Hoje deparei com a seguinte mensagem do professor Luiz Gonzaga de Carvalho no Facebook:
''SOBRE O TRABALHO COM RELIGIÕES COMPARADAS:
Pouquíssimos conflitos existem entre católicos e judeus hoje em dia (nem sempre foi assim), podemos dizer quase o mesmo no que diz respeito às relações entre católicos e protestantes, porém não se passa o mesmo nas relações com ortodoxos e com mussulmanos, grupos cuja presença é uma REALIDADE.
Vejam, ou o católico defende a democracia conservadora-liberal judaico-cristã, e nesse caso é imprescindível que encontremos soluções filosóficas que possam se refletir posteriormente como soluções sociais para um real entendimento mútuo e bom convívio com mussulmanos e ortodoxos (como recomenda o Concílio), ou renegamos totalmente o "judaico-cristã" da sociedade e nem pensamos mais em religião alguma, ou então viramos todos evolianos-duginistas-católicos-tradicionalistas e assim apelamos ao extermínio ou banimento em massa do "infiel", destruindo assim a própria base da moral, do estado de direito e vamos todos para o inferno. Não vejo outra alternativa.
FATO CONCRETO: Esses grupos religiosos não estão mais restritos às suas fronteiras originais, como estavam até o século XIX (coisa que às vezes parece difícil para a pessoa religiosa e devota entender e aceitar).
Esta postagem se dirige àqueles que querem resolver dilemas pessoais sobre a existência das demais religiões, e a pessoas que tenham um interesse real de encontrar soluções doutrinais, aplicáveis socialmente, para o problema do bom convívio entre membros de várias religiões com valores morais em comum. Fora isso, concordo que cada um deve defender o seu lado apologeticamente, mas não aqui.
Tentei durante a vida toda seguir o conselho do meu pai, Olavo de Carvalho, de fazer dos meus interesses e dilemas intelectuais pessoais mais profundos, o foco principal dos meus estudos, sugiro a todos que façam o mesmo.''
A mensagem parece com uma defesa dos pronunciamentos do Olavo de Carvalho em suas novas polêmicas. O comunismo já não anda mais tão em alta na retórica do defensor do conservadorismo liberal estadunidense, e o alvo agora é tudo o que lembre ''eurasianismo''. No fim das contas, porém, é apenas mais do mesmo, um endeusamento da experiência iluminista e liberal.
1) Não existe ''democracia liberal conservadora judaico-cristã''. Esta mistura de epítetos possui por referência a ordem política liberal, que não depende em nada, para sua continuidade, do conservadorismo, nem muito menos do judaísmo ou do cristianismo, como se pode ver hoje na maior parte do Ocidente, e como admite Luiz Gonzaga quando diz que é possível deixar de lado o ''judaico-cristão'' da definição. O convívio de populações secularizadas em países de passado católico-romano e protestante se dá, historicamente, sob a égide da ética procedimental, fundamentada em uma internalização da ideia de bem, que passa a ser vista como componente das crenças e fins pessoais, enquanto na esfera pública deve vigorar as formas institucionais e políticas protetoras das garantias individuais sob um regime de credo liberal. Este arranjo sofre resistência de ortodoxos e muçulmanos [e também dos católicos tradicionalistas que serão citados por Carvalho ao lado dos eurasianos] na medida mesma em que estes fiéis não passaram ainda por um processo intenso de secularização e de revolução iluminista ou a ele resistem.
2) Não existe um movimento unificado de ''evolianos-duginistas-católicos-tradicionalistas'' que forme uma frente única contra o liberalismo nem que possa ser unificado a partir da ideia de ''extermínio do outro''. Esta parece ser uma tentativa de Luiz Gonzaga de unir elementos díspares, que são conjuntos formados a partir de critérios distintos, com amplitudes diversas, talvez em uma tentativa de inverter a retórica de Dugin, colocando no mesmo saco tudo que se posicionaria contra a ''sociedade aberta'' [seja ela vagamente religiosa, como no caso da permanência maior ou menor de elementos da moral cristã, ou francamente materialista]. Fazendo isso, Luiz Gonzaga parece aceitar a proposta ideológica dicotômica que o pensador russo colocou na ordem do dia com o Nacional-Bolchevismo e a Quarta Teoria Política. Embora não dê a essa dicotomia a dimensão geopolítica de Dugin, é a aplicação do mesmo tipo de raciocínio à esfera social a partir de uma ótica de ''convivência entre religiões diferentes''. Todos os religiosos parecem ser divididos assim entre aqueles que são defensores e aceitam os parâmetros da política liberal -- aquela que teria permitido a ''católicos'', ''protestantes'' e ''judeus'' conviverem sem grandes problemas -- e os demais que, por se oporem a ela, são ''fanáticos'' desejosos por perseguir e ''matar infiéis''.
3) Estes grupos religiosos nunca estiveram restritos a fronteiras inteiramente excludentes, de modo que a coexistência entre eles não é uma novidade na História. O Império Russo possuía uma grande população judaica e muçulmana. As regiões do Império Omíada e depois Abássida tiveram maioria cristã durante séculos. A Espanha foi uma grande confluência de povos de diferentes orientações religiosas. A Índia viveu milênios com grande diversidade religiosa, e por aí vai. Cada uma destas organizações e formações sociais encontrou as próprias soluções sem necessidade de ''matar'' ou ''banir infiéis'' de maneira sistemática. Luiz Gonzaga não torna explícito o porque pensa que estas alternativas, fundamentadas nas doutrinas destas religiões, não é mais válida.
4) A argumentação do Luiz Gonzaga pode ser usada para atacar o liberalismo a partir de uma ótica multiculturalista e pós-moderna. Já que há diversidade no mundo moderno, por que não instaurar uma política pública de reconhecimento das diferentes identidades colocando, de certo modo, fim ao credo liberal no terreno público (que busca empurrar as diferenças apenas para o campo da defesa das garantias individuais na esfera da vida privada)? A solução multiculturalista de uma grande sociedade pós-moderna-católica-ortodoxa-judaica-muçulmana-newager-satanista-agnóstica-ateia-liberal-comunista-feminista-e-tudo-o-mais-que-couber-no-rótulo-e-que-a-imaginação-humana-puder-usar-como-identidade-a-ser-reconhecida-e-promovida-pelo-poder-público estaria na agenda, já que a ''diversidade'' no mundo moderno é uma REALIDADE, parafraseando a mensagem do professor? Se a diversidade não seria necessariamente um critério para a formação do ''novo consenso'' porque defender uma sociedade ''judaico-católica-protestante'' [partindo do princípio de que isso tenha existido, do que discordo]? Por que a democracia liberal deveria ser defendida como princípio governante no terreno público e não o multiculturalismo? E o que dizer de outras alternativas, como os diversos comunitarismos, o etno-diferencialismo etc.? Por que sacrificar todas estas possibilidades só pelo desejo de ver salvação na ética procedimental liberal, sem a qual ''iremos todos para o inferno''?
Luiz Gonzaga de Carvalho parece ter defendido o velho mito da ordem liberal como dirimidora de conflitos entre as religiões para vender seu peixe contra os adversários da hora.
Não lhe parece que com isso, no fundo, Olavo e Luiz Gonzaga estão criando um campo de atuação para a substituição do socialismo pelo duginismo no Brasil? Ou eles realmente estão tão fora da realidade assim?
ResponderExcluirDe todo modo, não entendo por que Dugin quis debater com Olavo, nem o segundo com o primeiro. Era ou não era para insuflar o ego e a ocupação de espaços um e do outro?
Juro que quando li " democracia conservadora-liberal judaico-cristã, " no texto do Luiz Gonzaga que compartilharam no facebook, achei que ele estava de zueira.
ResponderExcluir