Donald Trump é um mega-empresário da Costa Leste, com fortuna construída também na construção civil nova-iorquina, atividade que lhe permitiria ter vínculos profundos com sindicatos e corporações que eram tradicionalmente vinculadas à ''comunidade ítalo-americana'' -- com todos os seus braços tão conhecidos, incluindo a máfia. Teve algum grau de circulação entre celebridades da indústria cultural, de modo que se tornou uma figura popular nos anos 1980 e 1990.
Nunca foi um conservador no sentido estrito do termo, e se associava inicialmente a Democratas. Ele foi capaz de perceber a decadência daquele mundo industrial norte-americano a partir dos anos 1980, com consequências que se enraizavam na América Profunda, as pequenas cidades que existiam em torno de pequenos negócios e de fábricas, e que entraram em decadência com o mundo dos shoppings e a concorrência asiática [primeiro japonesa e depois chinesa].
A precarização industrial norte-americana se deu de modo concomitante ao nascimento da nova esquerda e do discurso woke. E também à incapacidade do país de manter uma ação imperial-militar de grande porte na maior parte do mundo usando como bode expiatório a Rússia, cujo cerco na Rimland é norma estruturante da geopolítica ianque desde o fim da II Guerra Mundial.
Foi com um amálgama deste discurso que Trump conseguiu desalojar as duas famílias que representavam o controle das elites políticas neoliberais e globalistas norte-americanas. Primeiro, derrotou os Bush nas primárias dos Republicanos; depois, para surpresa do mundo, derrubou Hillary Clinton no Colégio Eleitoral.
Esse corpo estranho ao establishment se aproveitou da confusão estabelecida no seio das agências de segurança e dos planejadores do país para construir, com mão de ferra, seu controle sobre o Partido Republicano, instituição que tem imensa capilaridade em todos os setores da sociedade. E este controle se tornou ideológico também, de nada adiantando a oposição das antigas oligarquias que controlavam o partido. O Partido Republicano se tornou trumpista pouco a pouco, abandonando o neoconservadorismo e adotando feições nacional-populistas. Ele tampouco perdeu tempo no Judiciário, fazendo da Corte Suprema, há meia década um instrumento dos ''liberais", uma trincheira conservadora tão forta que foi capaz de derrubar a simbólica decisão sobre o aborto de Roe vs Wade.
Foi mantendo as rédeas firmes sobre o Partido Republicano, estratégia capaz de criar um arco de aliança com ressonância tanto na alt-right quanto no conservadorismo religioso, que permitiu a Trump resistir à sabotagem sofrida nos seus primeiros anos de governo, à estranha derrota eleitoral de 2020 -- baseada em dezenas de milhões de votos depositados pelos Correios, a maioria esmagadora deles ''democratas'' --, e às tentativas de impedi-lo de concorrer novamente e de condená-lo na Justiça.
Sua vitória é fruto de um plano bem estruturado e planejado, não de um conspiracionismo porra louca saído de alguma mente insana. Ninguém sobrevive e vence em uma política tão complexa e feroz quanto a norte-americana apenas baseado em carisma e lacração à direita.
Por outro lado, de nada adiantaria esse projeto se ele não se fincasse, de modo muito ferrenho, em uma longa tradição política norte-americana, subterrânea por muito tempo mas pronta a emergir. O nacional-populismo de Trump, do protecionismo econômico, do federalismo nas questões civis e penais, do apoio a Robber Barons, do isolacionismo, do spoil system na burocracia federal etc. sempre esteve no imaginário dos EUA, que não nasceram após a Segunda Guerra Mundial. Estamos falando de um país moldado na ideia da fronteira, do faroeste, do homem forte vindo do deserto para impor a ordem no momento em que o ''império da lei'' fraqueja.
No entanto, a esquerda internacional tratou Trump por muito tempo como um idiota. Mas idiota é quem chora e se lamenta das durezas da vida enquanto os idiotas governam.
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