A posição de volante mudou de modo bastante impactante ao longo do futebol do último século. De certo modo, ela nasce também com o WM, quando um dos 'médios' passar a marcar os meias adversários. No futebol sul-americano, o volante tinha também papel importante na saída de bola.
Aliás, existe uma diferença entre o uso sul-americano e europeu do termo. Por aqui, 'volante' diz respeito ao 'primeiro' homem do meio campo, aquele que joga mais perto da área. Já na Europa, todos os meias eram volantes, e cada uma deles tinha uma função específica. Daí as diferentes definições do papel do 'primeiro volante', do 'segundo volante' etc., ou dos ''volantes de contenção'' e os de ''armação''.
Nos anos 1980 e 1990, os times multiplicaram o número de volantes, que perderam um bocado da qualidade técnica, ficando mais conhecidos como ''cabeças-de-área'', enquanto a saída de bola passou a ser feita cada vez mais pelos laterais, transformados em ''alas''. Mas nesse século, o papel de saída de bola e primeira distribuição do jogo voltou a ser enfatizado.
A História d'O Mais Querido é repleta de volantes de muita longevidade no clube. Vamos aos mais importantes deles.
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1) CARLOS VOLANTE [1938/1943]
Se vamos falar de volantes, comecemos pelo original. O homem que deu origem à função.
Damos o nome de 'volante' ao primeiro homem do meio-campo por causa do Flamengo. Toda equipe queria um volante, ou seja, queriam um atleta que atuasse da maneira que atuava Carlos Volante, médio argentino contratado pelo clube da Gávea e que adquiriu novas funções quando Kurschner e depois Flávio Costa revolucionaram o futebol brasileiro.
Carlos era um dos sete filhos de uma família de imigrantes italianos que foi uma das primeiras a habitarem a região que viria a ser a cidade de Lanús. Iniciou sua carreira no clube Lanús em 1924, mas depois se transferiu para outras equipes naqueles tempos de consolidação do profissionalismo argentino. Quando atuava pelo San Lorenzo, em 1929, recebeu uma proposta 'irrecusável' para atuar na Itália.
E lá foi Volante para a terra onde tudo começou para sua família. Atuou por Napoli e Torino, e cinco anos depois decidiu se transferir para a França por causa do clima belicoso que existia na Europa. Foi atleta do Rennes e do Lille, até que percebeu a aproximação da Segunda Guerra Mundial e decidiu voltar para a América do Sul.
Aconteceu em 1938. Carlos Volante foi contratado pelo Flamengo depois da Copa, que foi disputada na França, e em que trabalhou como massagista da delegação brasileira. O Flamengo tinha duas das maiores sensações daquele Mundial, Leônidas e Domingos, e era treinado por Dori ''Kruschner'' , famoso técnico húngaro que o Presidente José Bastos Padilha contratou para levar a outro patamar a equipe de mestiços e mulatos da Gávea, em torno da qual se criava uma identidade nacional e popular.
Kurschner trouxe o sistema tático WM pro Brasil, mas foi demitido ainda em 1938. A genialidade de Flávio Costa, lendário técnico que dirigiu o Flamengo em quase 800 partidas ao longo de três décadas diferentes, transformou o WM na Diagonal, o esquema tático que prevaleceria nos times do país durante os quinze anos seguintes, até que outro técnico do Flamengo -- o paraguaio Fleitas Solich -- ajudasse em nova transformação.
Nesse contexto, o 'médio-central' Carlos Volante se tornou 'O' volante do esquema WM/Diagonal. E todas as demais equipes passaram a buscar um volante.
Carlos fez parte de uma das mais vitoriosas e míticas equipes da história do nosso futebol, o Flamengo de Leônidas da Silva, Zizinho, Domingos da Guia, Yustrich, Valido, Biguá e Jayme de Almeida. Seu fôlego, raça e capacidade de marcação foram inestimáveis pra conquista do fundamental título de 1939 e para as duas primeiras taças do primeiro tricampeonato, em 1942/43.
O Flamengo foi o time em que Volante mais atuou na vida, e até os anos 1950 ele foi o estrangeiro que mais tempo jogou no país. Se aposentou com O Manto Sagrado em 1943 e iniciou carreira de treinador. Comandou, por exemplo, o Bahia campeão da Taça Brasil de 1959.
Jogou também na seleção argentina, talvez a melhor do mundo junto da uruguaia, entre 1929 e 1933, mas não esteve no grupo que disputou a Copa de 1930.
2) MODESTO BRÍA [1943/53] O que o imortal compositor Ary Barroso, funcionários dos Correios, e militares da representação diplomática brasileira podem ter em comum? Resposta na lata: a paixão pelo Clube de Regatas do Flamengo. Foi assim que, em 1943, Ary Fogaça, que trabalhava em um alto posto da administração dos Correios, recebeu fotos e carta de um amigo de Assunção que tecia mil elogios ao futebol do jovem ''centro-médio'' do Nacional e que acabava de ser campeão e chegar à seleção paraguaia.
Fogaça não pensou duas vezes: foi à Gávea falar com o técnico Flávio Costa, avisando que conhecia alguém em Assunção que podia ajudar na negociação, o adido militar Santa Rosa. Depois de analisar a questão, a diretoria d'O Mais Querido deu aval pra que Santa Rosa iniciasse as negociações, já que Carlos Volante se aposentaria naquele ano.
Quando soube que o River Plate estava na disputa pelos direitos federativos do jovem ''centro-médio'', o Flamengo mobilizou outra de suas grandes armas. Ary Barroso, rubro-negro fanático, se dispôs a viajar ao país vizinho pra intimar a grande promessa. Dito e feito, Modesto ''Cachito" Bría chegou no Rio com Barroso em vôo fretado.
E assim, Modesto Bría se tornou o ''novo volante'', já que o volante original, o argentino Carlos Volante, estava pendurando as chuteiras. Foi o início de uma história de amor que nunca mais passou.
Bría já era ídolo quando vestiu o Manto Sagrado pela primeira vez. Técnico, veloz e inteligente, foi titular incontestável do Flamengo por toda a década de 1940. Só se aposentou depois de ter a certeza de ter um substituto à altura, já em 1953. Até lá, foram quase 370 jogos defendendo o Flamengo.
Sua relação com a Gávea não terminou quando se retirou dos gramados. Nunca mais conseguiu ficar longe do clube, seja como auxiliar técnico ou em funções administrativas. Tornou-se funcionário permanente d'O Mais Querido e treinador dos juvenis. Serviu também de ponte entre compatriotas e o clube, e participou ativamente na contratação do goleiro García, do atacante Benítez, do técnico Fleitas Solich, e do zagueiro Reyes. Foi um dos responsáveis pela formação de atletas incríveis nas categorias de base do Flamengo, dentre eles Gérson ''canhotinha de ouro'' e Zico, o ''Galinho de Quintino''. Para completar, foi ele quem descobriu Júnior ''Capacete'' em uma pelada na praia e o levou para Gávea.
Não tem como ser mais ídolo do que isso.
Modesto Bría assumiu o cargo de treinador do Flamengo em três oportunidades, uma delas em 1981, logo após o falecimento de Cláudio Coutinho. Considerava Zizinho o melhor jogador que viu jogar. Na sua posição, achava seu sucessor, Dequinha, o atleta mais técnico que acompanhou. E dizia, "O Flamengo é uma vida. Ser Flamengo é um nó na garganta, e nada mais”.
Seus principais títulos no Flamengo são os Cariocas de 1943/44 e o de 1953.
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