quinta-feira, 30 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-armadores: Moacir e Geraldo "Assoviador"

Moacir, o menino de rua e órfão que foi adotado pelo Flamengo, e se tornou ídolo da Magnética, do River Plate, do Peñarol e do Barcelona de Guayaquil, além de campeão do mundo pela seleção brasileira. E um Anjo, o "irmão negro" de Zico, que passou muito rapidamente pelo mundo e pela Gávea, mas que está imortalizado no coração de todo rubro-negro. Continuidade da série, com os jogadores apresentados por posição e em ordem cronológica. Clique nos links no fim da postagem para acessar os textos anteriores.


4) MOACIR [1956/62]



O que o Flamengo e o Barcelona de Guayaquil, seu adversário na semifinal da Libertadores de 2021, tem em comum? Vejamos.

O garoto Moacir Claudino Pinto é uma bonita página do futebol brasileiro em diversos sentidos. Fazia parte de uma numerosa família paulistana liderada por um ferroviário. Um dia, aos seis anos de idade, perdeu o dinheiro que seu pai lhe havia confiado pra jogar no bicho. Além da surra, teve de dormir no galinheiro naquela noite. Cansado dos maus tratos, a criança fugiu de casa. Foi parar numa delegacia, mas depois de três dias, nenhum adulto apareceu pra buscá-lo. Estava abandonado no mundo.



O menino foi mandado para um orfanato. Durante quase uma década, matou a pau nas peladas dos órfãos, até que o diretor da instituição decidiu recomendá-lo para o Flamengo. Moacir encontrou um novo lar: a concentração e as divisões de base d'O Mais Querido.

Conquistou a posição de titular em 1956, com apenas 20 anos de idade. Rubens tinha problemas de relacionamento com Fleitas Solich e uma contusão séria no joelho. Paulinho, substituto imediato e que se tornou um dos artilheiros do time naquela temporada, estava para sair do clube, vendido para o Palmeiras.



Moacir não apenas segurou as pontas, como se tornou a principal revelação do futebol brasileiro em 1957. Encantou a todos nos famosos amistosos que o Flamengo fez com o lendário Honved, de Puskas, no Brasil e em outros países da América do Sul. O Flamengo perdeu o Carioca daquele ano, mas o jovem meia do clube se destacou como um dos maiores jogadores da competição.

Sua ascensão meteórica nos gramados teve continuidade em torneios internacionais, primeiro no Morumbi e depois em excursão à Espanha [o Flamengo foi convidado pelo Barcelona para a inauguração do Camp Nou]. Moacir deu novos recitais no Torneio Rio São Paulo de 1958, comandando viradas épicas contra o Santos, do Rei Pelé [3 a 2], e massacres em cima de Botafogo [4 a 0] e Palmeiras [6 a 2]. O Rolo Compressor estava de volta pelos pés do jovem meia.



Não demorou muito para que fosse convocado para a seleção brasileira e para conquistar lugar no elenco que disputou e levantou a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Era o reserva imediato de Didi, que foi o melhor jogador do Mundial.


Sua primeira taça importante com a camisa preta e encarnada veio no famoso Hexagonal de Lima de 1959, com goleadas sobre Colo Colo [4 a 0] e River Plate [4 a 1], um dos troféus mais importantes e também um dos mais esquecidos d'O Mais Querido.



Os anos mágicos do Rolo Compressor estavam terminando depois da ida de Evaristo para o Barcelona e de Zagallo para o Botafogo. Além disso, Moacir começou a sentir a disputa de posição com um outro gênio nascido na Gávea, o meia Gérson, que seria mais tarde conhecido como ''O Canhotinha de Ouro''.

Ainda teve boa participação na conquista do Rio-São Paulo de 1961, mas no ano seguinte foi vendido para o River Plate. Também jogou dois anos pelo Peñarol, vencendo o campeonato uruguaio em 1962, até chegar em 1964 ao Barcelona de Guayaquil. Se tornou ídolo local, levantou a taça nacional em 1966, e montou família no Equador, onde vive até hoje.



Aos 87 anos de idade, Moacir leva vida modesta em Guayaquil, se mantém rubro-negro de alma e coração, é fã de Gabigol, mas já deu entrevistas dizendo que O Rolo Compressor era muito melhor do que o time atual. Bela e imorredoura página rubro-negra.

Principal conquista pelo Flamengo: Rio São Paulo de 1961 e Hexagonal de Lima em 1959. Pela Seleção Brasileira: Copa do Mundo de 1958, Copa Roca de 1957.





5) GERALDO, "O ASSOVIADOR" [1973/76]




Todo 26 de agosto é dia de dor e de luto para os rubro-negros. Há quase 78 anos o Flamengo e o Brasil perdiam um dos mais promissores e talentosos meias que já passearam pelos nossos gramados. Considerado por muitos o maior talento de sua geração – dentro e fora da Gávea se discutia quem era melhor, se ele ou Zico --, e comparado ao estilo e elegância de Didi, morria Gerado Cleofas.

Assim como Zico, era de família de boleiros– um de seus irmãos jogou no Atlético Mineiro, outro no próprio Flamengo. Mas vinha do interior, e não do subúrbio carioca; mais especificamente da pequena cidade de Barão de Cocais, em Minas Gerais. Formado na mesma geração que conquistaria o mundo, se tornou profissional pouco antes do Galinho de Quintino, o suficiente para comemorar sua primeira Taça Guanabara em 1973.




No ano seguinte, Geraldo fazia parte do time de garotos que dobrou o América e o Vasco, então campeão brasileiro, no triangular final do Carioca, ficando, de modo surpreendente para muitos, com o título da competição. Quando olhamos para a escalação daquela equipe d’O Mais Querido, qualquer possível espanto com a proeza desaparece: ídolos como Renato, Liminha, Paulo César Caju e Doval, ao lado de jovens como o “Assoviador”, Zico, Júnior e Jayme.

Se Zico era ponta-de-lança, ou meia-atacante, Geraldo jogava mais atrás, na articulação das jogadas. Tinha drible curto, imensa habilidade, atuava de cabeça erguida, e desfilava passes precisos. Não era incisivo e mortal perto da área, como o amigo Arthur, mas seu futebol encantava tanto quanto o do Galinho. Além disso, era marcadamente irreverente: Jogava cantarolando músicas pop, assoviando "Your Song’’, de Elton John, na versão Black de Billy Paul.



A qualidade o levou rápido à Seleção. Com apenas 21 anos, foi titular da equipe que disputou o Sul-Americano [‘Copa América’] de 1975. O próprio Zico só estreou no time canarinho no ano seguinte. Em 1976, conquistou a tradicional Copa Roca, e ainda fez parte do elenco brasileiro que levantou o Torneio Bicentenário da Independência, nos EUA.



Zico e Geraldo. A comparação com Pelé e Coutinho estava na boca de quase todos. A glória que se avizinhava, no entanto, foi sustada de modo absurdo em uma então trivial cirurgia de retirada das amígdalas – que já na década seguinte seria desaconselhada porque considerada inócua. O “Assoviador” teve um choque anafilático, e seu coração parou vinte minutos depois do procedimento.

Choque. Estupor. Vazio.


O Flamengo interrompeu uma excursão que fazia ao Ceará. O corpo do rapaz foi velado no antigo prédio do Morro da Viúva, que durante décadas serviu de concentração e moradia para as divisões de base do clube.


Liderados por Pelé, figuras importantes do mundo do futebol organizaram um amistoso entre O Mais Querido e uma seleção brasileira a fim de arrecadar fundos para a família do craque – a partida contou com mais de 133 mil pagantes no Maracanã, e a presença do Presidente da República Ernesto Geisel.


Mas nada foi capaz de amenizar aquela tragédia. Geraldo era amado demais por Deus para que passasse um só dia a mais nesse vale de lágrimas.



Fez menos de 200 partidas oficiais com o Manto Sagrado, conquistou apenas um campeonato de peso histórico, e nos deixou aos 22 anos de idade. Mas por seu impacto, transmitido de boca a boca entre gerações de aficionados pelo Flamengo, é incontestavelmente um dos maiores meias de nossa história.

E não precisou vivenciar a Era de Ouro que se iniciaria dois anos depois. Ele nunca deixou de estar nela.

terça-feira, 28 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-armadores: Zizinho, o "Mestre Ziza"; e Rubens, o "Dr. Rúbis"

 Zizinho, o grande ídolo rubro-negro dos anos 1940, foi o maior jogador brasileiro antes da Era Pelé. Melhor jogador da Copa de 1950, considerado pela imprensa internacional um gênio do futebol, atuou também de meia-atacante e de centroavante. Mas foi como meia-armador que viveu seu auge Flamengo. Era tão bom que mesmo na parte final de sua carreira, já com mais de 30 anos de idade, provocava dúvidas em todos sobre quem era o melhor da posição, ele ou Didi. Falo também de um gênio e ídolo esquecido na história d'O Mais Querido, o famoso "Dr. Rúbis", que disputava vaga na seleção com Zizinho e Didi, mas que foi gradualmente deixado de lado por causa de seu comportamento boêmio e indisciplinado. Rubens é, no entanto, um dos grandes imortais do famoso Rolo Compressor que tornou o Flamengo o dono do Maracanã. Essa apresentação se dá em ordem cronológica. Para ler os textos anteriores, clique nos links no fim da postagem.


2) ZIZINHO, O ''MESTRE ZIZA'' [1939/50]




"Um gênio próximo da perfeição'' que, como Da Vinci, ''cria obras-primas com os pés na imensa tela do gramado do Maracanã”. Era assim que a imprensa internacional se referia Thomás Soares da Silva, o Thomazinho, ou Zizinho, durante a Copa do Mundo de 1950.

O Mestre Ziza, como é também conhecido, foi eleito em 1999 pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol como o quarto maior jogador da história brasileira. Isso o coloca pelo menos no top 5 do futebol brasileiro do século XX.

Recebeu também o prêmio de melhor jogador da Copa de 1950. Seu estilo de jogo inspirou o futebol de Pelé, que o tinha como referência e ídolo. Era o atleta brasileiro mais famoso e de maior reputação nos anos 1940 e 1950, maior talento da equipe que conquistaria o Sul-Americano ['Copa América'] de 1949, um dos troféus mais importantes da história da nossa seleção. Foi 'padrinho' e 'grande conselheiro' de Gérson 'canhotinha de ouro' no início da carreira.

Zizinho nasceu em São Gonçalo mas foi descoberto nos torneios de várzea de Niterói. Não conseguiu vaga pra jogar no América RJ, mas despertou atenção de olheiros de Flávio Costa, técnico do Flamengo.


Ainda muito jovem, aos 17 anos, se tornou titular inconteste do time que quebraria o jejum rubro-negro e conquistaria uma dos maiores títulos de nossa trajetória, o campeonato carioca de 1939, jogando ao lado de Domingos da Guia e Leônidas da Silva. Em pouco tempo se tornaria o maior destaque d'O Mais Querido.

As taças mais importantes para o Flamengo foram as do primeiro tricampeonato em 42/43/44. Na campanha do tri, o Flamengo já estava enfraquecido, sem Leônidas e Domingos. Ainda assim foi liderado por Mestre Ziza rumo à glória, conquistada em pleno estádio de São Januário nos últimos minutos da peleja.


Zizinho tinha um estilo inconfundível. Didi, que nos anos 1950 rivalizaria com ele na posição de meia da seleção, sintetizou de modo perfeito a diferença: ''eu entregava pelo Correio, o Zizinho preferia entrega a domicílio''. Ou seja, não era um meia de passes e lançamentos longos. Sua marca eram as arrancadas com dribles ziguezagueando pela defesa adversária.

Além disso, era um jogador de extrema dedicação, correndo por todos os lados do campo. Pra completar, foi também o inventor da paradinha no pênalti, depois imitada e difundida pelo mundo pelo Rei Pelé.


Único jogador a se salvar do naufrágio do Maracanaço, Zizinho estava vendido ao Bangu por causa de uma trapalhada do Presidente do Flamengo, que, interessado em montar um esquadrão, negociava a contratação do atacante Mariano, do clube da Zona Oeste do Rio. Com a intenção de se livrar dos pedidos insistentes de Guilherme da Silveira -- Presidente do Bangu e da famosa Fábrica de Tecidos, que hoje dá nome à praça em que se encontra o Estádio de Moça Bonita [Estádio Proletário Guilherme da Silveira, construído por ele mesmo] --, chutou um valor altíssimo para o passe de Zizinho. O ''Doutor Silveirinha'' bancou o valor.

A negociação foi uma das mágoas que Mestre Ziza carregou na vida, mas não o impediu de se tornar o maior ídolo e jogador da história do Bangu. Outros tempos, em que o craque de uma Copa permanecia não só jogando no Brasil mas em um clube suburbano.


Em 1957, já aos 35 anos de idade, Zizinho foi vendido ao São Paulo. Foi campeão paulista em uma temporada, vice na seguinte, e se tornou também um imortal no coração da torcida tricolor paulistana.

Ainda foi convocado para a seleção brasileira em 1953, mas foi cortado porque não concordou com a diminuição da premiação prometida aos jogadores caso conquistassem o Sul-Americano [Copa América] daquele ano. Isso lhe custou a participação na Copa de 1954: a CBD preferiu Didi para a posição. O fracasso diante da Hungria trouxe o Mestre de novo para o time nacional em 1955. Mas a derrota no Sul-Americano de 1957 convenceu os treinadores que era necessário rejuvenescer o time.


Zizinho é ainda hoje o 9º maior artilheiro do Flamengo, com 145 gols. No Brasil, foi a ponte entre Leônidas da Silva e Pelé, e maior jogador antes da Era de Ouro. No Flamengo, foi a ponte entre a construção d'O Mais Querido como um clube nacionalista e popular, nos anos 1930, e a explosão d'O Rolo Compressor, 'dono do Maracanã', nos anos 1950. 'Meia de ligação' também na história, o Mestre é presença obrigatória em qualquer Flamengo ou seleção brasileira de todos os tempos.



3) RUBENS, O "DR. RÚBIS" [1951/57]




O mal do homem é o esquecimento, disseram certa feita. No futebol, ele assume ares de crueldade extrema. Na primeira metade dos anos 1950, Rubens era carregado nos ombros pela torcida depois de recitais no Maracanã; considerado naquele momento pela crítica especializada como meia-armador de mais qualidade que Didi e Zizinho; visto pela Magnética como carrasco do Vasco; escolhido para capa da primeira edição da revista Manchete Esportiva; principal tema de programas de sucesso no rádio; homenageado em sambas clássicos de Wilson Baptista.

Hoje, poucos dentre os rubro-negros sabem quem ele foi.



O paulistano saiu dos campos de várzea para o Ypiranga, em 1947, com apenas 18 anos de idade. Encantou a todos com suas atuações pela seleção paulista. A Portuguesa de SP foi mais rápida, e o contratou em 1950, mas não conseguiu mantê-lo. Gilberto Cardoso, o imortal presidente do Flamengo, queria montar um esquadrão e deixar para trás os últimos anos marcados por fracassos. E assim, Rubens entrou na Gávea pela primeira vez em 1951.



E não foi uma entrada qualquer. Estreou contra o Vasco, rival que dominou o futebol brasileiro na segunda metade dos anos 1940 e que o Flamengo não derrotava há seis anos e 20 partidas. Naquele 16 de setembro, Rubens fez chover. Deu ritmo ao meio campo, com dribles rápidos, grande distribuição do jogo, mandou bola na trave, deu passe pra gol, e saiu do Maior Estádio do Mundo como ídolo da Nação Rubro-Negra.


Nas temporadas seguintes, o "Dr. Rúbis'' [apelido criado por personagem no programa ''Balança mas não cai''] se consolidou como o principal meia do futebol carioca. Foi também capital na revolução tática estabelecida por Fleitas Solich, que aposentou a WM/Diagonal no Flamengo e assumiu de vez o 4-2-4. Nascia o Rolo Compressor, time mítico que dominou o Rio de Janeiro e fez da Magnética a ''dona do Maracanã''.


Rubens chegou à seleção brasileira e fez parte do elenco que disputou a Copa da Suíça, em 1954. Mas não foi muito aproveitado pelo técnico Zezé Moreira, que escolheu Didi para a função. E aqui começam os problemas que levaram ao ocaso de Rubens. Uma das explicações para a preferência de Zezé é que ele jogava na Diagonal, e não no 4-2-4, como o Flamengo. Mas a verdade é que Rubens já tinha nas costas uma ampla coleção de indisciplinas por causa de seu caráter boêmio.

Fumante inveterado, que consumia três maços por dia, e com tendências ao alcoolismo, Rubens quase foi cortado da seleção. Depois de 1954, foi claramente deixado de lado pela CBD por causa do comportamento festeiro e dos dias passados na mesa de bar.


Sua situação na Gávea também não era tranquila. O disciplinador Fleitas Solich também iniciou um cerco severo ao doutor, e chegou a proibi-lo de fumar nas dependências do Flamengo. Finalmente, um 'derrame' no joelho esquerdo, em 1956, selou seu destino. Rubens foi encostado e depois emprestado ao Santa Cruz no ano seguinte.

Ainda deu a volta por cima ao retornar ao Vasco em 1958 e, com uma preparação muscular específica, conduzir o rival ao título do Rio-São Paulo e do carioca [que, lembremos, terminou no ano seguinte, depois da Copa, e é considerado por muitos como o maior da história, com Flamengo, Vasco e Botafogo empatando em primeiro lugar nos dois turnos e empatando também no primeiro triangular de desempate].


Mas era o canto do cisne. O doutor se aposentou. Foi quase totalmente esquecido. E faleceu aos 59 anos de idade por conta de um câncer de pulmão. Mas sua estrela brilha forte nos céus paradisíacos que recebem os grandes heróis d'O Mais Querido.


domingo, 26 de maio de 2024

FAROESTES INDISPENSÁVEIS 10: Rio Bravo ["Onde começa o Inferno"]

 John Wayne completaria hoje 117 anos de idade caso estivesse entre nós. Para homenagear ator mais conhecido e emblemático do faroeste, retomo a série e analiso o clássico absoluto do gênero, produzido em resposta a High Noon.



NÚMERO 11: Rio Bravo [''Onde começa o Inferno''], de 1959 --> Certa feita, o famoso crítico Robin Wood declarou que ''se lhe pedissem para escolher um filme que justificasse a existência de Hollywood ele seria 'Rio Bravo'.'' Um exagero? Talvez. Mas é quase consenso de que esta se trata da maior obra de um dos mais importantes diretores do cinema americano, o grande Howard Hawks.

Os filmes de Hawks sempre se preocupam antes com o desenvolvimento das relações entre personagens marcantes do que com narrativas originais e elaboradas. Existem motivos bem clássicos, como a liderança viril do protagonista sobre determinado grupo; a lealdade entre parceiros; a velhice e os obstáculos físicos de um dos personagens principais; conflitos e paixões em torno de uma mulher independente e forte mas que acaba domada pelo herói.

Todos esses elementos são elevados a um nível quase arquetípico, acentuado pela decisão do diretor de filmar numa cidade cenográfica em proporções menores que as reais de modo a enfatizar a grandeza dos personagens.

Hawks planejou o filme como resposta política a High Noon[clique para ler] -- ''Matar ou Morrer'': diferente do xerife vivido por Gary Cooper, John Chance [John Wayne] é uma autoridade incisiva que não aceita a ajuda de ninguém. E diferente da cidade hipócrita e acovardada do filme de Fred Zinnemann, o auxílio ao xerife vem de todos os cantos.



Apesar de direitista, a história está longe de se apegar ao conservadorismo social. O ex-ajudante do xerife [Dean Martin, o mesmo da parceria inesquecível com Jerry Lewis] sofre uma desilusão amorosa e se torna um alcóolatra. Ele é motivo de piada para todos na cidade. Apelidado de 'Borrachón' [''bêbedo'' em espanhol], se torna centro de uma confusão em que o irmão de um grande proprietário local mata a sangue frio um cidadão desarmado. O homicida é preso, mas tem costas quentes. O xerife tem de segurar a onda e as tentativas que o ''barão do gado'' local faz na tentativa de livrar o irmão dos braços da lei.

O relacionamento entre os personagens e as interpretações de Walter Brennan e Ward Bond roubam quase todas as cenas. Rickie Nelson também faz sua estreia aqui, como o jovem Colorado, uma reedição da estrutura de parceria com um ator mais jovem que John Wayne teve com Montgomery Clift em ''Red River''.



Palmas também para Angie Dickinson, que interpreta Feathers, ex-mulher de um jogador de pôquer trambiqueiro, e que acaba se apaixonando por John Chance e ajudando-o desde o primeiro momento -- mais um contraponto a High Noon, em que a donzela [vivida por Grace Kelly] é a primeira a saltar do barco quando seu homem se vê em apuros.

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Meia-armadores: Definição da posição e Sidney Pullen



Hora de falar sobre os principais meia-armadores da gloriosa história rubro-negra. Como nos demais casos, serão apresentados em ordem cronológica. Para ler os textos anteriores, clique nos links no fim dessa postagem.

Antes de começar, alguns esclarecimentos sobre a posição. No futebol profissional, os sistemas táticos empregaram entre 3 e 5 meio-campistas. Mas eles não exerciam posição e função iguais. Já vimos isso no caso do Volante, um centro-médio recuado para a frente dos zagueiros, na proteção à área, atuando por trás dos demais jogadores do meio, e com responsabilidades principalmente defensivas.


É extremamente incomum um time sem volante. Na verdade, com as transformações que o jogo sofreu na segunda metade dos anos 1960, os volantes se multiplicaram. O processo foi tão radical no Brasil que gerou formações bem estranhas, como a da seleção de 1994, que na reta final da Copa atuava com quatro jogadores que, em algum momento, eram descritos como volantes: Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho.

Evidente que as funções e os posicionamentos desses jogadores não eram todos adequados ao termo ''volante''. Estavam posicionados, na verdade, como meia-armadores. Só que ganharam enormes tarefas de marcação que acabaram prejudicando a função de articulação e municiamento ao ataque, típica da posição.

Esse é um problema importante, porque nem tudo aquilo que é descrito como ''volante'' a partir de meados dos anos 1970 é, efetivamente, um 'cabeça de área'. O segundo ou terceiro volante ocupa a posição, e algumas das funções, do meia armador: distribuir o jogo, cadenciar, articular as jogadas e municiar os atacantes. Mesmo quando sobrecarregados com tarefas de marcação, é assim que atuavam Carpegiani ou Renato Abreu no Flamengo.

A multiplicação de jogadores pouco técnicos voltados prioritariamente pra destruição de jogadas na posição anteriormente ocupada por típicos meias fez um grande mal ao futebol brasileiro. Tivemos grandes gênios nesse espaço do campo: Zizinho, Didi, Gérson, Ademir da Guia, Rivelino e Sócrates são alguns dos mais famosos. Esse processo começou a se reverter nos últimos anos. Na medida em que o preparo físico dos atacantes permitiu a melhor distribuição das tarefas defensivas, os esquemas táticos trouxeram de volta jogadores mais capazes de armar desde o próprio campo.




Um processo parecido aconteceu na linha de ataque. Na medida em que os meias ganhavam cada vez mais funções de defesa, os antigos pontas foram sumindo também, se tornando cada vez mais meias pela direita e pela esquerda. Zinho começou como ponta esquerda no Flamengo. Mas já em 1987 atuava, antes de tudo, como meia pela esquerda. Um meia-armador, portanto. O Flamengo já atuava com meias no lugar dos pontas desde o timaço da Era de Ouro. Na famosa escalação de 1981, Lico e Tita não eram pontas, mas meias que atuavam pela direita ou pela esquerda do ataque.

Essas mudanças aconteciam com imensas dores. Telê Santana foi muito criticado por jogar sem ponta direita na Copa de 1982. O bordão ''Bota ponta, Telê!" era típico daqueles tempos. O problema não era, no entanto, jogar sem o ponta, e sim a falta de simetria do time, já que os meias escalados não tinham por hábito ocupar aquele espaço na direita. A jogada de Sócrates se infiltrando pela direita e recebendo lançamento preciso de Zico pra empatar a partida contra a Itália na Copa era mais esporádica do que os vídeos de ''melhores momentos'' fazem parecer. Em geral, o setor ficava vazio, um verdadeiro buraco, prejudicando inclusive o jogo do genial Leandro, que não podia se lançar ao ataque.

Parte da ''culpa'' pode ser dividida com Tita. Telê queria escalá-lo daquele lado, como ele jogava no Flamengo. Mas Tita não queria exercer essa posição nem no Flamengo, muito menos da seleção brasileira. Deixou de disputar uma Copa por pura teimosia. Tita se via como ponta de lança, não como meia, seja pela direita ou pela esquerda. O que nos leva ao próximo esclarecimento.

Assim como estou deixando o volante [ou, mais exatamente, o ''primeiro'' volante] de fora da definição de meia-armador, também vou deixar de fora o Ponta-de-lança, também conhecido como ''meia-atacante''.

O ponta de lança volta ao meio de vez em quando, mas sua posição é próxima à área e ao centroavante. É um atacante que se infiltra na área em diagonais ou vindo de trás, visando o gol. Ele é arco também, mas sua característica principal é ser flecha, um goleador que acompanha o centroavante. Ponta de lança é a posição consagrada por Pelé, Zico e Tostão, e que não se confunde com a dos meio-campistas que ditam ritmo, articulam e distribuem jogadas mais atrás, como Gérson, Didi e Ademir da Guia.

Com essas definições, vamos aos principais meia-armadores da história d'O Mais Querido do Brasil.


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1) SIDNEY PULLEN [1915/25]




Tem um inglês na seleção brasileira! Será a bagarre?

Pullen chegou com a família ao Rio em 1902. Eram de Southampton, Inglaterra, e seu pai foi transferido para um fábrica no Brasil. Ganhou dupla nacionalidade, e logo se destacou no Paissandu, clube de ingleses que ainda hoje existe na Zona Sul do Rio de Janeiro, na Rua Paysandu, no Leblon, bem na esquina da atual sede d'O Mais Querido. [Lembrando que naqueles tempos o Flamengo ainda não se localizava na Gávea.]




Ele era, na verdade, o principal jogador do time e um dos melhores do Rio de Janeiro. Conduziu o Paissandu ao título de 1912, e só saiu da equipe porque ela colocou fim ao departamento de futebol dois anos depois. Pullen foi então para o Flamengo e se consagrou como o maior jogador rubro-negro antes de Leônidas da Silva.





Grande técnica, raça e liderança. Sidney criava, marcava gols com seus potentes chutes de canhota, consagrava artilheiros [como Riemer], era capitão da equipe e ainda exercia a função que hoje chamamos de ''técnico''. Com tamanha qualidade, foi convocado para a seleção brasileira para o Sul-Americano de 1916, a antiga 'Copa América'. Pullen foi o primeiro 'estrangeiro', a primeira pessoa nascida fora do país, a vestir a camisa da equipe nacional.



Nos dez anos que se seguiram, só deixou o Flamengo entre 1916 e 1917, período em que serviu o Exército inglês na Primeira Guerra Mundial. Viveu seu auge na virada dos anos 1910 para os 1920, mas seguiu no clube até 1925, aos 30 anos de idade. Depois que se aposentou dos gramados, se tornou campeão estadual de tênis.