Na continuação da série, falo sobre Rodrigues Neto, ídolo da lateral-esquerda que também apaixonou a torcida do Boca Juniors. E então do Maestro Júnior, gênio imortal do Flamengo, com mais de 870 partidas oficiais pelo clube, uma profusão inigualável de troféus, um oceano infindo de técnica, e que, apesar de começar na lateral-direita, foi um dos maiores laterais esquerdos da história e conseguia fazer temporadas melhores que Maradona, Zico e Platini atuando pelo meio-campo.
Os links para os demais textos da série seguem no fim da postagem.
6) RODRIGUES NETO, "EL NEGRITO" [1967/75]
Filho de um sapateiro, o mineiro Zé Rodrigues foi descoberto pelos olheiros do Flamengo em um amistoso do Fluminense contra o Vitória do Espírito Santo quando tinha apenas 18 anos de idade. Bom marcador e bastante ofensivo, se tornou um dos grandes laterais-artilheiros da nossa história, com cerca de 30 gols marcados em 439 jogos com o Manto Sagrado -- o décimo terceiro jogador com mais partidas pelo Flamengo.
As principais taças foram os estaduais de 1972 e 1974, além das Taças Guanabara de 1970, 72/73, e o Torneio do Povo de 1972. Zé Rodrigues fez parte da transição entre o Flamengo encalacrado nas finanças do fim dos anos 1960 e o clube vitorioso dos anos 1970.
Se tornou sucessor do ídolo Paulo Henrique e chegou à seleção brasileira muito cedo, ainda em 1972. Foi cortado de maneira nebulosa da equipe que ficaria em quarto lugar na Copa de 1974, em mais uma das trapalhadas e invencionices do Departamento Médico comandado por Lídio Toledo [leiam o que escrevi no caso de Mozer]. Mas atuou como titular na Copa seguinte, na Argentina, em 1978.
Saiu d'O Mais Querido em uma das trocas defendidas por Francisco Horta, presidente do Fluminense, e fez parte da ''Máquina Tricolor'' de 1976. Fora da Gávea, virou um andarilho do futebol. Jogou pelo Botafogo, e fez sucesso na Argentina [ganhou muita fama como lateral do Boca Juniors, onde era chamado de ''El Negrito''], e jogou até na China e em Hong Kong. Cinco anos depois de aposentado, ganhou um jogo de despedida no Flamengo em 1990.
Na Gávea, começou jogando com ídolos como Carlinhos, Murilo e Reyes, e fez parte de times que contavam com Zico, Liminha, Geraldo Assoviador, Jaime, Doval e outros.
7) JÚNIOR ''CAPACETE'', O ''MAESTRO'' [1974/84; 1989/93]
É muito difícil explicar para as atuais gerações o real peso e qualidade do Maestro. Nascido na mesma geração de Zico e Leandro, alguns podem ser tentados a considerá-lo como figura menor no quesito técnico. É assombroso que Júnior seja o atleta com mais partidas pelo Flamengo. São 876 jogos, uns 270 a mais do que Jordan da Costa, o recordista anterior à era de ouro, e quase 150 a mais que Zico, o segundo colocado. Ele está mais do que certo em dizer que o Manto Sagrado ''é e sempre será uma segunda pele''.
Ainda assim não temos a dimensão do que foi Júnior. Estamos falando de um gênio do futebol. Alguns podem considerar que a carreira internacional e os títulos na seleção de Roberto Carlos o colocam acima do Maestro. Talvez. Mas tecnicamente não há a mínima comparação possível. Existem aqueles que prefiram Marinho Chagas. Apesar disso, é defensável que Júnior tenha sido maior lateral esquerdo da história do país depois de Nílton Santos. Mesmo sem ser canhoto, mesmo sem ser exatamente um defensor, e mesmo sem ser exatamente um lateral, como veremos ao longo do texto.
[Aliás, Telê Santana escalava Júnior em sua seleção de todos os tempos, deslocando a Enciclopédia para a quarta zaga.]
Júnior faz parte do grupo de juniores que subiu para o time principal em 1974, dando fim a uma era de investimentos do clube em jogadores consagrados e caros -- e que levou O Mais Querido às Taças Guanabara de 1970, 72/73, e ao Carioca de 1972 [Além do celebrado Torneio do Povo e outras taças menores]. Surpreendentemente, aquela equipe de garotos chegou ao triangular final do carioca e conquistou um histórico título.
É fácil recordar que o time era comandado por Zico. Mas os gols decisivos que nos levaram à taça foram marcados por Leovigildo Lins da Gama Júnior, um paraibano de João Pessoa que chegou garoto no Rio de Janeiro e foi criado jogando bola nas praias. Em uma dessas peladas, foi observado por Modesto Bria [de quem falaremos quando chegarmos aos maiores volantes do clube], que trabalhava nas categorias de base e levou o jovem pra Gávea.
O garoto Júnior era então lateral-direito. Isso mesmo. Ambidestro, jogava em diversas posições no campo, e nos dois primeiros anos de profissional era lateral-direito. Na esquerda atuava o ídolo Rodrigues Neto. Quando Rodrigues Neto foi negociado com o Fluminense em um dos ''troca-troca'' capitaneados por Francisco Horta, presidente do tricolor, o técnico Cláudio Coutinho [de quem falaremos também no futuro] decidiu escalar Júnior do outro lado do campo, barrando outra revelação rubro-negra que mais tarde faria fama fora de campo: Vanderley Luxemburgo. Era o ano de 1976.
A maior parte da história a partir daí é conhecida. Integrante fundamental de uma das 10 maiores equipes de futebol já montadas, Júnior ganhou tudo e mais um pouco. Sua fama extrapolou fronteiras. Recebeu uma proposta do Real Madri, em 1981, mas a recusou porque não via sentido em deixar o maior time do mundo por uma aventura desconhecida na Europa. Só em 1984, aos 30 anos de idade, com o grande Flamengo de Zico já desmontado, é que aceitou ir pra Itália vestir o uniforme do Torino.
E poucos lembram o que aconteceu na Itália. Júnior passou a atuar de meia armador -- Maestro, como dizem os italianos --, e na primeira temporada no país levou o Torino ao vice-campeonato. Mais ainda, naquela temporada de 1984/85, o meia Júnior foi eleito pela crítica especializada italiana como o melhor jogador do país. Ora, na Itália daquele tempo atuavam Zico, Platini e Maradona [já entrando no auge de sua magnífica carreira]. Eis aí a dimensão de Júnior.
Brigado com a diretoria do Torino em 1987, partiu para o Pescara, time pequeno. Ainda assim, foi eleito o segundo melhor estrangeiro do país, deixando pra trás Maradona e Gullit. Não é pouca coisa.
Por fim, em 1989, já aos 35 anos, decidiu voltar ao Flamengo a pedido do filho, que nunca o tinha visto atuar pelo clube de coração. Bendito pedido. Júnior não apenas se despediu, ele liderou uma jovem geração rubro-negra no título carioca de 1991, e em dois nacionais, a Copa do Brasil de 1990 e o Campeonato Brasileiro de 1992. Se aposentou em meados de 1993, já com 39 anos de idade. Nunca teve uma festa de despedida. Não precisou.
Depois da aposentadoria, o Maestro ainda se aventurou como técnico do Flamengo em duas ocasiões. No carioca de 1994 e no primeiro semestre de 1997. Mas não obteve sucesso, acumulando vice-campeonatos. A cobra então mordeu o próprio rabo e o ciclo se completou: Júnior voltou à praia, se tornando o principal nome no desenvolvimento de uma nova modalidade, o Beach Soccer. Como era previsível, ganhou tudo que disputou, desde continentais a mundialitos, chegando às Copas do Mundo de futebol de areia, que conquistou por sete edições consecutivas, estabelecendo a hegemonia brasileira.
O ponto mais frágil da carreira de Júnior, e de toda sua geração, é a falta de títulos pela seleção brasileira. Ele vestiu a camisa canarinho já nas Olimpíadas de 1976, ainda como lateral direito. Depois, foi dono da esquerda por quase uma década, e o melhor de sua posição na Copa de 1982. Em 1986, foi titular do Brasil em mais uma Copa, dessa vez atuando na meia esquerda. Infelizmente não foi cogitado para a Copa de 1990, mas retornou à seleção por causa de seu desempenho no Flamengo no início da década. Até que Parreira teve uma ''conversa franca'' com o Maestro, dizendo que nunca tinha visto uma seleção de alto nível com um meio campo de 40 anos, implicando que não o convocaria para os EUA em 1994. A conversa foi determinante para a decisão de Junior de se retirar dos gramados em meados de 1993.
Dentre infindáveis taças, destaco as seguintes pelo Flamengo: o pentacampeonato da Taça Guanabara em 1978/79/80/81/82, os cariocas de 1978/79/79 especial, 1981 e 1991; a Copa do Brasil de 1990; os Brasileiros de 1980, 82/83 e 1992; a Libertadores da América em 1981; o Mundial Interclubes de 1981.
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