Não tive nenhuma educação religiosa quando criança dado que meus pais sempre se mostraram indiferentes quanto à vida espiritual. Ainda assim sempre fui vividamente interessado no tema. Minha fé juvenil era alimentada por filmes cristãos que costumavam passar no fim do ano e na Semana Santa e por leituras do Evangelho, que eu realizava desde infante. A história de Cristo me fascinava e Sua Paixão me despertava profunda reverência. Por isso também um dos meus 'sonhos de criança', nunca realizados, era ver a encenação da Paixão e Ressurreição de Cristo que começava a ser feita nos Arcos da Lapa. Era um espetáculo de muito maior visibilidade que hoje, em uma cidade e um país bem mais católico-romanos e religiosos. A encenação deste ano, que sequer seria realizada na Lapa mas na Catedral Metropolitana, foi cancelada pela Arquidiocese. A causa, porém, não é o desinteresse crescente dos cariocas e sim os rumos que tomaram a desocupação da chamada ''favela da Telerj''.
O que me chamou a atenção não foi o protesto dos desabrigados em frente à Prefeitura nem tampouco o uso de força policial para retirá-los de lá ou as promessas vazias de governantes fingindo se preocupar com os sem-teto. E sim que alguns, que não são necessitados, resolveram levá-los para a Catedral do Rio em plena sexta feira santa; logo se espalhou nas redes sociais um certo repúdio por parte de esquerdistas com a decisão da Arquidiocese de não deixá-los ocupar o local. Um colega meu, professor, chegou a dizer que ''a Igreja do Rio o envergonhava'' e que ''se uma igreja não servia para ajudar as pessoas então não sabia para o que servia'', típica visão secular que não imagina outra função para a religião se não aquela que a torna em mero meio de filantropia burguesa. Retruquei que ele podia não saber, mas os católico-romanos sabiam: trata-se de um Templo, um local de culto ao sagrado, não um abrigo público, e que a Igreja se dispôs a ajudar de outras formas, intermediando uma solução com a Prefeitura e doando alimentos. O colega não aceitou minha resposta. Para ele é inconcebível que a Catedral Metropolitana não seja ocupada por tempo indeterminado, só resolvendo se calar quando perguntei, educadamente, quantos desabrigados ele estava alojando na sala de sua casa.
Mais uma vez os necessitados ficam em um fogo cruzado, explorados por uma associação entre poder econômico e político, e manipulados por gente que demonstra pouca preocupação com sua situação real. Chegaram a entrar em acordo com a Arquidiocese, que se ofereceu como mediadora entre eles e as autoridades governamentais, mas, depois de ''ouvirem sua assessoria'', voltaram atrás. Esta mesma ''assessoria'' os levou em um caminhão para a Catedral e, temerosa de perder o controle sobre eles, os proibiu de dar entrevistas.
Evidente que se trata de dar visibilidade ao protesto contra o prefeito e o governador em plena Semana Santa, acrescentando uma grande dose de crítica rasteira à Igreja, acusando-a implicitamente de não dividir seus bens com os pobres, e denunciando a suposta proximidade entre Dom Orani Tempesta, Cardeal do Rio, com Eduardo Paes. Nada além de disputa política-partidária de baixo nível sem nenhum compromisso humanitário real. Maior dignidade teriam se abrissem as sedes dos partidos políticos existentes no centro do Rio para ajudarem provisoriamente esta boa gente e que colocassem o foco na resolução de seu verdadeiro problema: a recusa do Estado em oferecer-lhes não um abrigo -- algo que os necessitados já disseram não querer -- e sim uma moradia ou, no mínimo, aluguel social.
Mas a magna virtude da caridade, ensinada e praticada por instituições como a Igreja Católica, nunca foi o forte da esquerda marxista, que sempre defendeu que aqueles que desse modo ajudassem os pobres acabavam por preservar e perpetuar o sistema sócio-econômico capitalista, e, portanto, a injustiça. Não é surpresa que odeiem tanto os templos dos católico-romanos, que cismam, ó horror, em dar maior valor às pessoas do que à mera manobra politiqueira.
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