quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O TOURO DE MALLORCA

"O silêncio digno de uma igreja na quadra central favorece a minha concentração. Porque, em uma partida de tênis, a maior batalha para mim é silenciar as vozes na minha cabeça, afastar tudo da minha mente com exceção do torneio em si e focar cada átomo do meu ser no ponto que estou disputando. Se tiver cometido um erro no ponto anterior, tenho de esquecê-lo; se um vislumbre da vitória se insinua, preciso eliminá-lo. ''

Rafael Nadal, 2008





Agora se tornou mais realidade do que nunca. Rafael Nadal fez sua derradeira partida como tenista profissional ontem, pela tradicional e cada vez mais maltratada Copa Davis. Apesar de não ser um fã do estilo do espanhol, o considero o modelo acabado do esportista. Seus fãs veem nele a encarnação da superação, da persistência, da raça, do vigor físico juvenil, e da gana de vencer não só a partida mas todo e qualquer ponto.


Quem acompanhou a carreira de Rafa sabe que não foi apenas isto. Ele não era só um sujeito raçudo, embora ninguém tivesse esse perfil mais do que ele. Nadal foi um dos maiores gênios táticos dentro de uma quadra de tênis. Capaz de elaborar uma estratégia de jogo e segui-la à risca. E também de ter alternativas a ela e mudar sempre que necessário.


Daí que derrotar Nadal em uma quadra exigia muito mais do que estar num bom dia, de ter a inspiração dos deuses. Seus adversários, e estou falando de nêgo do naipe de Federer, Djokovic e Murray, logo perceberam que não bastava jogar bem para se sair melhor contra o maiorquino. Era necessário suplantar a guerra mental que ele dominava tão bem. Em uma lista dos tenistas de mente mais poderosa da Era Aberta, Nadal facilmente sobe ao pódio. Sua competitividade era acrescida desse fator raro, ele sabia que, por mais bela e monumental que fosse uma jogada, ela valia apenas um ponto. E que depois de todo game, a contagem era zerada. E que o próximo set começaria 0 a 0. Não havia espaço para ponderações, arrependimentos e devaneios, só para intensidade máxima, aplicação tática, xadrez com raquete em mãos.


Essa combinação se tornava ainda mais mortal no saibro. Nunca ninguém dominou tanto uma superfície do esporte dos Reis quanto Rafa o fez na terra batida. Enfrentá-lo em Roland Garros era o maior desafio do tênis, um feito quase tão memorável quanto levantar um Grand Slam. Todos lembram de Robin Soderling, não porque ele tenha sido número 1 do mundo, não porque ele tenha sido campeão de major. Mas porque foi o primeiro a vencer Nadal na Philippe Chatrier. O "Touro" venceu mais de 91% das partidas que fez no saibro. Em Grand Slam, que exige melhores de cinco sets, a proporção cresce para inigualáveis 97,5%. No fundo, Rafa disputou 115 partidas no saibro em melhor de 5 sets, e só foi derrotado três vezes. Surreal para alguém que se aposenta aos 38 anos de idade.





É desnecessário dizer que sua carreira não se resume só ao saibro. Ele tem nada menos que 8 Grand Slam em superfícieis diferentes, mesma quantidade de troféus que Agassi, Lendl e Connors em toda a carreira. Os números são impressionantes, e só não causam mais espanto porque sempre comparados com os de Federer e Djokovic, seus dois principais rivais e com os quais Rafa escreveu páginas imortais na história do esporte.


Mas não falemos hoje dos rivais. E sim do maior nome do esporte espanhol, que fez 30 finais de majors e levantou 22 troféus, que tem 36 títulos de Masters 1000, 92 taças em simples e 11 em duplas, que tem duas medalhas de ouro olímpicas [que ele valorizava como poucos de seus colegas]. Que tem 209 semanas liderando o ranking da ATP, e terminou na liderança do ranking em 5 temporadas.


Nem esses números dão a dimensão do que vimos em quadra.



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