Agora que conhecemos detalhes do plano para sequestrar e possivelmente matar os então Presidente e Vice-Presidente eleitos, e o então Presidente do TSE, algumas coisas tem passado batido nas reações mais gerais do grande público e de parte considerável da mídia.
Ora, muitos fatores impediram que os birutas levassem o plano a cabo. Um dos principais foi a falta de adesão da maioria esmagadora do Alto Comando do Exército. E sem o Alto Comando do Exército, o golpe tal como planejado fracassaria miseravelmente. O 'não' dado pelos principais Comandantes-- estou falando daqueles que efetivamente tem tropas à disposição -- foi fundamental para que o chefe da conspiração, que quase certamente é o próprio Bolsonaro, titubeasse e não desse o aval na hora 'h'. Provavelmente, tentaram convencer o Alto Comando, ou pelo menos o Comandante do Exército, até o fim, mas sem resultado.
Muita gente prefere concentrar atenção no Exército, até de forma jocosa, como se o plano tivesse sido elaborado minuciosamente pela instituição, com todos os seus principais quadros envolvidos. Pelo contrário, a estratégia era levada adiante por um círculo restrito de oficiais com ligações pessoais com Bolsonaro e, provavelmente, visto com muita desconfiança ou franca desaprovação fora desse grupo.
Interessa focar no Exército porque o mito fundador da Nova República defende que a Constituição de 1988 é consequência de uma batalha da sociedade civil contra militares que realizaram uma quartelada em 1964, isentando assim todas as organizações que deram apoio direto e indireto ao golpe e ao regime que nasceu dele. E, de forma mambembe e até ridícula, dando a guerrilheiros comunistas com financiamento e lealdades estrangeiras algum tipo de heroísmo em prol da Pátria e, pior ainda, da "democracia liberal".
Outra coisa pouca notada é a participação de policiais federais. Wladimir Soares, que trabalhava na segurança de Lula e repassou informações para os golpistas, e que também frequentava os acampamentos montados em frente aos quartéis, é figura importante no esquema golpista. Não é o primeiro policial federal envolvido, pois já se conhece a pressão exercida por Bolsonaro sobre as chefias da corporação no caso de investigação de seu filho Flávio.
Chama atenção também que o financiamento de toda essa operação seja varrido para debaixo do tapete. É como se estivéssemos lidando com intrigas palacianas ou uma mera pendenga entre corporações do Estado, sem qualquer participação da sociedade civil, justamente o mito da Nova República em relação a 1964. Mas de onde vem a grana? Que outras figuras do mundo político-partidário, do Judiciário, e do empresariado se envolveram direta e ou indiretamente com esses planos? Quantos deles sabiam e mexeram os pauzinhos para ajudar os conspiradores? Nada disso parece importar tanto a Alexandre de Moraes e ao grosso da mídia. Mais ou menos como se fala de ''corrupção'', centrando denúncias, escândalos e investigações apenas no desvio de agentes públicos e deixando de lado as ''forças do mercado'', aqui também os financiadores e apoiadores na sociedade civil se tornam invisíveis.
Por fim, impressiona como o mundo não apenas gira mas capota. Não tem muito tempo que a esquerda reclamava de certas oligarquias políticas que conduziram o impeachment de Dilma, e de que a traição de Temer se tornou um símbolo, e da Operação Lava-Jato liderada pelos execráveis Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. Neste exato momento, essa mesma esquerda faz de Alexandre de Moraes, um juristocrata ainda mais perigoso e competente que Sérgio Moro, o grande herói da manutenção da democracia, como se o STF não estivesse em disputa com os demais Poderes e também com as Forças Armadas pelo 'direito' de exercer o Poder Moderador do país. Não à toa, Alexandre de Moraes concentra poderes de modo incompatível com a Constituição. Ou nem tão incompatível assim, já que o próprio STF se diz competente para 'interpretar' o texto de acordo com suas próprias conveniências travestidas de teoria jurídica da mais alta qualidade.
Falar do plano golpista conduzido pelo entorno de Bolsonaro é contar apenas metade da história. Mas as principais forças políticas do Brasil não parecem estar dispostas a falar nada além da versão oficial, que é aquela que Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Barroso, Fux etc. tem na ponta da língua, e que será repercutida pelas principais empresas de informação desde que o problema todo se concentre no Exército, o grande bode expiatório da Nova República.
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