sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A REPÚBLICA ANTI-POVO

 "[A Guarda Negra] se vinculava a compromissos solenes e graves rituais, o que lhe dava aparência de Maçonaria Negra; as sessões eram rigorosamente secretas, os iniciados contraíam juramentos sagrados, entre os quais o de guardar absoluto sigilo sobre as deliberações da casa. A violação dos segredos podia acarretar até a pena de morte [...]. Ao entrar para a milícia, cada um deles, de joelhos e com a mão sobre os Evangelhos, fazia o seguinte juramento: "Pelo sangue de minhas veias, pela felicidade dos meus filhos, pela honra de minha mãe e a pureza de minhas irmãs, e, sobretudo, por este Cristo, que tem séculos, juro defender o trono de Isabel, a Redentora. Em qualquer parte que os meus irmãos me encontrarem, digam apenas - Isabel, a Redentora - porque essas palavras obrigar-me-ão a esquecer a família e tudo que me é caro".'

Orico, Osvaldo. O Tigre da Abolição


O Isabelismo era um verdadeiro culto secreto de negros e abolicionistas monarquistas, como José do Patrocínio, à Princesa Isabel, a Redentora



A República brasileira foi fundada por um conluio entre elites provinciais que desejavam se livrar dos traços unitários do Estado, pela ascensão dos cafeicultores paulistas incomodados com a falta de poder em um Império centralizado em torno do Rio de Janeiro, por militares ressentidos pelo civilismo e por sua decadência social, e por uma elite que rompeu com a família real por temor do projeto abolicionista.


Os republicanos se fiavam fanaticamente em ideologias racistas que implicavam na repressão a manifestações culturais populares, consideradas selvagens e incompatíveis com a única civilização possível, aquela difundida pelos grandes centros liberais e capitalistas europeus e norte-americanos. Não apenas marginalização da cultura, mas uma tentativa canhestra e até risível de ''embranquecimento'' e de reformas urbanas para que ficássemos mais parecidos com Paris e Berlim.


Podemos exemplificar essa sanha colonialista com as reformas urbanas no Rio de Janeiro, capital do país e até então nossa única metrópole, que expulsou os pobres para bairros distantes e impulsionou o processo de favelização. E a perseguição ao samba, o ataque a terreiros de omolokôs e candomblés, a tentativa de importar um modelo de Carnaval direto de Veneza.
O golpe militar de Deodoro da Fonseca inaugurou uma República disfuncional e sem povo


A República nasceu atacando a religiosidade popular. Apesar do papel da Igreja no fim da Monarquia, o catolicismo-romano foi simplesmente ignorado, a separação entre o Estado e um dos marcos mais óbvios de identidade e unidade nacional foi quase que total. Os Estados Unidos do Brasil comemoravam como feriado nacional a queda da Bastilha mas não o Natal ou a Paixão de Cristo. Sempre que considerou necessário, os republicanos partiram para o genocídio, convictos de que desse modo confirmariam sua lealdade aos princípios da civilização iluminista europeia. Foi assim em Canudos e no Contestado, por exemplo.



A rejeição ao Imperador deixou um buraco no peito da nação, como é o caso da abolição do Poder Moderador. Que sumiu do arcabouço jurídico, mas permaneceu na cultura e no imaginário ao ponto de ser disputado ainda hoje, mais de 130 anos depois do golpe militar que, diante do Senado Imperial, conspurcou o Campo da Aclamação. Chega a ser irônico que a República, filha do golpismo de Generais, fique assoberbada pela perene reivindicação do Exército de ocupar o lugar deixado pelo Imperador. Não só os militares, mas outras corporações ligadas à alta classe média decadente, e mais adequadas ao espírito do tempo, como é o caso da atual juristocracia, iniciada na Operação Lava-Jato e na República de Curitiba, e que culminou na atual Democracia Militante de Alexandre de Moraes e cia.

13 de maio de 1888


Faltou dignidade à República até no tratamento devido à família imperial deposta do poder. As elites racistas, colonialista e golpistas que consolidaram o novo regime não tiveram sequer a decência de homenagear Dom Pedro II em sua morte, preferindo ignorar o evento, e até mesmo abafá-lo, para não despertar as paixões populares, já que a população era majoritaria e esmagadoramente monarquista. Coube a um governo estrangeiro, o francês, realizar as honras que o Monarca, enterrado com uma urna contendo terra de todas as províncias brasileiras, fazia por merecer.


Até hoje os republicanos se esforçam para distorcer e borrar a memória da Princesa Isabel, herdeira do trono, como se fosse pouco assinar a Lei Áurea sem indenização aos grandes fazendeiros que formavam o grosso da elite social e política, e que se sentiram todos muito republicanos depois da Abolição da escravatura. Cabe lembrar que a imagem de Redentora associada à Princesa Isabel era divulgada por alguns dos principais líderes do movimento abolicionista, alguns deles negros, como José do Patrocínio, e pela Guarda Negra de capoeiras que se via na missão de combater os republicanos, que eles viam como uma reação à emancipação.

Morte e funeral de Dom Pedro II, na França



Essa República do Brasil oficial, como a chamaria Ariano Suassuna, é disfuncional e odeia o próprio povo. Seus defeitos continuam rigorosamente os mesmos, com uma intelectualidade alienada que não se cansa de imitar as modas do Norte Geopolítico, com o qual tem um sentimento de pertencimento que beira o patético, e a incapacidade paralisante de lidar com os valores e os horizontes culturais da própria população. Não vou nem falar do ódio à religiosidade, do papel das corporações do Estado disputando o Poder Moderador, da persistente desigualdade social, do anti-povo de parasitas doidos para colaborar com a espoliação estrangeira.


A República brasileira parece ter o objetivo de confirmar o ditado popular de que ''pau que nasce torto, morre torto''. E por isso as comemorações hoje serão bem pequenas. O povo não está nem aí em 2024, como também não estava em 1889. Talvez Dom Pedro II tenha cometido seu maior erro político ao não atender o pedido de Tamandaré e permitido que a Marinha falasse grosso com os golpistas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário