domingo, 5 de maio de 2024

OS MAIORES DA HISTÓRIA DO FLAMENGO -- Laterais: Leandro 'Peixe Frito' e Léo Moura

 Leandro é um milagre. Não passou por divisões de base na infância. Seu futebol foi forjado em peladas, e virou atleta profissional quase que por acaso. Suas condições físicas praticamente o vetavam para o esporte de alto nível. Desde que se profissionalizou, sabia-se que sua carreira seria curta, talvez questão de poucos anos. Aos vinte anos de idade já passava por cirurgias complicadas. E ainda assim foi um dos jogadores de qualidade técnica mais esplendorosas e indiscutíveis já surgidos no Brasil -- os gigantes da geração de 1982 o consideravam o mais completo da equipe --, um apaixonado pelo Flamengo que fazia lembrar os gloriosos anos do amadorismo, um torcedor em campo defendendo a camisa preta e encarnada. Neste texto, relembro também Leonardo Moura, o jogador que mais defendeu o Manto Sagrado no século XXI. Os demais textos da série podem ser lidos clicando nos links no final dessa postagem.



8 ) LEANDRO ''PEIXE FRITO'' [1979/1990]




O defensor, recém promovido ao profissional, está cercado por jogadores rivais, e o goleiro, atleta consagrado e um dos líderes do elenco, não para de rifar a bola, aos chutões, pra não correr risco ao sair jogando. E assim permite que o time adversário sufoque a sua equipe. Até que o garoto exige a bola. O goleiro ainda retruca, apontando que ele está marcado. Mas não pôde convencer o rapaz. Ele recebe a pelota, dá um ''lençol'' [''chapéu''] no primeiro atacante que o marcava, dribla o segundo, e lança na ponta, em jogada que terminaria em gol. Batendo no peito, o jovem olha firme pro impressionado goleiro, dizendo: "Raul! Eu jogo pra caralho!"



Essa era uma das histórias do imenso rol de lendas ligadas ao nome de Leandro, e que os rubro-negros cresciam ouvindo, alguns presenciando, durante a Era de Ouro. Já vi quem dissesse de modo sincero que era ele o maior jogador do grande Flamengo do início dos anos 1980, e não Zico.

Exageros à parte, é uma pena que em um momento em que se valoriza tanto o que os europeus pensam dos atletas, ''Peixe Frito'' não tenha uma carreira internacional com a seleção brasileira condizente com o seu status. Para quem o viu atuar ou jogou contra ele, não há qualquer dúvida: estamos falando de um gênio, de um dos maiores jogadores já surgidos entre nós, e possivelmente do maior lateral direito já surgido no futebol brasileiro.




Telê Santana, a título de curiosidade, o escalava na sua seleção de todos os tempos no lugar de Carlos Alberto Torres. Falcão, o grande volante daquela geração, o considerava o jogador mais habilidoso da equipe de 1982. O lendário técnico Flávio Costa o comparava a Domingos da Guia. Portanto, os testemunhos não são poucos nem de pequeno quilate.

Rubro-negro fanático, veio de Cabo Frio, onde nasceu, pra cidade do Rio para prestar vestibular para cursar Educação Física. Quase por acaso fez teste pro Flamengo, passou e iniciou uma vitoriosa, destacada e, infelizmente, curta carreira. Ambidestro, jogava em diversas posições: nas duas laterais, na zaga, de volante, de meia. Dizem que só não jogou de goleiro.

Quase foi emprestado para o Internacional de Porto Alegre em 1980, quando o titular da lateral direita d'O Mais Querido ainda era Toninho Baiano. Mas não passou nos exames médicos do Colorado. Leandro tinha problemas crônicos nos joelhos, consequências de suas pernas arqueadas, que o levaram à mesa de cirurgia aos 20 anos de idade.





Mas nada impediu sua ascensão e o deslumbramento de seu futebol. Depois da Copa de 1982, quase foi contratado pelo Barcelona, que desistiu quando soube das suas contusões e do pouco tempo que lhe restava no futebol. Em 1985, depois de contusões e cirurgias, passou a atuar somente de zagueiro, e depois de 1987 mal entrava em campo. Leandro hoje não consegue jogar nem pelada por causa da artrose no joelho.

Mas esse é o lado triste da história. O alegre é a profusão de títulos com o Manto Sagrado e a lembrança inabalável que deixou na torcida. Ele é o 15º atleta com mais partidas com o Manto Sagrado: 415. O único atleta desse porte que, dos anos1950 para cá, só jogou n'O Mais Querido.




Leandro chegou rápido à seleção. Foi titular da Copa de 1982, mas prejudicado pelo esquema tático de Telê, que tinha um buraco do lado direito do meio campo. Pediu dispensa da Copa América de 1983 porque passava por um divórcio complicado. Não se dava também com a teimosia de Telê, que insistia em escalá-lo de lateral direito nas eliminatórias para o México, embora ele já atuasse de zagueiro pelo Flamengo e não tivesse mais condições físicas para fazer o corredor.

A maior polêmica em sua passagem pela seleção se deu, no entanto, no final da preparação para a Copa de 1986. O elenco ficou confinado por um mês na Toca da Raposa, em Belo Horizonte. Dias antes do embarque, parte do elenco fugiu para uma noitada regada a cerveja. Leandro passou da conta e, na volta, não tinha condição de pular o muro da concentração. De todos os fujões, Renato foi o único que se recusou a deixar o companheiro para trás, e assumiu o risco de entrar junto com o Peixe Frito pela porta da frente. O disciplinador Telê ficou sabendo e o clima ferveu. Na lista final para a Copa, Renato Portaluppi, que era o principal atacante brasileiro e talvez do mundo naqueles anos, ficou de fora, cortado pelo treinador. Leandro foi perdoado.



O episódio levou a um número infindável de piadinhas por parte de torcedores rivais do Flamengo. Mas dá mostras da hombridade e da honradez tanto de Renato quanto de Leandro. O lateral sempre fez segredo dos motivos porque decidiu não viajar para o México, desistindo de uma Copa do Mundo. Mas todos já sabem dos detalhes da história. Leandro esperou até o último momento que o elenco se rebelasse contra a decisão de Telê de cortar o ponta direita. Como não aconteceu, resolveu não embarcar com a delegação.

É uma das imagens mais tristes da minha infância. A imprensa acompanhando Zico ir às pressas, já vestindo o terno oficial da CBF com o qual o grupo entrou no avião, na casa de Leandro, pra tentar convencer o companheiro a repensar a decisão. Pouco tempo depois, ele sai da casa do companheiro com lágrimas nos olhos e, sem declarar nada para os jornalistas, entra no táxi e parte. Assim terminou a passagem de um dos maiores gênios de nosso futebol pelo time canarinho.



Os principais títulos de Leandro pelo Flamengo são: Taças Guanabara de 1980/81/82, 84, 88/89; Campeonatos Cariocas em 1979/79 especial, 81 e 86; Copa do Brasil de 1990; Campeonatos Brasileiros de 1980, 82/83 e 87; Libertadores da América de 1981; Mundial Interclubes de 1981.



9 ) LÉO MOURA [2005/15]




Em tempos de imensa volatilidade de jogadores, é impressionante que um atleta permaneça anos consecutivos no mesmo clube. Léo Moura, profissionalizado nas categorias de base do Botafogo, era filho de sua época, um cigano durante a maior parte da carreira. Até que chegou ao Flamengo aos 27 anos de idade e emendou nada menos que 10 temporadas consecutivas n'O Mais Querido.

Tamanha longevidade no clube fez do lateral-direito o sétimo jogador que mais vestiu o Manto Sagrado. São 519 partidas, atrás apenas do imortal Jordan da Costa e de figuras carimbadas da Era de Ouro [Júnior, Zico, Adílio, Andrade e Cantareli]. No século atual, ninguém chega perto de ter defendido tanto a camisa preta e encarnada do clube da Gávea.




Eleito o melhor lateral direito do Campeonato Brasileiro por quatro temporadas consecutivas, Léo Moura fez parte de uma importante transição do Flamengo. O clube de finanças destruídas e apequenado do início dos anos 2000 voltava a disputar e a ganhar torneios nacionais. Com um misto de velocidade, habilidade indiscutível e imensa ofensividade, se tornou o rosto de uma época e o ídolo inconteste de uma geração.

Lateral artilheiro, fez quase 50 gols pelo rubro-negro, ganhou metade dos dez estaduais que disputou e foi peça fundamental na conquista de 3 títulos nacionais, um deles o Brasileiro de 2009, encerrando um jejum de 17 anos, o maior do Flamengo na história da competição. Infelizmente, teve poucas chances na seleção brasileira. Jogou amistosos, mas nunca foi convocado para um torneio oficial.




Saiu do Flamengo aos 37 anos de idade e retornou à vida cigana. Mas ainda teve fôlego para levantar a Libertadores da América e a Recopa Sul-Americana pelo Grêmio, o único nível de taças, as continentais, que não conseguiu levar para a Gávea.



Seus principais títulos pelo Flamengo: Campeonatos Cariocas de 2007/08/09, 11 e 14; Copas do Brasil de 2006 e 2013; Campeonato Brasileiro de 2009. Jogou ao lado de Ronaldinho Gaúcho, Petkovic, Adriano Imperador, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan, Vágner Love, Maldonado, Bruno e outros.


Clique nos links abaixo para ler os textos anteriores da série, que segue por posição e ordem cronológica:

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