improvável que o ritmo de expansão e/ou declínio aferido entre 2010 e 2022 se mantenha nas décadas subsequentes. As curvas apontam fortemente que elas já não estão assim hoje.
A essa altura, é mais razoável imaginar que, já que o tal Brasil evangélico não vai acontecer nos próximos vinte anos, é bem provável que não aconteça nunca. As grandes transições demográficas se arrefeceram. Segundo o próprio IBGE, o crescimento vegetativo será minúsculo na próxima década. Algumas UFs já vão apresentar diminuição do número de habitantes. Também não há qualquer perspectiva de algum fluxo migratório que impacte o perfil demográfico do país. Caso aconteça, é ínfima a chance que venha de um país protestante. Por fim, os movimentos populacionais internos também diminuíram sensivelmente em relação ao grande êxodo rural e regional observado entre os anos 1960 e 2000.
Diante do quadro acima, é improvável que a velocidade da transição religiosa permaneça nas próximas décadas. É mais razoável apostar em uma estabilização nos próximos dez, quinze anos. Uma estabilização da qual os evangélicos já parecem bem próximos. A principal dúvida é se em um médio prazo os católico-romanos continuam como a religião de mais da metade dos brasileiros ou se declinam para um pouco abaixo desse limite. Mas tudo indica que vão continuar como o principal grupo religioso, bem à frente do "segundo colocado".